quinta-feira, 31 de agosto de 2017


31 DE AGOSTO DE 2017
DAVID COIMBRA

Homens antigos


Fui encontrar os velhos amigos de infância, caras com quem joguei botão e bolinha de gude, colegas de time, companheiros de farras. Nós atravessamos a infância e a adolescência juntos, fomos testemunhas do começo das vidas uns dos outros.

Quando cheguei, o Fernando já estava lá, atrás de uma cerveja gelada. Ao abraçá-lo, notei uma novidade. - Que que é isso? - apontei para o objeto apoiado na mesa. Era uma bengala.

- Tive um probleminha aqui na perna esquerda - ele explicou. - O médico mandou eu sair com isso para me sentir mais seguro.

- Ah... Um probleminha...Sentamos. O garçom colocou mais um copo na mesa.

- E o Cavalo? - estranhei. O Amilton Cavalo nunca se atrasa.

- Vai ver é o trânsito.

Antes que pudéssemos reclamar do trânsito, chegou o Jorge Barnabé. Veio rindo, como de hábito. O Jorge sempre foi um sujeito tranquilo e bem-humorado. Era um ponta-direita veloz, de chute firme e seco. Sabia irritar os adversários, mas nunca se metia em brigas. Podia até provocá-las, só que, depois, quando todo mundo se engalfinhava, ele ficava assistindo de um canto. 

Não sei como, com toda essa calma, foi ter um infarto, tempos atrás. Os médicos serraram o peito do Jorge do pescoço ao umbigo e afastaram os ossos até abrir um buraco por entre o qual podia passar o coração. Então, eles lhe arrancaram o coração do peito e o deitaram em uma bandeja. Enquanto uns o consertavam, outros ligaram o Jorge a uns aparelhos que o mantiveram vivo. Feito o reparo, botaram o coração lá dentro outra vez e o fecharam.

Como é que eles conseguem fazer uma coisa dessas?

- E o Cavalo? - perguntou o Jorge.

- Trânsito...

Pedimos outra cerveja. Ficamos ali, rolando conversa mesa abaixo, até que o Amilton Cavalo entrou no bar. Veio com um grande colar cervical em volta do pescoço. Arregalamos os olhos:

- O que aconteceu??? - Hérnia de disco.

Então me ocorreu: o Fernando de bengala, o Jorge com uma cicatriz lhe dividindo o peito que nem o Mississipi divide os Estados Unidos, o Amilton dentro de um colar cervical e eu também cá com minhas contingências, nós, que passávamos todo o dia de domingo no futebol e toda a noite de sábado na esbórnia, nós, agora, sentimos os efeitos do tempo. Mas, sentado à mesa com os parceiros da vida inteira, rindo e bebendo com eles, podia até sentir esses tais efeitos do tempo sem me sentir velho. Ao contrário: parecia que tinha de novo 16 anos de idade.

Porque é assim que é. O homem que não se cansa de aprender e que mantém o interesse pelos seus afetos pode até ser antigo, mas não será velho. Nós quatro, ali, éramos quatro guris de cabelos grisalhos. Menos o Jorge. O Jorge jura que não, mas aposto que ele pinta o cabelo.

Empresa jovem

Hoje, a RBS completa 60 anos. É mais velha do que nós quatro que estávamos naquela mesa, portanto. Tudo de relevante que ocorreu no tempo que vivemos até agora foi registrado pela RBS. Não é pouca coisa.

Como já disse: uma pessoa pode prosseguir cheia de vigor por décadas se continuar aprendendo e sentindo afeto pelos seus afetos. E uma empresa pode varar a poeira dos séculos se conseguir se adaptar às mudanças da sociedade. O processo é o mesmo: é preciso aprender sempre e manter sempre o interesse nas pessoas.

A RBS, que se renova sem parar, consegue tal façanha. É uma empresa estuante de energia, mas plena de experiência. Com uma vantagem na parte física: basta mudar de prédio ou trocar de equipamento, que tudo fica ainda melhor. Não terá de usar bengala, nem colar cervical, nem ponte de safena. Muito menos pintar o cabelo, como pinta o Jorge.

DAVID COIMBRA


31 DE AGOSTO DE 2017
OPINIAO DA RBS

UM SONHO DE SEIS DÉCADAS


A RBS dedica seu aniversário aos milhões de gaúchos que nos dão a sua confiança

Nosso mapa para o futuro é lido com a bússola dos valores que nos guiam há 60 anos

Há 60 anos, um homem começou a transformar uma realidade em sonho.

Quando Maurício Sirotsky Sobrinho encontrou na Rádio Gaúcha o embrião do que viria a ser a RBS, ele deu asas a um ideal que, ao longo de seis décadas, vem sendo erguido pelo empenho em auscultar e refletir fatos, fenômenos e diferentes vozes com o sentido de inspirar mudanças positivas na sociedade. Assim se forjou o propósito da RBS, a razão de nossa existência, renovada todos os dias pelo mandato de ouvintes, leitores, telespectadores e usuários das mídias digitais.

Responsabilidade, ética, liberdade, visões plurais, solidariedade, proximidade com as comunidades. Os valores e princípios semeados pelos criadores da RBS, com Maurício e Jayme Sirotsky à frente, nutriram aquele sonho, que se materializa a todo momento por meio de notícias, comentários, diversão, entrevistas, debates, reportagens e imagens que impactam a vida de milhões de gaúchos.

Os fundadores da RBS legaram muitas lições, mas uma delas sintetiza as demais: não há fundamento em se fazer comunicação se não for para melhorar a vida das comunidades nas quais a empresa atua. É por isso que, de olhos postos no futuro, a RBS dedica seu aniversário de 60 anos aos milhões de gaúchos que nos dão diariamente a sua confiança.

O sonho de Maurício se entrelaça com a realidade graças à dedicação de milhares de colaboradores que compartilham os mesmos valores e floresce na reverência a um princípio basilar: o respeito ao público, o real responsável pelo crescimento da RBS e seu reconhecimento como empresa de referência na comunicação no Brasil e até mesmo no Exterior.

O caminho pode não ser sempre cartesiano. Por suas características, a comunicação percorre trajetórias que vão sendo desenhadas a cada instante. Não sabemos qual será a notícia daqui a cinco minutos - sabemos apenas que ela será construída e transmitida por nossos profissionais tendo por base os valores que nos orientam.

Em seis décadas, o mundo virou e segue virando de cabeça para baixo, mas, no lugar de nos assustarmos, estamos embarcados de peito e mente abertos nessa viagem pelo desconhecido. Queremos fazer essa jornada cada vez mais próximos. Nosso mapa para o futuro é lido com a bússola dos valores que nos guiam há 60 anos. 

O roteiro também é o mesmo: o sonho de ajudar a construir uma sociedade melhor. Percorremos essa rota com o espírito de aprender, corrigir e procurar acertar a cada momento. Não somos perfeitos. Somos, sim, movidos pela busca incansável da excelência em tudo o que fazemos. E sonhamos em fazer muito pelas próximas seis décadas e muito mais à frente.


31 DE AGOSTO DE 2017
ECONOMIA

CAMPANHA PARA USO DE MOEDAS


Cerca de 35% das moedas emitidas no Brasil desde 1994 estão fora de circulação, esquecidas ou guardadas em cofres, gavetas ou carros, o que equivale a R$ 1,4 bilhão. Atualmente, há R$ 6,3 bilhões em moedas no país - R$ 31 por pessoa.

