sábado, 29 de novembro de 2014

BOM FIM DE SEMANA !


UMA BOA AMIZADE

Tem que ser simples....

Não precisa ser de toda hora,
Mas na hora mais necessária...
Ser a amizade das horas incertas,
Quando a tristeza espreita,
E nossa alegria se deserta...
Caminhar com a certeza do Amigo,
É estar seguro no coração de um abrigo...
É sentir que a dor pode ser dividida,
Que a alma não está perdida...
Receber o abraço de um amigo,
É escutar no aconchego silencioso,
Vem, Estou contigo...

Amizade é um selo de qualidade,
Que não traz a data da validade...
Cris Monteiro
LINDO DIA PARA VOCÊ !
Bjs no ♥
: *♥*: : *♥*:
BOM FINAL DE SEMANA


Amizade é um elo de amor...

Amizade é um elo indescritível,
Valor inenarrável em todas as fases;
É poder voar com o pensamento e
Estar presente em cada momento;
Amizade é sentimento, é alento,
É carinho com discernimento,
Sorriso de contentamento;
Encantamento de compartilhar,
Alegria, dor e amor,
É paz em nós, na fé que é amar.

Marisa de Medeiros

LINDO DOMINGO
PARA VOCÊ !
Bjs no ♥
:

QUEM ME DERA. . . BELA OU FERA.
E NÃO É QUE DEU COM POMPAS E FORMOSURA.
SEM PARTIDO OU FACÇÃO EM CIMA DO MURO OU
NA COLUNA DO MEIO SOLTA E DESPREOCUPADA.
SAIU SEM DORES APENAS ARRANHÕES.
MISTÉRIOS DE PROTEÇÃO O MUNDO GIRA APENAS
COM O TOQUE DE UMA MÃO E INTUI COM O CORAÇÃO.
OBRAS PRIMAS ESCULPIDAS SÓ COM A LUZ DA ALMA.
TUDO A SEU TEMPO NADA FICARÁ EM HAVER.
TUDO SE CONSUMA COM O ESTALAR DE DOIS DEDOS.
CREIA É O ABRAÇO DO MESTRE QUE NOS FAZ VIVER.

SOL HOLME 



Amor é construção,um
tijolo a cada dia.é um trabalho
que não termina nunca.
Cris Guerra
Ótimo Sábado!


Amanhã quando acordar sinta o aroma das rosas que deixei com você em cada 
pétala  um carinho e beijos de uma noite linda e um dia cheio
de realizações com muita cumplicidade. . .

Abraços e beijos com muito amor.
Sol Holme



30 de novembro de 2014 | N° 17999
FABRÍCIO CARPINEJAR

Menino da verdade

Tenho uma multidão de Pinóquios. Coleciono o boneco de madeira. É meu presente predileto. Os amigos já viajam com a encomenda em vista. Nunca é demais, arrumo espaço no teto, nas paredes, nas prateleiras. Jamais me decepciono. Sempre vibro quando recebo mais um modelo, ainda mais se é títere, com os fios embaralhados, para me sentir esperto em tirar o nó.

Na infância, eu apenas ganhava bolas de futebol. E tampouco me cansava. Cheguei ao cúmulo de contar com dez bolas no quarto – impossível era andar no escuro.

Adepto dos presentes monotemáticos, gosto de algo até me fartar. Eu transformo predileção em obsessão; preferência em mania.

Pelo menos ninguém precisa se preocupar em me adivinhar. Facilito o trabalho no Natal. Ainda faço cara de surpresa sendo um presente igual ao outro.

O que não considero justo é deduzir que sou mentiroso porque adoro Pinóquio. Ele não poderia ser sinônimo da trapaça e do engano. Faz travessias inimagináveis para honrar suas promessas e guardar o que é justo.

Pinóquio é o contrário da sua fama: é o esforço que todos passamos para alcançar a verdade. É a insistência da verdade. É a teimosia da verdade. O caminho não é linear. Não nascemos, somos fabricados. Nascer só acontece depois de amar. Temos que nos perder para valorizar o que encontramos.

Pinóquio é tradução de sofrimento infantil. É um exemplo de honestidade – ele erra para aprender, assimila a si mesmo –, o doce e o amargo – tropeçando com a mais pura das intenções.

É a demonstração da lealdade ao seu pai Geppetto e ao seu começo.

Pois crescer não é amadurecer. Tem gente que cresce e jamais amadurece. Pinóquio amadurece dentro do sofrimento.

Pinóquio sou eu.

Quando peço o Pinóquio de presente, estou dizendo que não tive infância, busco restaurar uma tranquilidade que não conheci nos anos de alfabetização.

Quando peço o Pinóquio de presente, estou dizendo que confiava em grilos e amigos imaginários, que sempre acreditei no invisível para dividir minhas aflições.

Quando peço Pinóquio de presente, estou dizendo que sofri gozação dos colegas, que me chamaram de burro e asno, que troçaram da minha aparência, que me maltrataram com frequência, a ponto de me colocar de cabeça para baixo na janela da escola, que mesmo assim resisti e fui buscar meu coração no interior do oceano e da baleia.

Quando peço o Pinóquio de presente, estou dizendo que não me escondi na fantasia, por mais que a realidade não me favorecesse, que aceitei quem sou, de madeira, frágil e imperfeito.

Quando peço o Pinóquio de presente, estou dizendo que não desisti de ter esperança, não me escondi na depressão, não parei de caminhar. Avancei sem entender. Fui adiante aguardando a solução do meu mistério.


Não sei quantos Pinóquios necessito receber para acalmar o choro da criança que fui. Mas um dia, se Deus quiser, eu me torno um menino da verdade.

30 de novembro de 2014 | N° 17999
CLÁUDIA LAITANO

Lembrancinhas

O presente perfeito deveria saltar aos olhos como um grande pacote vermelho sobre um jardim coberto de neve inconfundível, inescapável. Todo nosso carinho condensado em um único objeto, que por acaso custaria exatamente o que podemos pagar e nem um centavo a mais. Nenhuma hesitação, fila ou mesmo uma data compulsória determinando o dia e o motivo da entrega. Um presente tão espontâneo e único quanto o afeto que inspirou a vontade de presentear.

Ao abrir o presente perfeito, o destinatário seria tomado de surpresa e incredulidade. Como alguém poderia ter adivinhado que era exatamente aquilo que povoava seus sonhos? Neste momento, os olhos de quem dá e os olhos de quem recebe se cruzariam em um breve e intenso instante-presente, cheio de cumplicidade e reconhecimento mútuo.

Mais do que agrado protocolar, sinal de gratidão ou simples obediência ao ritual das datas comemorativas que exigem trocas de gentilezas, o presente perfeito seria aquele que se dá e se recebe com alegria. Na maior parte das vezes, porém, escolher presentes é tão prazeroso quanto cumprir um compromisso obrigatório. Queremos nos livrar da tarefa como de uma reunião de condomínio ou de uma ida ao supermercado: com eficiência, mas no menor tempo possível.

Compra-se rápido, talvez, porque descarta-se mais rápido ainda. Adivinhar o que uma pessoa gostaria de ganhar tornou-se o menor dos problemas hoje em dia. Todo mundo deseja alguma coisa – ainda que não por muito tempo. Vivemos cercados de possibilidades de consumo, desejos insatisfeitos e frustrações difusas, habituados a preencher com objetos diferentes tipos de vazios. Nesse ambiente, torna-se cada vez mais difícil emprestar a algo que se pode comprar algum tipo de significado que não seja o de ser consumido e substituído logo em seguida.

Para transformar uma mera troca de mercadorias em uma verdadeira troca de presentes, é preciso um pequeno exercício de subversão. Dizer não às compras apressadas, burocráticas, obrigatórias, cansativas. Mas se for impossível escapar delas, que cada presente chegue ao destinatário acompanhado de um gesto ou palavra surpreendente, pessoal, intransferível.

Talvez nossas tias não estivessem apenas nos enrolando quando diziam, envergonhadas, com um pacotinho vermelho da Sloper na mão: “É só uma lembrancinha, viu?”.


Porque, no fim das contas, o presente perfeito, o que vale a pena dar e ganhar, é aquele que se transforma em lembrança assim que a gente o abre.

30 de novembro de 2014 | N° 17999
ANTONIO PRATA

Direitos do Homem (sensível)

Se você é um ogro machista e homofóbico, você tem representantes no Congresso, na imprensa, tem vários amigos no clube. Se você é LGBT, você tem representantes no Congresso, na imprensa, tem vários clubes de amigos(as). Agora, se você está no meio do caminho, se é apenas um homem sensível lutando para ver respeitados certos direitos básicos de sua pacata heterossexualidade, não tem político a quem pedir socorro e periga não emplacar sequer reclamação na seção de cartas do jornal.

Que “direitos básicos” são esses? Ora, muitos, que viemos perdendo aos poucos, da adolescência pra cá, conforme nos apaixonávamos por mulheres inteligentes, elegantes e criteriosas, diante das quais, sensíveis que somos, fomos fazendo concessões. Usar regata, por exemplo: não pode. Calçar tênis de corrida, socialmente: nem pensar. Sair por aí, poxa vida, de pochete: divórcio.

A menção à regata, ao tênis de corrida e à pochete pode dar a impressão de que as reivindicações deste desassistido grupo pendem para a ogrice. De que nosso sonho é deixarmos de ser homens sensíveis e irmos nos transformando, paulatinamente, no Homer Simpson. Não é por aí. Alguns dos nossos anseios têm a ver com o Homer: outros têm a ver com a Marge – ou com a Lisa? Por exemplo: andar de patins. Pronto, falei.

Eu sempre quis andar de patins, mas nunca tive coragem de assumir esse desejo. Vejo as pessoas deslizando pelas ciclofaixas como se tivessem asas nos pés, posso sentir o vento batendo em meu rosto, soprando a brasa da inveja e acendendo um pensamento: nossa, se eu fosse gay ou sueco, eu comprava um patins hoje mesmo. Acontece que não sou. Sou apenas um rapaz latino-americano, um pobre-diabo espremido entre o feminismo e o machismo, o hífen solitário no meio do Fla-Flu, com medo de ir de moletom e chinelo à padaria e pôr em risco o meu casamento, com medo de saracotear sobre rodinhas e pôr em dúvida a minha masculinidade.

Fôssemos uns machistões, não haveria problema. Teríamos casado com mulheres frágeis e tolas, que só nos diriam “amém, meu bem” e nossa vida conjugal seria um eterno domingo de Rider e latão: “Mais salaminho, pitucão?”, “Sim, pituquim”. Mas não, nos apaixonamos pelas bisnetas da Simone de Beauvoir: aí, queridão, conseguir emplacar um Chapecoense x Criciúma como programa pra noite de quarta, fica difícil.

Fôssemos uns seres evoluídos, superiores às infantilidades latinas e libertos das amarras do gênero, não ligaríamos para as opiniões dos nossos pares: compraríamos os patins (reais e simbólicos) e sairíamos por aí, todos pimpões. Mas não, nós queremos ser vistos como mui machos, centroavantes, pegadores: aí, realmente, patins, fica difícil.


Difícil, mas não impossível. A união é o primeiro passo. A divulgação dos nossos anseios, iniciada aqui, é o segundo. O terceiro é elegermos um representante. Ou, quem sabe, conquistar o apoio de um já eleito? Será que o Jean Wyllys não se interessaria em defender a causa? Em ouvir nossas reivindicações e incorporar HS, as iniciais de “homem sensível”, à sigla da diversidade sexual: LGBTHS? Prometemos ajudar na luta por um mundo livre, onde cada um ame quem quiser, escolha o gênero em que se sentir mais à vontade e possa até, um dia, – por que não? – sair por aí de pochete.