A informação foi dada ontem pelo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn (foto), no lançamento da campanha pela recirculação de moedas batizada Caça ao Tesouro, que a instituição divulgará por um mês a partir de setembro nas redes sociais. A máquina na foto fica dentro do prédio do BC e serve para incentivar os funcionários a trocarem as suas moedas por cédulas.

- É papel do Banco Central sensibilizar o público quanto à necessidade de promover a recirculação das moedas guardadas, pois o entesouramento, além de contribuir para a dificuldade de troco, motiva a necessidade de produção de novas moedas, cujos custos têm sido crescentes - afirmou o dirigente do BC.

Segundo Goldfajn, o custo de suprimento de moedas foi de R$ 243 milhões no ano passado.

- Em 2016, foram postas em circulação 761 milhões de unidades de novas moedas, número 11% superior ao de 2015. Em 2017, até 31 de julho, já foram 434 milhões.


31 DE AGOSTO DE 2017
VERISSIMO

Dar-se conta

Tem um personagem do Voltaire que um dia descobre, encantado, que falou prosa toda a sua vida. Pertencemos, simultaneamente, a várias categorias das quais não nos damos conta. Inclusive a dos prosadores. Qualquer pessoa sensata que parar para pensar na origem e na expansão do Universo e no que nos espera quando nosso Sol se extinguir ou explodir terá a mesma reação do personagem do Voltaire - só que, em vez de se encantar, pensará: "Isso não vai acabar bem...". 

Não podemos pedir dispensa do Universo e suas convulsões por uma questão de consciência, alegando ser contra a violência. Nem fazer como aquela moça do interior que lia nos livros de física sobre as leis da termodinâmica e da gravidade e suspirava porque nenhuma daquelas coisas excitantes acontecia com ela. Aconteciam, ela só não se dava conta.

Não tem sentido dizer "não entendo nada de economia", como se a economia não tivesse nada a ver conosco e ficássemos imunes às suas leis. Você está dentro da economia do seu país, queira ou não, entenda-a ou não. É um ser econômico até dormindo. A diferença entre a economia e o Universo é que até agora ninguém conseguiu alterar os processos cósmicos e as leis naturais, enquanto a economia de um país é uma questão de escolha. Você não pode viver socialisticamente num país capitalista, mas deve ter sempre em mente que existem alternativas, não importa o que dizem os economistas neoliberais. 

Estes prevalecem na falta de uma oposição consequente. Agora mesmo assistimos a uma tomada da economia nacional por uma ortodoxia neoliberal que é quase caricata na sua falta de pudor, incluindo cortes nos direitos de trabalhadores, cortes em programas sociais em nome de uma austeridade letal para os mais pobres, privatizações sem justificativa a não ser a do entreguismo puro, leilão de grandes áreas do patrimônio nacional para espoliadores estrangeiros etc., etc.

Tudo isso é conosco, estamos metidos nessa violência como estamos metidos no Universo. Falta nos darmos conta de que outro Universo não é possível, mas outro mundo é.

PAPO VOVÔ

Nossa neta Lucinda, de nove anos, estava brigando com os pais. Já tinha esgotado seu repertório de queixas, não tinha mais o que dizer para ganhar a discussão. Então, acabou com um grito: "Fica Temer!".

MERECEMOS

E surge, no horizonte da pátria, o Fufuquinha, filho do Fufuca, que vai comandar a Câmara na ausência do Rodrigo Maia. Não vamos prejulgar o homem, que pode se sair bem. Mas você não acha que o que o Brasil decididamente não precisava, numa hora destas, era um Fufuquinha?

verissimo@zerohora.com.br

quarta-feira, 30 de agosto de 2017


30 DE AGOSTO DE 2017
MARTHA MEDEIROS

Palhaços


Nem duas, nem três: são muitas as pessoas que têm medo de palhaço, ou tiveram, quando crianças. Não lembro se eu tinha também, mas não me sentia confortável na presença deles. Em primeiro lugar, porque acho desagradável ter a obrigação de rir. Fico gelada quando alguém pergunta: "Conhece a piada do...?". 

Ai, meus sais. Geralmente digo que conheço e pulo para o próximo assunto, mas certos momentos exigem bons modos e a gente então escuta e oferece aquele hahaha amareladíssimo. Torço sempre para que o contador seja excepcional, porque é ele que torna a piada boa ou não.

Mas voltando ao palhaço. Além de ele personificar a obrigação do riso, ele me parecia apenas um bobão que tratava a todos como crianças, e eu não queria saber dessa condescendência. Balde com água de papel picado? Acho bonito e poético, desde que eu esteja assistindo ao espetáculo Fuerza Bruta ou qualquer outra encenação adulta. 

Eu devia ser meio piradinha, mas o fato é que sempre considerei performance de gente grande mais divertida, tanto que meus palhaços preferidos são Woody Allen, Lenny Bruce, Monty Python, a turma do Porta dos Fundos e, aproveitando a deixa para homenageá-lo, Jerry Lewis, que acabou de sair de cena.

O único palhaço de circo que eu gostava não trabalhava em circo, mas na tevê: Renato Aragão. Sim, eu gostava dos Trapalhões, mesmo eles sendo politicamente incorretos, ou talvez por isso.

Pra terminar minha lista de implicâncias, havia o fato de o palhaço estar sempre paramentado com aqueles suspensórios caretas e aquele nariz vermelho manjado - a Lady Gaga, em início de carreira, tinha mais criatividade. Já o disfarce do Batman eu curtia, pois o traje de vinil preto, com capa, me parecia cool e sexy. Piradinha e depravadinha.

Bozo? Fala sério.

Mas fui conferir Bingo, o Rei das Manhãs, porque o cinema é uma fantasia que me interessa, e adorei o filme, que vai muito além da mera biografia. Vi ali um homem. Adulto. Impulsivo. Atrevido. Alterado. Valente. Maluco. Um cara que se joga, que se dá bem e que se dana. Que tem uma história, e ela não é uma piada.

Além da atuação intensa e apaixonante de Vladimir Brichta, o filme ajuda a matar a saudade de Domingos Montagner, que muito antes de ser galã da Globo trabalhava como palhaço e dignificava ainda mais essa profissão - o palhaço é um artista. 

O problema sou eu, que, mesmo tendo sido uma menina feliz que usava maria-chiquinha, que andava de bicicleta, que adorava boneca, que brincava no mar com uma planonda vermelha e que lia gibis, já estava de olho na vida adulta, onde o picadeiro é bem mais amplo, o texto bem mais longo e a graça e a desgraça dão-se as mãos sem marmelada.

martha.medeiros@terra.com.br



30 DE AGOSTO DE 2017
ARTIGO

QUAL É A NOSSA COR?

Há alguns anos, minha filha estava fazendo uma tarefa para a escola e perguntou: "Qual é a minha cor?", eu disse que era branca e ela disse que não, que era amarela. Explicou que tinha que desenhar e pintar a si mesma, e era complicado usar o lápis branco. Ela achava que a cor mais parecida com a sua era o amarelo. 

Tivemos uma conversa parecida no último fim de semana. Uma atividade no livro da escola pedia que os alunos definissem sua cor, e ela quis saber o que era pardo. Eu disse que era uma cor entre branco e negro. "Então eu sou parda", ela disse. Eu ia argumentar que ela era branca, pelos parâmetros convencionais, mas achei melhor dizer que podia ser da cor que quisesse. Hoje, ao preencher o requerimento do passaporte, tive que definir minha cor também.

Os comentários racistas sobre a nova Miss Brasil e os recentes conflitos nos Estados Unidos me fizeram pensar sobre o assunto. Se queremos uma sociedade mais igualitária e justa, seria melhor enfatizarmos as semelhanças em lugar das diferenças. Acho que, para as crianças, catalogar as pessoas pela cor da pele não faz sentido. 

E penso que a escola não precisa incentivá-los a observar o que os distingue uns dos outros. Talvez eu desconheça a razão pedagógica para isso. Assim como deve haver uma razão para os órgãos públicos perguntarem a cor de quem solicita um documento de identificação. No entanto, no momento em que chamamos a atenção para um detalhe na aparência, queremos dizer que isso importa, que tem relevância.

Lembrei de uma entrevista veiculada em julho na ZH, com o doutor Sérgio Pena, em que ele explica que nossa herança genética nem sempre pode ser percebida na nossa aparência e defende que raças não existem, ao menos do ponto de vista genético. Então, qual o sentido de definirmos nossa cor? Será que catalogar as pessoas conforme esse quesito é relevante? 

Deixar de declarar a cor não vai eliminar o racismo, obviamente. Mas deixar de enfatizar esse aspecto pode ser um passo para nos percebermos além das diferenças, para nos enxergarmos mais iguais.

Economista tfmotta@hotmail.com


30 DE AGOSTO DE 2017
OLHAR GLOBAL

Senilidade precoce

Num intervalo de menos de um mês, o presidente francês, Emmanuel Macron, assombrou o mundo com duas vitórias eleitorais avassaladoras: conquistou a presidência com 64,01% dos votos e elegeu 314 dos 577 deputados da Assembleia Nacional, impressionantes 54,42% para uma agremiação fundada havia menos de um ano. 

O sucesso do politicamente enigmático Macron, autodefinido como "nem de direita nem de esquerda", enviou um sinal encorajador para dezenas de arrivistas ao redor do globo. Afinal, se num país com forte tradição de engajamento uma personalidade obscura ("Não se sabe bem de onde veio", nas palavras do papa Francisco) pode chegar ao cargo mais alto da República, os tempos talvez sejam favoráveis para aventureiros em paragens menos afeitas ao debate público.

Não foram necessários cem dias para que a lua de mel dos franceses com Macron chegasse ao fim, se é que algum dia existiu. Uma pesquisa publicada no último final de semana, às vésperas da retomada dos trabalhos legislativos após as férias de verão, mostra que apenas 40% dos eleitores aprovam a gestão do presidente em seus primeiros três meses. Macron conseguiu, um trimestre após a posse, um índice que seu amigo Donald Trump levou três vezes mais tempo para alcançar.

Para os analistas, parte importante da impopularidade é devida à nova reforma trabalhista prometida pelo presidente, destinada a aprofundar a flexibilização embutida na chamada Lei El Khoury, sobre o mesmo tema, ainda no governo do antecessor, François Hollande, do Partido Socialista (PS). Entre outras medidas, o texto deve reduzir indenizações por demissão sem justa causa.

Macron pretende impor sua reforma por decreto. O verdadeiro motivo é não expor sua jovem maioria parlamentar a uma prova de fogo dura mesmo para frações mais experimentadas. É atitude constrangedora para quem faz questão de chamar (com razão) o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, de "ditador". Recém-nascido, o macronismo já começa a dar sinais da mesma senilidade que abateu o PS e Os Republicanos. Que são, aliás, a verdadeira família política do atual presidente.

luiz.araujo@zerohora.com.br

30 DE AGOSTO DE 2017
EXPOINTER

Homenagem a quem promove o Estado


TROFÉU GURI, em sua 20ª edição, foi entregue ontem a 10 gaúchos de nascimento ou adoção

Em cerimônia festiva, a 20ª edição do Troféu Guri homenageou, ontem à noite, 10 personalidades que se destacaram em suas atividades e promoveram o nome do Rio Grande do Sul no país e no mundo. O evento ocorreu na Casa RBS, durante a 40ª edição da Expointer, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio.

Criado pela Rádio Gaúcha, em 1998, o prêmio reconhece gaúchos de nascimento ou por adoção que ajudaram a disseminar a cultura do Estado para além de suas fronteiras.

Neste ano, sete guris e três gurias foram homenageados. Entre eles, representantes de diversas áreas, da música e da gastronomia até a astrofísica. Comunicadores do Grupo RBS, Kelly Matos e Pedro Ernesto Denardin apresentaram o evento.

- O Grupo RBS sempre teve vínculo muito forte com tudo o que diz respeito ao Rio Grande do Sul. A Expointer é importantíssima nisso, e a criação do Troféu Guri, que nasceu com a Rádio Gaúcha, foi um elemento adicional da relação com o nosso pago - afirmou o presidente emérito do Grupo RBS, Jayme Sirotsky.

- Estamos muito felizes com mais esta edição do Troféu Guri, quando temos a possibilidade de dar visibilidade a pessoas do nosso Estado que se destacam nas suas áreas de atividade. Este ano é ainda mais especial porque comemoramos a 20ª edição do evento - disse o presidente do Grupo RBS, Eduardo Sirotsky Melzer.

Vencedor do The Voice Kids, Thomas Machado, nove anos, afirmou que, mesmo com a repercussão após a conquista do programa da Rede Globo, não esperava ser lembrado pelo Troféu Guri.

- Fico muito feliz por representar o Rio Grande do Sul e ter uma homenagem que outros artistas já receberam. Dedico o troféu para toda a minha família - disse.

O Troféu Guri é inspirado na canção Guri, de autoria de João Batista Machado e Júlio Machado da Silva Filho e eternizada na voz de César Passarinho, que venceu o festival Califórnia da Canção Nativa em 1983. Passarinho morreu em 1998, aos 49 anos, vítima de câncer.

Uma das principais atividades culturais do Grupo RBS na Expointer, a 20ª edição do evento tem patrocínio de Tramontina e apoio de Granero, Masal e Fiat, além de apoio institucional da Assembleia Legislativa.

terça-feira, 29 de agosto de 2017



29 DE AGOSTO DE 2017
CARPINEJAR

Limpando manchas com a saliva

Eu fiz aquilo que sempre odiei.  Notei uma mancha de pasta de dente no casaco do abrigo de meu filho antes da saída para a escola e tentei limpar com a saliva. Foi um gesto impensado, passional, visceral. Quando vi, já raspava a unha no tecido. Havia desaparecido o pedágio do pudor dos pensamentos e segui com os braços em alta velocidade.

- Que é isso, pai?

Ele me censurou e, então, caí em mim. Acordei do transe paterno, do coma do instinto que atinge os bichos com as suas crias. Resmunguei uma desculpa, mas ainda estava, mesmo errado, me sentindo convicto do meu ato. Veio a confusão de lembranças: ser pai é voltar a ser filho.

Lembrei que a mãe tinha a mania de tirar alguma mancha do meu uniforme escolar umedecendo o dedo em sua boca. Assim como ela virava as páginas das revistas nas salas de espera dos consultórios. Achava nojento. Preferia ir para a aula sujo a ir com o casaco cuspido. Não me faziam mal manchas de café ou do Nescau, justificáveis, eu me incomodava com a esfregação improvisada. Jamais sonhei que estaria no outro lado do balcão da alma, realizando o que abominava. Jamais imaginava que, de vítima, viraria protetor.

Mas a vida propõe a mudança generosa de lugares. Eu só não queria o meu filho entrando na sala deselegante. Ele pairava acima dos meus nojos e preconceitos. Não teria mesmo como me controlar. A educação supera condicionamentos e medos e somos mais do que a nossa mera identidade.