30 de novembro de 2014 | N° 17999
PAULO SANT’ANA

A vingança da vida

Não sei se o que ocorre comigo acontece também com meus leitores e leitoras: eu fui surpreendido pela minha idade, 75 anos, não percebi que ela estava se aproximando e até hoje, ilusoriamente, acredito que tenho ainda 35 anos.

É que nós só vemos defeitos nos outros, minimizando tudo de ruim que nos acontece, por um também defeito de nossa vaidade.

Uma colega minha dos tempos de faculdade se encontrou comigo e me disse que ela, esses dias, se encontrou com um antigo ex-namorado.

E que, depois de conversar com ele durante uns 30 minutos, saiu pensando o seguinte: “Ele agora é careca e gordo. Não perdi nada”.

Na verdade, o careca e gordo saiu pensando o mesmo de minha colega, ele não perdeu nada.

Ou seja, velhos e gordos são os outros, por isso é que escrevi no início desta coluna que não nos damos conta de nossos defeitos e desvantagens.

Um colega meu das minhas proximidades aqui no jornal me contou que, 25 anos atrás, se mudou para a Tristeza, nosso querido arrabalde. E que, ao chegar à nova casa, disse à sua mulher: “Que bom que mora na casa do lado um casal de velhinhos”.

Pois aconteceu a vingança da vida. Esses dias, mudou-se para a casa do lado de onde mora meu colega um casal de jovens, e o rapaz deve ter dito para a esposa jovem o seguinte sobre o meu colega que se mudou para o local há 25 anos: “Que bom, querida, que mora ao nosso lado um casal de velhinhos”.

Aqui se faz e aqui se paga.

Paulo Brossard de Souza Pinto, colega de colunismo aqui de ZH, recebeu, na quarta-feira passada, das mãos do ministro Gilmar Mendes, uma comenda do Instituto Brasiliense de Direito Público, na qual se exalta a importância de Brossard no Direito Constitucional brasileiro.


Que merecida e adequada homenagem! E nós nem tínhamos nos dado conta por aqui. É a tal coisa, santo de casa não faz milagre.

30 de novembro de 2014 | N° 17999
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

Os negros da América

Vi algumas das manifestações dos americanos contra a decisão do Grande Júri de Missouri de não processar o policial que matou o rapaz negro em Ferguson. Mais de mil negros e brancos foram às ruas em protesto, aqui em Boston, e outros milhares fizeram o mesmo em dezenas de cidades do Atlântico ao Pacífico. Os Estados Unidos são uma federação de fato e de direito, mas são também uma nação única e compacta em determinadas discussões.

Essa cidadezinha, Ferguson, está atarraxada quase no centro dos Estados Unidos, à margem do Mississippi, o grande rio que corta o país de Norte a Sul, que os índios chamavam de o Pai das Águas. É um lugar pequeno, de pouco mais de 20 mil habitantes, mas que mobilizou todo o país.

O que me leva a pensar: Brasil e Estados Unidos são dois irmãos gêmeos completamente diferentes. Vou me ater à questão dos negros. Brasil e Estados Unidos, dois gigantes territoriais da América, receberam escravos africanos e os mantiveram em cativeiro por cerca de três séculos. Isso marcou terrivelmente os dois países, porque criou uma classe inferior de cidadãos. Os descendentes dos africanos ainda lutam para se libertar de tudo o que significou a escravidão ao norte e ao sul do continente.

Mas aí começam as sutis e profundas diferenças. Mora na filosofia, como diria Caetano. Os ingleses fundaram os Estados Unidos em nome da liberdade. Manter homens sob escravidão era contraditório. E por que os africanos eram escravizados? Porque eram negros, apenas por isso. Os 15 Estados do Sul que queriam continuar com a sua “instituição peculiar”, como a chamavam, justificavam-na com uma série de teorias racistas que asseguravam que negros eram inferiores aos brancos. Os negros seriam menos humanos, seriam mais animais.

Não se sustentou, é claro. A falta de base filosófica, aliada, é óbvio, a toda a conjuntura econômica, que colocava em oposição o Norte industrializado e livre ao Sul agrário e escravagista, levou à Guerra de Secessão de 1860. Essa foi talvez a maior guerra civil de todos os tempos: mais de 620 mil homens morreram.

O sangue de 620 mil homens lavou grande parte do pecado americano pela escravidão. Não há nada de transcendental nisso. O que estou dizendo é que a Guerra Civil expôs o Mal. É como o nazismo na Alemanha. O nazismo acabou há 70 anos, mas os alemães purgam esse pecado todos os dias, desde aquela época, e o fazem através de filmes, livros, debates, monumentos e museus que lembram o Holocausto.

Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa! A Bíblia diz que, se não há arrependimento, não há perdão. E aí, mais uma vez, não estou sendo transcendental, não estou sendo religioso, estou sendo racional. Mora na filosofia: essa é uma sentença sábia da Bíblia, porque, para haver arrependimento, é preciso haver contrição e, para haver contrição, é preciso haver dor.

A escravidão causou dor aos Estados Unidos. Os americanos sangraram e sofreram. Isso fez com que a luta dos negros se tornasse nacional e, finalmente, constitucional, com a conquista dos direitos civis, nos anos 60 do século passado.

A escravidão nunca doeu no Brasil. Nunca.