Não sofro com a fama de chato que possa receber por minhas tempestuosas manias.

Uma hora ou outra, o feitiço atingirá o feiticeiro. O que mais odiamos, com o tempo, será o que mais amaremos. Eu amo o que odiava. Amo fazer coisas de meus pais que odiava neles. Amo ser hoje os meus pais. Com os hábitos invasivos de mexer no cabelo dos filhos de repente, para ajeitar o penteado, ou de me agachar do nada para arrumar as bainhas das calças presas nas meias. 

E apanhando até terminar as tarefas: eles estapeiam as minhas mãos quando sou frenético pente ou começam a caminhar quando sou imóvel engraxate. A resistência deles com "para, pai" ou "não precisa disso" aumenta a minha ternura. Experimento cenas patéticas e ridículas publicamente.

Surgem relâmpagos de cuidados que não sei frear. Riscam o céu de minhas veias. O clarão impulsiona o corpo e ele simplesmente obedece. A impressão é de que morreria se não fizesse. Chamava a minha mãe de dramática e agora divido o palco com ela na ópera do cotidiano.

Talvez o zelo morasse em mim desde pequeno, esperando a paternidade para aflorar.

carpinejar@terra.com.br


29 DE AGOSTO DE 2017
MUNDO

Uma metrópole submersa

QUARTA MAIOR CIDADE AMERICANA, Houston está isolada do resto dos EUA pela tempestade Harvey

A cidade de Houston, quarta mais populosa dos Estados Unidos, no Texas, que sofre inundações sem precedentes provocadas pela tempestade Harvey, espera atender mais de 30 mil desabrigados e se encontrava isolada ontem, com os dois aeroportos fechados e dois hospitais obrigados a transferir pacientes. Um canal de TV ficou fora do ar em razão da intempérie.

As autoridades haviam confirmado três mortos e 15 feridos até a tarde de ontem em razão do fenômeno. Em entrevista ao canal Fox News, o governador do Texas, Greg Abbott, disse que "a situação é grave e vai piorar".

Em Washington, o diretor da Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema, na sigla em inglês), Brock Long, afirmou que os trabalhos na região estão ainda no estágio de busca e resgate. Dezoito condados do Texas foram declarados em situação de emergência pelo governo federal, de um total de 30 a 50 impactados pela tempestade.

O presidente Donald Trump, que deve visitar o Estado hoje, decretou emergência na vizinha Louisiana, também afetada pelo fenômeno. Essa declaração permite ao governo federal destinar recursos e coordenar a ajuda por meio da Fema.

Os serviços de emergência pediram aos moradores que sigam para as partes elevadas da cidade ou permaneçam nos tetos das residências, para possibilitar resgates por helicópteros. O canal de TV ABC 13 de Houston exibiu imagens de um pai com seu filho de seis anos, cada um com uma mochila nas costas, subindo em uma cesta lançada de um helicóptero em direção ao segundo andar de uma casa.

ESCOAMENTO DA ÁGUA PODE AGRAVAR SITUAÇÃO

As autoridades temem que a situação se agrave nos próximos dias, com o escoamento da água do interior do Estado do Texas para as localidades na costa.

- Não pensem que a tempestade terminou - declarou o prefeito de Houston, Sylvester Turner.

O juiz Ed Emmett, à frente do condado ao qual pertence Houston, afirmou que 12 mil homens da Guarda Nacional foram mobilizados para ajudar nos resgates. Além disso, 20 helicópteros e botes foram preparados para auxiliar os trabalhos de emergência.

Com os serviços oficiais no limite em razão do nível do desastre, a tarefa depende em alguns momentos de um exército de voluntários. Alguns formam correntes humanas, enquanto outros utilizam suas lanchas para levar pessoas de áreas inundadas para zonas seguras. Um voluntário afirmou ao canal KTRK TV que há muitas pessoas que precisam de transporte e poucas embarcações.

As chuvas torrenciais alagaram as principais avenidas de Houston e dificultaram a saída dos moradores.

- É uma loucura ver como as ruas pelas quais você passa todos os dias estão completamente debaixo de água - afirmou John Travis, morador da cidade.



29 DE AGOSTO DE 2017
COMUNICAÇÃO

Premiadas mulheres que fazem a diferença

VICE-PRESIDENTE de Produto e Operações daRBS, Andiara Petterle está entre homenageadas

Ainda que o sexo feminino tenha avançado no mercado de trabalho e responda, mundialmente, por 49% de todos os trabalhadores, apenas 19% das empresas brasileiras têm mulheres em cargos de gerência e liderança, de acordo com dados divulgados pela Organização Mundial do Trabalho (OIT) e pela Grant Thornton, respectivamente.

Andiara Petterle integra o índice das exceções: aos 38 anos, está à frente da Vice-Presidência de Produto e Operações do Grupo RBS e é reconhecida como uma das mulheres que fazem a diferença nos setores de publicidade, marketing e mídia no país. Ontem, foi homenageada no Women to Watch Brasil 2017, idealizado há 20 anos pela revista americana Advertising Age.

- Estou muito honrada e sinto uma enorme responsabilidade em receber esse reconhecimento. Há um longo caminho a percorrer no mercado de trabalho e na sociedade para garantirmos igualdade de condições entre gêneros. Nós, mulheres, precisamos ser protagonistas nessa transformação, fortalecendo e desenvolvendo talentos femininos e novos modelos de gestão - destacou Andiara.

A iniciativa homenageia mulheres bem-sucedidas no mercado da comunicação que contrariam as estatísticas da desigualdade de gênero. A premiação foi realizada pela primeira vez no Brasil em 2015. Desde então, o evento tem a curadoria do Meio&Mensagem e já prestigiou diversas profissionais por seu talento e competência.

Neste ano, a cerimônia teve início com um almoço no Hotel Hilton, em São Paulo. Na sequência, as homenageadas foram chamadas ao palco pelo vice-presidente do Grupo Meio&Mensagem, Marcelo de Salles Gomes, para um bate-papo intermediado pela jornalista Barbara Gancia.

Além de Andiara, seis mulheres foram prestigiadas: a copresidente da BETC/Havas, Gal Barradas; a CEO do Grupo InPress, Kiki Moretti; a CEO da Blinks, Paula Puppi; a diretora de comunicação e mídia da P&G, Poliana Souza; a vice-presidente de inovação da Nivea para as Américas, Tatiana Ponce; e a diretora de marketing do Carrefour, Silvana Balbo.

Graduada e mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Andiara atua como empreendedora e executiva do mercado digital desde 1998. No currículo, soma cargos como fundadora do Grupo Bolsa de Mulher - uma das maiores empresas de mídia digital feminina da América Latina -, CEO da Predicta e diretora-executiva de Estratégia e Desenvolvimento de Negócios da e.Bricks Digital, empresa de investimentos no setor digital do Grupo RBS. Andiara também foi pesquisadora convidada da Brown University e participou de programas de formação de negócios na Harvard Business School e Stanford University Graduate School of Business.




29 DE AGOSTO DE 2017
REPORTAGEM ESPECIAL

EM REAÇÃO À VIOLÊNCIA PREFEITURA PROPÕE PACTO DE PAZ

DIANTE DE EXPLOSÃO de roubos e homicídios, Pelotas elaborou plano municipal de segurança. Quer premiar policiais por armas apreendidas e restringir o consumo de álcool nas ruas

A festa a céu aberto, com direito a bebidas e som alto nos carros com capôs erguidos já havia se tornado um incômodo para quem mora nas proximidades do campus central da Universidade Católica de Pelotas. Recentemente, uma operação conjunta entre a Guarda Municipal, Brigada Militar e Polícia Civil saiu de lá com os carros guinchados e oito armas apreendidas. 