Há mais descendentes de escravos no Brasil do que nos Estados Unidos, mas talvez haja mais negros nos Estados Unidos do que no Brasil. Nos Estados Unidos, os negros são 12% da população. No Brasil, quantos seriam “100% negros”, como está escrito naquelas camisetas de praia? É uma parcela mínima da população. No Brasil, nos misturamos. Alegremente nos misturamos. Quantos serão os decendentes de escravos? Uns 40%? Metade da população? Muito mais do que isso? Impossível saber. Somos todos um pouco negros no Brasil. E também todos um pouco brancos e todos um pouco de tudo.

Os descendentes dos escravos, no Brasil, não são identificados pela cor da pele. Porque há, no Brasil, os Friedenreich, filhos de imigrantes alemães com a lavadeira negra, meninos bons de bola, com olhos azuis e carapinha no cabelo. Há, no Brasil, mulatos disfarçados como Machado de Assis, brancos que queriam ser negros, como Vinícius, os olhos verdes da mulata, o cabelo loiro do sarará.

Nós somos mestiços. Nós somos todos mais ou menos.

Entre nós, os descendentes dos escravos são os pobres.

Há igualdade entre os pobres no Brasil: todos são, democraticamente, desgraçados. Pobres loiros, pobre pretos, pobres pardos, pobres são pobres e ponto.

Assim, a questão racial ficou diluída na pobreza comum. De quem é a culpa pelos mais de três séculos de escravidão? De ninguém? Ou de todos?

Há racismo no Brasil, é evidente que há, em toda parte do mundo há racismo e aversão às diferenças, só que, no Brasil, a pobreza não tem cor. Nos Estados Unidos tem, e é negra.


Americanos e brasileiros, pobres e ricos, negros e brancos, somos todos seres humanos. O Brasil nunca discutiu o que fez com os seres humanos negros na maior parte da sua história. O Brasil nunca admitiu seu crime. Nunca sofreu. Nunca sentiu culpa. E a culpa é nossa. Nossa máxima culpa?

30 de novembro de 2014 | N° 17999
L. F. VERISSIMO

Improvisos

Mike Nichols e Elaine May formavam um par cômico. Os dois em início de carreira. Parte do número deles consistia em pedir que alguém da plateia sugerisse um tema sobre o qual improvisariam. E, mais, que o público também sugerisse o tom e o estilo do improviso. Por exemplo: a queda do Império Romano contada como uma opereta da Belle Époque, ou Guerra e Paz numa versão gospel.

Os dois inventavam, na hora, cenas, diálogos e letras de acordo com os pedidos, e nunca eram menos que brilhantes. Quando o duo se desfez, Mike Nichols foi ser um diretor de teatro e cinema famoso, Elaine May uma roteirista, diretora e atriz não tão famosa. Nichols morreu na semana passada. May, me informa o Google, ainda está viva.

Imaginei como eles atenderiam a um pedido para contar o que se passa no Brasil, hoje, no estilo de um filme noir americano dos anos 40.

– O sujo do Al (“Maleta”) Youssef está contando tudo. Dando nomes, cifras, tudo. Eles chamam de delação premiada. Eu chamo de canalhice.

– Precisamos matar esse canário.

– Difícil. Ele está na gaiola. – Gaiola? – Prisão.

– Ah. Não tem ninguém da nossa gangue lá dentro que possa envenená-lo?

– Você está brincando? Toda a nossa gangue está lá dentro!

Dilma indecisa quanto à formação do seu ministério, num solilóquio shakespeariano:

“Ser ou não ser de esquerda, quando a direita me chama como um abismo...

Ser autêntica e atrair a ira de um Congresso rebelde e de um mercado que treme como num sismo?

Ou esquecer ideais e aceitar os conselhos de alguém que não sou eu

E escolher o Levy e a Katia Abreu?”

A falta d’água, em São Paulo, recontada como uma parábola bíblica:

“E Deus apareceu para Alckmin e disse: ‘Suas preces foram ouvidas, choverá 40 dias’. E Alckmin disse: ‘Sério?’. E Deus disse: ‘Palavra de Deus’. E instruiu: ‘Construa uma arca, pois a chuva trará um grande dilúvio que cobrirá São Paulo, e só os que estiverem na arca sobreviverão’. E Alckmin disse: ‘Senhor, obrigado pela boa intenção, mas...’.

E ponderou: em vez de fazer chover por 40 dias e submergir São Paulo, por que Deus não regulava a quantidade do que cairia sobre o Estado, como sempre fizera, e mandasse apenas o bastante para encher os reservatórios? Não era preciso nada espetacular como 40 dias de chuva, ou pouco prático como uma arca em que coubesse todo mundo.

Ou quase todo mundo. Sim, porque haveria a questão política: quem incluir e quem excluir da arca? Quem salvar do dilúvio para reconstruir São Paulo quando as águas baixassem? Não poderia ser só gente do PSDB, por mais que isso fosse o recomendável. Outra coisa: só seria possível construir a arca com auxílio do governo federal. Deus teria que aparecer para a Dilma, também, e convencê-la a ajudar. Depois, haveria a questão de dividir os créditos pela obra. O PT fatalmente iria querer ser reconhecido. E outra coisa... Mas Deus já estava se afastando, dizendo ‘Esquece, esquece...’


Alckmin ainda gritou: ‘Quem sabe 10 dias de chuva? Quinze?’. Mas Deus já tinha desaparecido”.
WALCYR CARRASCO
28/11/2014 21h20 - Atualizado em 28/11/2014 21h26

Preço fixo

A lei que proíbe descontos acima de 5% nos livros deu certo na Europa. É uma proteção válida

Estive na Feira de Frankfurt neste ano, onde dei uma palestra sobre a criação do personagem. É a maior feira de livros do mundo. Ser convidado pela própria direção do evento lustrou meu ego. Não imaginava um espaço tão grande dedicado somente a livros. Eram 8.000 metros quadrados, divididos em vários pavilhões, por nacionalidades. Na noite anterior mal dormi, por ser minha primeira palestra em inglês. Tenho um sotaque pavoroso. Depois, concluí: numa feira com tantas nacionalidades presentes, quem não tem? Para meu alívio, ganhei aplausos. Foi bom. Quando a gente reflete sobre um tema, aprende um pouco mais, não é?

Me surpreendeu conviver com um vibrante mercado editorial. Conheci mais. Soube que Alemanha, França, Inglaterra, Espanha têm a lei do preço fixo para livros. Nas promoções, os descontos só podem chegar a 5%. Pode parecer errado. Quem não quer desconto? O problema é maior – e merece atenção.

Desde sempre, livrarias e sites, como o Submarino, vendem livros com descontos em promoções especiais. A entrada da Amazon no país aumentou a política de descontos.

Para ganhar mercado, a Amazon chega a vender livros por um valor mais baixo do que compra das editoras. Exatamente. Perde dinheiro na venda. Um dos últimos casos foi Guga, um brasileiro.  Na Amazon, saía menos que o preço da editora. A chegada da Amazon teve vários lances de bastidores. Inicialmente, exigiam 70% das editoras. Para elas, sobraria 30%. Como o autor costuma ganhar de 10% a 15% do preço de capa, houve imensas dificuldades de negociação. Ficaram, até onde sei, nos 50% de praxe. Aí veio a outra questão: a estratégia para dominar o mercado com preços mais baixos.

Do ponto de vista de quem compra, ótimo. Inicialmente. Essa política comercial leva a um domínio absoluto. Sou cliente da Amazon americana há anos e sei quanto é competente. Oferece livros dentro de meus interesses de leitura. Os pedidos chegam rapidamente. Os sites, mesmo o nacional, funcionam agilmente. A Amazon produziu uma quebradeira entre as livrarias. Imaginem o que acontecerá no Brasil, principalmente com as pequenas.

Quando meu livro Juntos para sempre saiu pela Editora Arqueiro, seguidores do Twitter me escreviam – não havia nenhum exemplar em sua cidade. A distribuição da Arqueiro é das melhores. Mas as pequenas livrarias dependem de um trabalho de formiguinha de distribuidores regionais.

 Portanto, se a Amazon perder dinheiro para ganhar mercado, ganhará o domínio absoluto da venda de livros no Brasil. Pelo menos é o que pensam os editores. Eles já se movimentam. Recentemente, o Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel) e a Associação Nacional de Livrarias (ANL) organizaram um seminário sobre o tema. Paralelamente, algumas editoras pararam de vender à Amazon.

– Se continuar assim, em pouco tempo dependeremos só dela. A Amazon ditará as regras – diz um editor.

O catálogo Avon, um dos maiores canais de venda de livros do país, também pratica preços abaixo do mercado. Mas a Avon é uma empresa de cosméticos, escolhe somente alguns títulos para promover.

O maior comprador de livros no país é o governo. Por meio de seu programa de incentivo à leitura, o PNLL, compra e distribui não só didáticos, mas literatura, a escolas, bibliotecas. Obviamente, uma compra governamental, pelo volume, ganha descontos especiais. Digo por mim: certa vez vendi 2 milhões de exemplares de um único título, Os miseráveis, traduzido e adaptado por mim. A editora fez um preço superespecial, e todos saímos sorrindo.

A luta pela lei do preço fixo é uma tentativa para conter a Amazon. Há ressalvas: o preço só valeria por alguns meses, no calor do lançamento; compras governamentais ficariam de fora.

A lei deu certo nos países europeus, com uma válida proteção do mercado. É preciso ter agilidade para implantá-la. Poucos editores confessam, mas são obrigados, ao adquirir os direitos de um best-seller de calibre, a comprar um pacote de títulos sem expressão, a traduzi-los e a lançá-los. Isso tira espaço de autores nacionais. Gráficas também estão quebrando. Há editoras que imprimem seus livros na China. Não entendo como imprimir na China e transportar o livro para cá seja mais barato. Mas é. A luta pelo preço fixo pode parecer contrária ao leitor. Mas só num primeiro momento. Seu resultado será a defesa de nosso mercado cultural.



29 de novembro de 2014 | N° 17998
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

FAZER POR FAZER? MELHOR NÃO

Os ingênuos podem supor que a alegria que sentimos ao fazer o que fazemos depende da importância que os outros dão ao que é feito. Felizmente, não é assim, porque senão, aos que fazem as tarefas chamadas menores, só restaria a frustrante sensação da insignificância. E com ela, o sentimento de inferioridade.

Como o percentual de façanhas extraordinárias é muitíssimo pequeno, parece lógico concluir que a fonte geradora de alegria pessoal depende mesmo é da qualidade do que fazemos, seja lá o que façamos.

Quando se trabalha em equipe, um conceito básico é que as tarefas de execução mais simples, aquelas que dispensam grande qualificação técnica e para as quais se consegue habilitação mais rápida, essas nunca poderão ser rotuladas como secundárias, sob pena de ruir todo o sistema. O exemplo que considero perfeito desta situação é o da faxineira do bloco cirúrgico. Quem definiria sua atividade como secundária, se uma infecção, decorrente de má assepsia, pode empurrar todo o brilhantismo técnico da cirurgia para o ralo da complicação, às vezes, irreparável?

Aprendi, em funções de chefia, que a construção de um grupo diferenciado principia com a valorização da parcela de cada um, não apenas porque o reconhecimento profissional é um ingrediente indispensável na construção da autoestima individual, mas, principalmente, porque dele depende a espontaneidade do comprometimento.

Os simplificadores atribuem aos baixos salários todo o problema do desempenho medíocre, mas é um equívoco ignorar que não há estímulo econômico que coloque encanto no que se faça sem prazer. O mau humor de alguns profissionais bem remunerados e a tocante entrega afetiva de operários que mal ganham para a sobrevivência são a prova de que nos alimentamos também de uma energia maior que nos impulsiona e gratifica. E que, sem ela, nos transformamos em colecionadores de ressentimentos.