Plantões de fiscalização da perturbação do sossego começaram a fazer rondas nos finais de semana resultando até agora em, pelo menos, 11 armas apreendidas, estabelecimentos notificados e uma média de 10 carros guinchados a cada final de semana. É a parte mais visível de um ousado plano municipal de segurança pública, denominado Pelotas pela Paz, que começa a sair do papel neste mês como forma de atacar a explosão da violência na cidade.

Em um intervalo de 14 anos - entre 2002 e 2015 -, os homicídios aumentaram 488% e a perspectiva é nebulosa. O primeiro semestre deste ano, com 52 assassinatos, foi o pior em três anos. Quando se fala em roubos, a alta chega a 76% desde 2002. Uma pesquisa sobre a criminalidade na cidade, que baseou o plano proposto pelo governo local, mostra que metade das vítimas de assaltos nos últimos 12 meses sequer registrou ocorrência policial.

- A alta nos índices de violência na nossa cidade é assustadora. Não poderíamos ficar de braços cruzados, por isso estamos oferecendo a nossa parcela de participação, para buscar soluções. Todos estão preocupados com a segurança pública. É um projeto da sociedade, construído com a população de Pelotas, não de um governo - afirma a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB).

Entre os pontos que prometem novidades e polêmicas ainda a serem discutidas na Câmara de Vereadores, o plano propõe a criação de um Código de Convivência em Pelotas, tendo como principal item a restrição ao consumo de álcool nos espaços públicos entre 22h e 4h, mas também com previsões de multas para os pais de crianças e adolescentes flagrados sozinhos nas ruas, para quem for flagrado fumando maconha ou pego com armas de brinquedo. Foi protocolado projeto de lei prevendo a premiação de policiais que apreenderem armas.

- Será um estímulo aos agentes da segurança. Diante da crise do Estado, penso que é uma contribuição. Espero que o governo estadual reaja positivamente - diz a prefeita.

CONSULTORIA CONTRATADA FEZ DIAGNÓSTICO E PLANO DE AÇÃO

Conforme o diretor-presidente do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke, a alta na violência segue a lógica do avanço de grupos criminosos locais, mas também está diretamente relacionada aos jovens, ao consumo de drogas e álcool e à circulação de armas na cidade.

- Estes precisariam ser, necessariamente, os focos para o plano de segurança - explica o especialista.

O instituto assumiu a consultoria para a formulação do plano há três meses. Começou estudos da percepção da violência pela população.

O levantamento mostrou que 69,4% dos pelotenses têm medo de ser assaltados ou ficar sob a mira de uma arma. E 27,9% evitam circular nas ruas quando anoitece. O início da resposta já foi percebido.

- Quando iniciamos as ações nos pontos de perturbação, a receptividade foi impressionante. Os chamados reclamando de barulho diminuíram 90%. E, enquanto as ações ocorrem, justamente nos horários em que mais se registravam crimes, não acontecem homicídios. É um bom começo e uma demonstração de que não se faz segurança pública no "achômetro" - aponta o secretário, Aldo Bruno Ferreira.

Conforme a pesquisa de vitimização, um quarto da população de Pelotas relatou já ter se incomodado com perturbações como som alto, brigas de rua ou depredações à noite.

eduardo.torres@diariogaucho.com.br

segunda-feira, 28 de agosto de 2017



28 DE AGOSTO DE 2017
EXPOINTER

Favorito eliminado por sangramento


Na dianteira da competição, e nas graças do público, o cavalo Esteio JB de Palermo foi eliminado na penúltima prova, a de Bayard/Sarmento, a tradicional esbarrada. Após o ginete Claudio Correia, 54 anos, concluir com êxito a etapa, os jurados identificaram um sangramento em uma das patas. Pelo regulamento da competição, seguindo práticas de bem-estar, o animal que tiver qualquer ferimento não pode continuar competindo. A regra é aplicada pelo segundo ano:

- Ninguém gosta de eliminar um competidor. Sentimos muito, como todos, mas o regulamento é claro e precisamos segui-lo - disse o jurado Luiz Alberto Martins.

Quando a eliminação foi anunciada, o ginete veterano não conteve as lágrimas, levando o chapéu ao rosto antes de deixar a pista. Muito aplaudido pelo público visivelmente decepcionado, o cavalo teve de abandonar a competição. Esse foi o terceiro ano em que o cavalo chegou a uma final da disputa. Em 2015, ficou em nono lugar e, no ano passado, em oitavo lugar. Ao final da prova, os competidores dedicaram a vitória ao ginete Claudio Correia, que prometeu voltar a competir em 2018.


28 DE AGOSTO DE 2017
CÍNTIA MOSCOVICH

OS BURROS

Alguém muito próximo comentou, não sem susto, que as pessoas, algumas que ele tinha em alta conta, estavam emburrecendo. E dava como exemplo uma polêmica que acusava Chico Buarque de machismo, por causa de Tua Cantiga, canção lançada previamente ao álbum Caravanas, que chegou ao mercado na sexta-feira passada.

De fato, graças às mídias sociais, a gente acompanha bem de perto o cotidiano de pessoas que, em outros tempos, se veria lá muito de vez em quando. A proximidade vai revelando que algumas criaturas que pareciam ter um nível aparentemente sofisticado de exigência são na verdade umas coisas embrutecidas e sem graça, incapazes de dar ou de receber exceto umas obviedades rasteiras, umas desonestidades mentirosas ou umas certezas fabricadas com o mais absurdo dos absurdos - como é, aliás, o improvável machismo atribuído ao Chico.

E dá-lhe a achar que a miss Brasil 2017, a piauiense Monalysa Alcântara, não podia ser negra. E dá-lhe a achar normal expressões como "justiça fiscal" para nomear aumento de impostos. E dá-lhe a achar possível sacrificar animais para conter epidemias de tuberculose. E dá-lhe a subir no palanque com o pior dos inimigos. 

E dá-lhe a mentir para clientes, a julgar em bases falsas, a trabalhar sem autorização. E dá-lhe a ser antiquado, ressentido, recalcado. E dá-lhe a ser egoísta, desinformado, acomodado. E dá-lhe a macaquear banda de rock, músico famoso, chefe de cozinha, publicitário descolado. E dá-lhe a imitar gente honesta sem ter índole para tanto.

Confesso que preferia não tomar conhecimento das pessoas tão de perto.

Confesso que preferia não saber que nossos homens da Justiça gostam de mentiras.

Caravanas é nosso Chico em sua melhor forma. Na música que dá título ao álbum, ele finalmente usa a preceito o Jardim de Alá (em Copacabana), que é invadido por "jovens muçulmanos" (os negros suburbanos), e se vale das palavras "pica" e "saco" da maneira mais bela que alguém jamais usou. Enfim, uma coisa bonita para servir de farol. Luz.

CÍNTIA MOSCOVICH


28 DE AGOSTO DE 2017
CAPA

Kikito com brilho renovado

COMO NOSSOS PAIS, de Laís Bodanzky, foi o grande vencedor do Festival de Gramado, com seis prêmios

No ano em que completou 45 edições, o Festival de Cinema de Gramado mostrou maturidade, segurança e consistência artística que apontam para uma promissora continuidade. O alto nível em média dos filmes exibidos, a presença numerosa de jornalistas e representantes da produção audiovisual do país e do Exterior e a organização de um fórum de debates e negócios do setor qualificaram essa edição comemorativa do evento serrano. No sábado à noite, a premiação dos melhores curtas-metragens nacionais e longas estrangeiros e brasileiros encerrou a maratona de 10 dias do certame com uma bela festa que, no entanto, começou com uma hora de atraso.