Era um enterro de uma pessoa querida e fiquei impressionado com o entusiasmo com que o coveiro rebocava os tijolos para o fechamento do sepulcro. Havia uma irretocável precisão de gestos quando cortava os fragmentos dos tijolos para que coubessem no espaço entre as peças maiores e, por fim, a colocação da pasta de cimento que preenchia todos os vãos, com notável destreza. Cheguei mais perto para ler o nome no crachá e percebi que o Valdemar adorava o que fazia e só não assobiava de contentamento em respeito à família que voltara a soluçar à medida que a colocação da lápide representava a materialização do adeus.

Quando começou a debandada, senti a necessidade de agradecer ao Valdemar. Naquele “de nada!” meio sussurrado havia uma dose de surpresa e incompreensão, mas apesar da vontade de abraçá-lo, não senti ânimo para explicar que vê-lo trabalhar com tanto gosto tinha sido a única coisa memorável de um dia muito triste. Sem ter ideia de qual seja o salário de um coveiro, preferi arquivar aquele desempenho como modelo de adaptação a uma tarefa difícil e até imaginei-o festejando em segredo: “Vocês podem não entender, mas eu duvido que alguém lacre uma sepultura como eu!”.


A propósito disso, lembrei-me de uma passagem extraordinária, que descreve um diálogo que presumivelmente ocorreu entre Madre Tereza, que cuidava de leprosos, e um empresário texano. O milionário, vendo-a banhar carinhosamente um daqueles pobres pacientes, disse: “Irmã, eu não faria este trabalho nem por um milhão de dólares”. E ela respondeu: “Eu também não, meu filho”.

29 de novembro de 2014 | N° 17998
NÍLSON SOUZA

DESAGRAVO

De vez em quando, me ponho a pensar em como reagiriam personagens ilustres que já partiram se voltassem e vissem o que ocorre nos logradouros públicos que receberam seus nomes. Em Porto Alegre, certamente haveria muita perplexidade.

Imagino, por exemplo, o general Lima e Silva dando uma banda pela Cidade Baixa e passando pelo local onde morava na antiga Rua da Olaria, que agora leva o seu nome. Ou o padre Chagas conhecendo a madrugada fervente da rua que o homenageia no Moinhos de Vento.

Mas o personagem que mais me comove neste confronto imaginário entre a memória e a realidade é Mario Quintana. Na zona norte da Capital, batizaram um bairro com o nome do poeta – e não passa semana sem que a brandura do alegretense que suspirava fumaça e almoçava quindins seja associada, no noticiário policial, aos crimes lá cometidos. Nesta semana mesmo, ao ler sobre o assassinato de um jovem naqueles tristes quintanares, surtei um plágio:

Olho o mapa da cidade

Há um bairro com meu nome

Nele, um corpo estendido

(É nem que fosse o meu corpo)

Sinto uma dor infinita

Das ruas de chão batido

Onde a miséria habita

Há tanta esquina maldita

Tanta vingança nas paredes

Há tanta moça bonita

Nas ruas que não andei

(E há uma rua assombrada)

Que nem em pesadelos verei...)

Quando eu voltar, um dia desses,

Poeira ou sombra animada

No escuro da madrugada,

Serei um pouco fantasma

Invisível, silencioso

Que fará tudo mudar

Com a força do olhar

E um apelo clamoroso

Se querem me homenagear

(Neste precário lugar)


Melhorem a vida do povo

29 de novembro de 2014 | N° 17998
PAULO SANT’ANA

Oração aos moços

Um adjetivo frequentemente usado para desqualificar uma pessoa é “velho”.

Uma pessoa pode ser ligeira, competente e até talentosa, mas se diz que é “velha”.

E quantas e quantas pessoas são preconceituosamente julgadas e, de forma inapelável, são excluídas do meio social só por serem “velhas”.

Às vezes, noto alguns desses julgamentos. Os justiceiros ouvem que aquela pessoa é acurada, cumpridora dos seus deveres, exata e eficaz nas suas tarefas e respondem firmemente: “Mas é velha”.

E atiram-se ao lixo os velhos.

Sei que é fatal na vida que os velhos sejam sucedidos pelos mais moços.

E, lá adiante, os mais moços vão topar, daqui a anos, com esta mesma arbitrariedade: serão julgados por serem velhos.

Só que, em qualquer disputa, seja no trabalho em geral ou no esporte, o certo, o justo, o adequado é que as pessoas sejam julgadas por suas aptidões e não por sua idade.

No caso do esporte, há um episódio bem peculiar rondando o Grêmio: Zé Roberto é um jogador de 40 anos de idade e no entanto se equipara a muitos jogadores do Grêmio ou até os supera dentro de campo.

Zé Roberto já foi julgado “velho” e por isso perdeu seu lugar no time.

Mas foram ver melhor e constataram que o velho Zé Roberto não é bagaço para ser jogado fora.

É craque. Essa ojeriza aos velhos é compreensível: os velhos realmente estão mais sujeitos às doenças físicas e mentais.

Mas é preciso lembrar que Abraham Lincoln, Rui Barbosa e Getúlio Vargas eram velhos.

Recebi do Sindicato dos Petroleiros uma reclamação quanto a uma coluna minha, a do dia 19 de novembro.

Naquela coluna, afirmei, com análise ampla dos fartos atos de corrupção havidos na Petrobras e que estão sendo objetos de investigação no país, que “basta ter trabalhado ou estar trabalhando na Petrobras para ser suspeito”.

O Sindipetro, por seu presidente, Fernando Maia da Costa, mandou uma resposta para mim queixando-se da generalização contida ali no trecho citado acima.

Tem razão o missivista. Generalizei e errei.

Mas foi tão grande a roubalheira na Petrobras, que eu escorreguei nessa casca de banana.