O grande vencedor de Gramado 2017 foi o brasileiro Como Nossos Pais, dirigido por Laís Bodanzky. O ótimo longa-metragem que entra em cartaz nos cinemas do país na próxima quinta-feira levou seis Kikitos: direção, atriz (Maria Ribeiro), ator (Paulo Vilhena), atriz coadjuvante (Clarisse Abujamra) e montagem. A produção As Duas Irenes, longa de estreia de Fábio Meira, também destacou-se ganhando os prêmios de melhor filme do Júri da Crítica, ator coadjuvante (Marco Ricca), roteiro e direção de arte.

Ainda na competição de longas brasileiros, Bio, curioso e narrativamente ousado documentário falso de Carlos Gerbase, foi escolhido o melhor pelo Júri Popular e ainda rendeu um Prêmio Especial do Júri para o cineasta gaúcho - que dirigiu 39 atores e atrizes nessa história de um personagem que viveu 111 anos e morreu em 2070. Os atores Paulo Betti e Eliane Giardini, que protagonizam e dirigem Fera na Selva, também receberam um Prêmio Especial do Júri por sua contribuição à arte dramática no teatro, televisão e cinema brasileiros. 

O faroeste nordestino O Matador, de Marcelo Galvão - primeiro filme produzido pela Netflix no Brasil - levou duas estatuetas para casa: melhor fotografia e trilha musical. Dos sete títulos em competição na categoria, apenas dois voltaram de Gramado de mãos abanando: Vergel, coprodução entre Brasil e Argentina, e o excelente Pela Janela - deixar de fora dos premiados esse sensível e delicadamente bem construído longa da estreante Caroline Leone foi um equívoco indesculpável do júri oficial.

PRÊMIOS DE CURTAS DESTACARAM QUESTÕES DE IDENTIDADE SEXUAL

Já os jurados da mostra estrangeira também fizeram seu deslize ao escolher o irregular e pretensioso Sinfonía para Ana como o melhor filme - o longa argentino dirigido por Virna Molina e Ernesto Ardito foi contemplado ainda no quesito fotografia. Federico Godfrid foi eleito o melhor diretor por Pinamar - película também argentina que recebeu ainda os prêmios de ator, dividido entre os protagonistas Juan Grandinetti e Agustín Pardella, e melhor filme pelo Júri da Crítica. O Júri Popular, por outro lado, preferiu o documentário uruguaio Mirando al Cielo, de Guzmán García.

Quem se mostrou mais atento ao que havia de frescor cinematográfico e estético na seleção deste ano em Gramado foi o júri de curtas, que escolheu como melhor filme A Gis, de Thiago Carvalhaes, e premiou Calí dos Anjos como melhor diretor por Tailor - ambos abordam de forma inteligente e contundente os desafios, demandas e preconceitos relacionados ao universo das pessoas trans. A identidade sexual fora da norma socialmente aceita esteve presente ainda em O Quebra-Cabeça de Sara, de Allan Ribeiro, eleito o melhor pelo Júri da Crítica e vencedor do Prêmio Canal Brasil de Curtas.

A noite de premiação foi animada pela presença da cantora, compositora e atriz Soledad Villamil: a estrela argentina de filmes como O Segredo dos Seus Olhos (2009), homenageada pelo evento com o troféu Kikito de Cristal, encantou o público que lotou o Palácio dos Festivais com sua simpatia e musicalidade, interpretando no palco quatro músicas. 

O repertório de Soledad - que lançou na última sexta-feira um novo disco, chamado Ni Antes Ni Después - incluiu uma saborosa versão do clássico O Samba e o Tango, traduzindo em requebrado portenho a disposição de Gramado em ser reconhecido cada vez mais como um festival de alcance internacional e que neste ano elegeu pela primeira vez um país convidado: o Canadá.

roger.lerina@zerohora.com.br

28 DE AGOSTO DE 2017
DAVID COIMBRA

Chico Buarque


Chico Buarque de Holanda e Roberto Rivellino foram os personagens que mais se aproximaram do que se poderia chamar de ídolos, para mim. Se bem que "ídolo" é uma palavra forte demais. Não havia incondicionalidade na minha admiração, eu apenas me encantava com o talento que eles tinham no que faziam.

Ocupo-me mais, aqui, do Chico, porque ele lançou novo disco, dias atrás. Mas, antes, vou falar um pouco do Riva, porque finalmente recebi do meu amigo Maurício Noriega o seu livro Rivellino.

Noriega, se você não sabe, é um dos melhores comentaristas de futebol da TV brasileira. Ele faz com o Milton Leite uma dupla harmônica como faziam Zico e Rivellino na Seleção.

Pois Noriega, homem do vídeo e da fala, pôs-se a escrever, e o fez bem.

Em geral, livros sobre o mundo do futebol, no Brasil, não passam de rematada picaretagem. Não há preocupação com o texto ou com a pesquisa, a intenção dos autores é faturar com a popularidade do tema. No caso do Noriega, não. O leitor percebe que houve trabalho e critério. Quem gosta de futebol vai gostar de ler.

Uma das tantas histórias que Noriega conta sobre o Riva se passou às vésperas da Copa de 1970. Rivellino ainda não era titular daquele que foi considerado o maior time de futebol de todos os tempos. Outros dois legítimos craques candidatavam-se a jogar naquela posição: Edu, ponta-esquerda clássico, de drible irresistível, mas que não voltava para marcar, e Paulo César Caju, meia de habilidade incomum e jogo cadenciado, que seria campeão do mundo pelo Grêmio na década seguinte.

Rivellino teria sua chance de mostrar que era melhor do que os concorrentes em uma partida preparatória contra a Áustria, em que foi escalado para sair jogando. Ele, de fato, era melhor, mas às vezes um grande jogador desanda quando sofre a pressão de ter de provar sua capacidade em um único jogo.

Por isso, no dia da partida, Rivellino sentia-se apreensivo em meio ao ambiente da concentração. Só relaxava no momento em que se reunia com jornalistas e outros jogadores para comentar a respeito de uma morena sinuosa que circulava pelo hotel naqueles dias. Mais do que o adversário, ela era o assunto das conversas. Todos olhavam para a morena, e a cobiçavam.

Rivellino, no entanto, estava mais preocupado com a partida. Depois do almoço, ele se recolheu ao quarto, deitou-se e ficou pensando como deveria jogar. Estava estendido na cama, quando ouviu baterem à porta. Foi atender e, ué?, não havia ninguém no corredor. Deitou-se outra vez. Mal cruzou as mãos atrás do pescoço e, maldição!, novas batidas. Agora, já irritado, gritou, enquanto se erguia:

- Tem jogo daqui a pouco! Vão descansar!

Abriu a porta.

E, com mil lançamentos em profundidade, não havia ninguém.

Deitou-se novamente, intrigado, e novamente soaram as batidas na madeira. Então, Rivellino percebeu que o som não vinha da porta da frente e sim de uma lateral, que se comunicava com o quarto contíguo. Foi até lá. Abriu-a e... sim, sim, mil vezes sim! Era ela. A morena. Sorria um sorriso de promessas.

Cumpridas.

Após algumas horas de prazer carnal, Rivellino entrou em campo flutuando. Procure as cenas de sua atuação no YouTube. Você verá um conjunto de lances que nenhum jogador acumula num único jogo nos dias de hoje. E, para arrematar uma apresentação perfeita, aos 12 minutos do segundo tempo ele recebeu a bola de Gérson, driblou um adversário, enquadrou o corpo e chutou com o lado de dentro do pé. A bola fez uma negaça para se esquivar do goleiro e entrou no canto: 1 a 0 para o Brasil. Rivellino seria titularíssimo da Seleção das Seleções, na Copa das Copas.

Aconteceu algo, porém, com Rivellino e também com Chico, de quem nem falei ainda. Já falo.

david.coimbra@zerohora.com.br

sábado, 26 de agosto de 2017


O espelho sobre a mesa de jantar

Desde quando me lembro, família tinha para mim uma importância extraordinária. Meu pai a considerava muito. Era a árvore, com raiz e galharia, com sombra, com tempestade, ramos caindo, raios atingindo, mas estava ali, a velha árvore. Eu, menina intrometida, de orelhas em pé ouvindo conversas adultas, pois durante alguns anos fui a única criança na casa, absorvia aquelas tramas, dramas, comédias, e coisas ternas e alegres que passavam como fios de teia de aranha entre tantas pessoas.

Eu adorava os almoços: avôs, avós, tios, tias, primos, primas. Aquilo me dava uma extraordinária sensação de proteção e pertença. E tudo se refletia num grande espelho diante da mesa de jantar. Também me fascinavam - não foi por nada que décadas depois comecei a escrever sobre laços familiares, embora nada a ver com aquela minha família - as conversas e posturas, que em qualquer grupo podem passar da inocência à bizarrice. Sentada à mesa, tendo de me esticar para manejar os talheres, embora posta sobre almofadas, com as perninhas balançando no ar, mais do que comer ou beber meu suco, eu espiava as pessoas.

Tomava um distanciamento involuntário, que me divertia e assustava: as pessoas pareciam salsichas enormes, com tufos de cabelo em cima, buraquinhos com olhos dentro, que giravam, outro buraquinho que se abria e fechava para receber comida ou soltar palavras. Ali aprendi que palavras podem ser plumas ou punhais - e que significam muito mais do que aquilo que expressam. Que uma inflexão muda o sentido, de amoroso para crítico; e que as mãos complementam tudo, com arabescos bailarinos por cima dos pratos.

Talvez tenha nascido assim meu encanto pelas palavras, pelo que dizem nos sons ou letras, e mais ainda nos espaços brancos ou silêncios. Ou isso simplesmente veio comigo como a cor dos olhos e dos cabelos, um sinal qualquer. Para mim, foram sempre motivo de felicidade, palavras como balas de tantos sabores e cores, ou pedrinhas coloridas que eu revirava na boca como se fossem pitangas ou uvas.

Sou uma mulher das palavras, e família tem entre elas um lugar especial: mais do que dissidências, importam as semelhanças; mais do que contradições, reinam os encontros; mais do que as ausências, predominam os gestos, as vozes, ou os sinais num WhatsApp. Uma dor por mal-entendidos pode ser curada com a palavra certa; uma ilusão alegrinha pode virar ferida, mas a gente nunca tem certeza...

Esse berço, esse colo ou esse peso chamado família pode magoar, irritar e salvar se tivermos a sorte de nascer num grupo amoroso. Nas horas mais escuras, essa rede pode nos impedir de cairmos no alçapão embaixo do poço. Nada como lembrar brincadeiras infantis entre irmãos, carinho de pais abrindo a porta com braçadas de orquídeas, dessas pequenas meio silvestres que florescem presas aos troncos das árvores no jardim. Nada como jogar conversa fora com quem se recorda, e nada como semear recordações futuras para os que, tão jovens, ainda nem têm passado.

Não sei onde foi parar aquele grande espelho, com um raro tom rosa-antigo. Quem sabe ainda estamos lá, presos: imortalizados os momentos felizes, os risos, brindes, lágrimas - e todos nós, como éramos um dia.

LYA LUFT



26 DE AGOSTO DE 2017
MARTHA MEDEIROS

Na calada da noite

Na calada da noite, quando o silêncio é tão denso que não se escuta nem o espirro de um guarda noturno, meus pensamentos delirantes despertam, e meu cérebro começa a azucrinar.

Eu ordeno a ele: quieto! Estamos na calada da noite, essa expressão não te sugere nada?

Ele não me dá trela e passa a listar as preocupações que me aguardam no dia seguinte. Amanhã, você precisa trocar o horário da aula de inglês com a Karin, será que ela estará livre na quarta? Amanhã, você precisa acrescentar batata-doce na lista de compras do supermercado. Amanhã, você precisa checar que barulho é aquele que seu carro está fazendo quando dá ré. 

Amanhã, você precisa adicionar mais 10 minutos de cenas no roteiro do filme que está escrevendo e dar uma sacudida na personagem principal, ela ainda está meio desmaiada. Amanhã, você precisa escrever mais duas crônicas inéditas de qualquer jeito, ou não conseguirá viajar tranquila pro Rio. Amanhã, você precisa checar se a camisa branca está limpa para a palestra.

São 3h30min da manhã, e a noite segue calada, mas meu cérebro não fecha a matraca. E o pior está por vir: ele logo entrará em sessão de terapia. Adora fazer isso no meio da madrugada.

Tenho a impressão de que aquele texto que você publicou duas semanas atrás foi um recado para uma amiga sua. E não ter respondido aquele WhatsApp de anteontem foi uma provocação estúpida. Se você tem vontade de largar tudo, por que não larga? Aliás, comece largando o pé da sua filha, deixe que ela viva do jeito que quiser. Não acredito que você vai falar de novo sobre aquela vez em que perdeu o avião porque ficou trancada no banheiro. Óbvio que você não queria embarcar.

São 4h30min da manhã, nunca fiquei presa em banheiro de aeroporto, então é sinal de que a terapia desandou e agora estou entrando naquele período dramático em que recebo a visita dos meus demônios, sempre pontuais.

Essa mancha no seu braço. Está com a maior pinta de ser um melanoma. Você precisava ter tomado três cálices de vinho? Marque uma hora no gastro se não quiser morrer de cirrose até a próxima sexta-feira. Você não vai viver muito, sabe disso. A dor no joelho é da idade, mas o aperto no peito é problema cardíaco grave, você tem um mês de vida, você tem duas semanas de vida, você tem que deixar um bilhete de despedida para seus entes queridos, tchau querida, acho que você não vai nem acordar.

São 6h da manhã, o guarda noturno espirra, e eu acordo. Fim de mais uma tagarelice cerebral numa noite calada coisa nenhuma.

MARTHA MEDEIROS


26 DE AGOSTO DE 2017
PIANGERS

Amor à moda antiga


Um amigo disse pro filho, dia desses, antes de dormirem, que o amava daqui até o céu. O garoto ouviu, levantou as sobrancelhas, calculando a distância impressionante. Olhou pro pai e, na tentativa de expressar amor de volta, falou: Eu te amo tipo daqui até o ventilador.

Somos uma geração de pais carinhosos. Dizemos "eu te amo" como quem diz "bom dia". É tanto "eu te amo, filho" que tenho medo que não valorizem. Às vezes, inventamos novas formas de comparação. "Amo você daqui até a lua." "Amo você mais que tudo." "Amo você 10 vezes infinito." Já ouvi tantas vezes de minhas filhas e valorizo cada uma delas. Todas me dão água nos olhos. Abracei-as mais do que abracei minha mãe, acredito. Tenho mais fotos delas, guardadas em HDs e com backup na nuvem, do que as câmeras de 24 poses jamais conseguiriam tirar.