Desculpe.

29 de novembro de 2014 | N° 17998
CLÁUDIA LAITANO

Cápsula do tempo

Quem tem filhos adultos, ou já se encaminhando para a vida adulta, experimenta de vez em quando uma curiosa espécie de “saudade na presença”: uma leve melancolia causada pela irrevogável separação de todas as etapas que já ficaram para trás.

Seu filho pode nunca ter permanecido muito tempo longe dos seus olhos, mas cada fase vencida transforma-se imediatamente em nostalgia, mesmo as mais trabalhosas. Se com relação às outras pessoas sentimos uma enganosa percepção de continuidade no tempo, por mais longa e próxima que seja a convivência, com relação aos nossos filhos há sempre a sensação de que nos despedimos de alguém no meio do caminho, sem perceber ou dar à devida solenidade à despedida.

O bebê que mal enxergava em volta e o que começou a andar, a criança que foi para a escola pela primeira vez e a que fugia para a sua cama nas noites de inverno – é como se cada uma delas fosse um indivíduo diferente, da qual, se pudéssemos escolher, não teríamos jamais nos separado.

Tiramos um milhão de fotos, gravamos um milhão de vídeos, guardamos desenhos rabiscados e brinquedos favoritos, mas o que gostaríamos mesmo era poder abraçá-los todos – do filho recém-nascido que embalamos na maternidade ao que beijamos na testa ontem mesmo – pelo menos uma vez por ano. Seria o melhor Dia das Mães e Pais já inventado.

O filme Boyhood, que estreou em Porto Alegre nesta semana, explora essa fantasia de congelar no tempo a própria passagem do tempo – ali onde ela é particularmente visível, a transformação de uma criança em um jovem adulto. Rodado ao longo de 12 anos, algumas cenas a cada ano, o filme acompanha o crescimento de um menino dos seis aos 18. Numa cena, ele é um garotinho bochechudo que apronta na escola e implica com a irmã mais velha.

Pouco depois, magro e alto, já está se despedindo da mãe e indo morar longe. O que acontece entre um momento e outro não tem nada de excepcional além da própria forma como o filme é narrado, que nos aproxima do personagem principal como se realmente tivéssemos visto o garoto crescer diante dos nossos olhos durante as duas horas que dura o filme.

O diretor Richard Linklater é um dos mais hábeis do cinema atual na arte de retratar o espírito da época através de histórias que não são especialmente épicas, trágicas ou fora do comum. Como em Antes da Meia-Noite, o último filme da trilogia “Antes”, Linklater parece fascinado com as marcas que a passagem do tempo deixa não apenas na aparência das pessoas, mas no que elas sentem e pensam, inclusive sobre si próprias. Boyhood fixa nossa atenção no menino e em tudo que nele vai mudando física e psicologicamente, mas o fato é que seus pais e todos em volta vão se transformando também, ainda que não de forma tão evidente como acontece com as crianças.


Como o protagonista do filme, estamos sempre deixando um pouco de nós para trás – e isso é triste e belo ao mesmo tempo. Como este pequeno grande filme.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Jaime Cimenti

Está difícil a vida de cronista?

A coisa não está fácil para ninguém, se é que algum dia esteve fácil, neste mundo de Deus. Antigamente tinha umas “facilidades” de Direito aí nas cidades do interior, o cara ia lá fazer as provas e, depois de algum tempo, tudo correndo bem, pegava o canudo, se fantasiava de doutor com terno e gravata, colocava um anelão de ouro e rubi no dedo e saía garganteando bem por aí, com certa facilidade.

Hoje, para os cronistas “autorreferentes”, a coisa está até bem, o cara fica falando das joias, dos brilhantes e do ouro de seu maravilhoso umbigo, das abelhas da casa da infância, das rendas da vovó e outros assuntos ou falta de assuntos relevantes. Nem precisa ler os jornais do dia e ouvir as falas das pessoas nas ruas e praças para analisar, comentar e opinar sobre temas espinhosos.

Na época do FHC, muitos cronistas dormiam tranquilos para, de manhã, escreverem contra ele. Era mais fácil. Com a chegada do Lula à presidência, eles ficaram viúvos do FHC e uns acharam até que acabariam desempregados.

Nesse Fla-Flu que virou a política e a vida nacionais, vamos combinar que está complicado para os cronistas opinativos. Se o cara é a favor do governo, os da oposição e os vinte e poucos por cento de brancos, abstenção e nulos ficam de marcação, cobrando coisas. Se o cara ataca o governo, a patrulha governista fica patrulhando, questionando. Se o cronista fica em cima do muro, mandam o cara ir trovar e escrever lá na Muralha da China. Se o cidadão elogia o governo na segunda-feira, critica na terça e não fala nada na quarta, é porque não tem coerência e tal. Complicado, não é? Vai saber.

Vai ver estão certos os escribas “autorreferentes”, desligados de compromissos e engajamentos e atentos só ao que se passa nas pontas de seus narizes. De mais a mais, especialmente lendo a crônica do dia, tem muitos leitores sábios que preferem temas mais leves e querem apenas digerir o café da manhã em paz. Alguém pode ser contra?

Muitos leitores querem ver o circo, os palhaços, os domadores, os tigres, os elefantes e os cronistas pegarem fogo. Cada um na sua. Cada um no seu quadrado, com seus gostos e direitos.

Pois é, o tempo passa, sempre passa, e os cronistas vão seguindo com sua missão de biografar o cotidiano, registrar algumas coisas e opinar sobre outras, que esse negócio de contar histórias e palpitar só termina quando o homem terminar. Deus nos livre! Arreda, vade retro, distopia apocalíptica!