Em geral, tivemos pais mais distantes. Queriam que fôssemos durões. Meu avô trabalhava na roça, cortou cabelo e dirigiu caminhão pra dar estudo pra minha mãe. Esta, por sua vez, criou sozinha o filho e sustentou a casa com salário minguado. A vida, realmente, era mais séria pra eles. Nada de delicadezas. Nada de desperdício de comida. 

Nada de tablet e iogurte. Nada de "eu te amo" terça à tarde. Abraços eram ocasiões especiais, Natal e olhe lá, que a vida não é fácil e você tem que estar preparado. Mas, quando vinha um carinho na cabeça, rapaz, a gente ficava bobo. Um pouquinho de colo, quando a gente já era grande demais, era o céu. Beijo de boa noite, paraíso.

Uma amiga contou que o pai nunca lhe disse "eu te amo". Ela procurava carinho, ele não era muito de papo. A conversa era toda com a mãe. O pai era comunicado e comunicava, não havia diálogo.

De vez em quando, ele botava as crianças pra dormir. Era assim: os três filhos de banho tomado deitavam, cada um em sua cama. O pai entrava no quarto, o silêncio respeitoso tomava conta do lugar, e o senhor começava a desenrolar os mosquiteiros que ficavam em cima da cama deles. Estendia a proteção cuidadosamente sobre os filhos, sem dizer uma palavra. 

Olhava com atenção pra ver se nenhum mosquito tinha ficado do lado de dentro. Verificava se não havia frestas para outros mosquitos entrarem. Fazia isso para cada um dos três filhos, sem trocar uma palavra. Depois de tudo pronto, ia até a porta e dizia: "boa noite". As crianças respondiam: "boa noite". O pai se ia. E as crianças sentiam como se tivessem ouvido "amo vocês".

26 DE AGOSTO DE 2017
CARPINEJAR

O caráter que se revela na confissão
Contar um segredo é a triagem do caráter. Ou o segredo liberta ou aprisiona. É confessando algo de que nos envergonhamos que saberemos se a pessoa é a nossa amiga ou não. Não tem teste tão veemente, com efeitos mais imediatos.

O confessionário prova se o outro é leal. Expor uma lembrança triste a quem não é de confiança logo vira chantagem, logo vira moeda de troca, logo vira favor. Pode não espalhar para os demais, mas usará a informação para obter vantagens e transformar a culpa em superioridade.

Aquele que não é amigo se aproveita da fragilidade para garantir benefícios. Fortalece a vítima para desmerecê-la. Levanta para cima, diz que o segredo é nada, dissuade o medo, para rir depois da queda.

Não é um amigo, porém um inimigo em potencial, um adversário disfarçado de bons modos. No fundo, não tem escrúpulos. Aproxima-se para impor os seus interesses. Está jogando sujo para ganhar recompensas fáceis.

Ele se faz de compreensivo e compassivo com o objetivo de manipular a relação. Há como prever o Judas antes da confissão. Pois Judas trai com um beijo. Será alguém que se mostra muito carinhoso de uma hora para outra. Tem pressa de saber tudo a seu respeito, sem nenhuma razão aparente. Aparece forçando a intimidade, com convites generosos e apoios nababescos.

Cuide com o que fala. Porque aquilo que falar mostrará a natureza de suas companhias.

A decepção virá rapidamente na forma de um insulto e de uma ironia. No primeiro desentendimento, o túmulo de cimento das palavras não resiste às marteladas da profanação. A traição será sempre a violação de uma confidência. Os suspeitos não mudam com o tempo. É um colega de trabalho concorrendo com você. É um antigo afeto querendo vingança. É um familiar ressentido com o passado.

Amigo que é amigo escuta e esquece, e jamais volta para o assunto. Ouve e apaga. Escreve na água, para a onda levar. Escreve na areia, para o vento cobrir. Cumplicidade é como bebedeira, nunca lembrar o que aconteceu durante a vulnerabilidade da conversa.

Amigo que é amigo mantém a decência de uma gaveta, de um cofre, de uma chave. Demonstra a sobriedade educada e gentil de ajudar e desaparecer. Já cumpriu o papel de dividir as dores e frustrações. Não alimenta a ambição de ser maior do que o silêncio.

CARPINEJAR


26 DE AGOSTO DE 2017
J.J. CAMARGO

O QUE SÓ O POETA VÊ

Nas últimas décadas, ficou claro que o Brasil tem se esforçado em andar na contramão do mundo civilizado, mas com a proposta de modificação dos conteúdos de Ensino Médio, determinando que História e Filosofia não sejam mais matérias obrigatórias, nos excedemos. No tempo em que todas as áreas, especialmente as ciências humanas, acordaram para o efeito brutalizante da tecnologia dissociada de afeto, privar os estudantes do acesso à sensibilidade é, no mínimo, uma estupidez, com purpurinas de crueldade.

Quando se fecham as portas de acesso ao pensamento qualificado dos literatos e filósofos, as pessoas, como pombas famintas, alimentam-se das sobras da pobreza espiritual e, na falta de ideias para debater, falam de outras pessoas, essa prática comum entre os infelizes de alma atrofiada. O surgimento concomitante da internet, de tantas funções úteis para a sociedade, trouxe como paraefeito danoso esse canal imenso e escancarado aos que necessitam opinar sobre o que não entendem e a julgar atitudes e comportamentos sem nenhum compromisso que não seja nutrir uma autoestima massacrada pela inapetência cultural. 

A vacuidade dos diálogos nas redes sociais e os dolorosos atropelamentos do idioma expressam apenas as limitações de quem não lê e que, só praticando cultura oral ou usando uma linguagem capenga, nem reconhece os horrores ortográficos esparramados na tela do pobre computador que, se tivesse voz, gritaria.

No outro extremo, alheios ao burburinho da ignorância descuidada e pobre, situam-se os insaciáveis catadores das pérolas do espírito humano, que se encantam com as artes, deslumbram com a literatura e enternecem com a poesia. E isso para desespero dos materialistas que trabalham enlouquecidos para enriquecer e, quando conseguem, descobrem desolados que suas proezas podem até provocar algum tipo de inveja, mas de nenhuma maneira contribuíram para fazê-los mais interessantes.

Há muitos anos, os estudos de neurociência têm demonstrado a importância da preservação da atividade cerebral, estimulada no seu limite, como a maneira mais eficiente de prolongar uma vida produtiva e feliz. Nesse sentido, as evidências mais recentes apontam para a importância da literatura que liberta a mente para as aventuras ilimitadas da imaginação e condenam a fixação na TV que entrega uma matéria pronta, adequada a quem abdicou da ousadia prazerosa de pensar por conta própria.

A poesia é, muito provavelmente, o braço mais sofisticado da literatura, porque impõe ao autor que consiga expressar sentimentos com delicadeza, sonoridade e harmonia, dando ao leitor a sensação de cumplicidade de quem captou uma emoção tão forte e única que, dali por diante, será guardada como se fosse um segredo entre o poeta e seu deslumbrado leitor. 

O verdadeiro artista convence, antes mesmo que o verso termine, de que foi capaz de perceber a sutileza do novo e o encanto do insuspeitado. Os viciados em poesia acreditam piamente que a única razão para que um poeta não veja alguma coisa é que ela não exista. E que, outras tantas vezes, o que ele viu, só ele viu.

J.J. CAMARGO