Jaime Cimenti
Jaime Cimenti

Guia completo da arte ocidental

História ilustrada da arte: os principais movimentos e as obras mais importantes (Publifolha, 402 páginas, tradução e consultoria de Maria da Anunciação Rodrigues, R$ 99,00), com consultoria geral do professor inglês Ian Chilvers, em síntese, é um guia completo, com textos e ilustrações, para entender a evolução das artes visuais no Ocidente, através de um extenso panorama, biografia de artistas e contextualização histórica.

Da Pré-história à Idade Média é o título da primeira parte da obra, assinada por Iain Zaczek, autor de mais de trinta livros e especializado em arte celta e pré-rafaelita. Artes egípcia, grega e romana; primeiros cristãos e bizantinos; alta idade média e românico e gótico são os capítulos desta parte inicial.

Renascimento e Maneirismo, da escritora e historiadora Jude Welton, é a segunda parte do livro. O início do renascimento, o florescer, o alto renascimento, o renascimento veneziano e o do norte da Europa, o maneirismo italiano e fora da Itália, são os capítulos que mostram o importante período. Do Barroco ao Neoclassicismo, terceira parte, também de Ian Zaczek, fala de barroco italiano, flamengo e espanhol, holandês e francês, do rococó francês e fora da França e do neoclassicismo.

O Século XIX, da editora, escritora e historiadora Caroline Bugler, quarta parte, trata de romantismo, paisagem romântica, pré-rafaelitas, realismo, impressionismo, pós-impressionismo e simbolismo. A quinta parte, A Arte Moderna, assinada pela escritora e editora Lorrie Mack, trata de expressionismo, cubismo, início da arte abstrata, dadaísmo e surrealismo, expressionismo abstrato, pop art e op art, abstração recente e da tradição figurativa.

Aliando textos e imagens, em uma abordagem inovadora, a obra traz linhas do tempo, descreve a evolução da arte através das principais obras, aponta as fontes de inspiração e, importante, informa sobre momentos históricos e dados biográficos dos artistas, contextualizando as análises.


Em poucas centenas de páginas, o leitor poderá percorrer os milênios importantes para a história da arte. Nas páginas finais, um glossário, índice dos artistas e índice geral desta obra que mostra desde os primórdios da arte até as manifestações atuais, numa viagem estimulante pela arte, que está sempre em movimento.

28 de novembro de 2014 | N° 17997
MOISÉS MENDES

Os ônibus da cidade arcaica

Uma cidade em que a classe média e os ricos não andam de ônibus é uma cidade arcaica. São as cidades brasileiras.

A definição é de um humanizador de espaços urbanos, o ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa. Também é Peñalosa quem diz que, quanto mais se estreitam as calçadas de uma cidade, mais ela se degrada e retrocede.

E tem esta outra, também dele: uma cidade nunca será civilizada enquanto os carros andarem mais rápido do que os ônibus.

Ao enfrentar o cartel dos ônibus, o prefeito Fortunati pode começar a nos levar para a cidade civilizada do colombiano. Há quase um século, as empresas desfrutam de uma capitania hereditária na Capital. Sem licitações, sem concorrência, sem nenhuma ameaça que as desafie a oferecer um serviço de qualidade.

Andar de ônibus em Porto Alegre é uma tortura. Sei porque tentei. Decidi andar quando conversei com Lutzenberger. Kadão Chaves fotograva um gato espichado aos pés do ecologista, no Rincão Gaia, quando ele me desafiou.

Me disse: saibas que, quando andas sozinho no teu carro, teu corpo é carregado por um monte de ferro que tem mais de 10 vezes o teu peso.

A partir dali, por uns quatro meses, andei de ônibus em ida e volta diária de 28 quilômetros, de segunda a sexta. A vinda da Zona Sul até o jornal era fácil. O difícil era entrar no ônibus no retorno, depois das 20h.

Me lembro quando vi uma mulher pôr o dedo na cara de um homem: se tu me tocar de novo, eu te dou um tapa. O aperto facilita a ação dos tarados.

Até que uma noite remexi na carteira e nos bolsos e não achei dinheiro. Falei baixinho com o cobrador. O cobrador gritou que quem manda no ônibus é o motorista. Todo mundo ouviu.

Encarei o motorista, depois de pensar um pouco, duas paradas adiante de onde deveria descer. O motorista apontou a porta com o nariz. Quando estava no degrau, ouvi o homem exclamar: mas que cara de pau.

Cheguei em casa e fiz as contas. Não ganhava nada andando de ônibus. Sozinho dentro do carro eu gastava de gasolina, na ida e na volta, menos do que com as passagens. Para não ser egoísta e tentar ajudar a construir a cidade civilizada, eu legitimava um serviço caro e ruim.

Desisti. Dias depois, esperei por mais de hora na parada da João Pessoa, até que apareceu o meu ônibus. Me aprumei para dar uma demonstração de honestidade. Imaginei, como ilusão, que estavam no ônibus os mesmos que, na véspera, me viram como caloteiro.

Paguei na roleta e, ao descer, disse ao motorista: está quitada a passagem de ontem. O homem me olhou e respondeu sem entusiasmo: deve ser engano, não sei de nada.

Era outro motorista. Desci frustrado, porque havia acertado as contas com o homem errado.

Agora, só ando de ônibus na precisão. Vejo, quando volto para casa à noite, ônibus abarrotados, com gente dormindo em pé, e penso na cidade civilizada de Peñalosa.

O cartel que se protege na conversa de que faz parte da livre-iniciativa deve levar um choque de capitalismo e concorrência. Se não aguentar, que dê um passinho à frente e salte fora.

Contei essa história ao jornalista Carlos Bastos, diretor de Comunicação da prefeitura. Bastinhos me disse que o prefeito vai enfrentar o cartel. Se vencer e a cidade ganhar um transporte público de qualidade, volto a andar de ônibus.


As concessionárias estão em dívida com a cidade, e não é coisa de poucas moedas.