sábado, 30 de setembro de 2023


30 DE SETEMBRO DE 2023
LEANDRO KARNAL

Já viajei bastante e já vivi muitas experiências. Porém, há muitas coisas que eu gostaria de ver neste terço final da existência. Tornou-se uma mania em livros identificar coisas ou lugares obrigatórios. Já encontrei Cem Filmes para Ver Antes de Morrer ou Cem Livros Indispensáveis para sua jornada neste planeta. A crônica é mais curta: tratarei sobre 10 tópicos. Serão fatos/tendências, imagens que me alegrariam muito antes do fim inexorável. Veja se algum desejo combina com o seu, iluminada leitora e esclarecido leitor. Complete ou substitua a lista.

1. Adoraria ver a aurora boreal. Fracassei nas tentativas anteriores. Um céu com cores variadas em raios de tom de opala. Deve ser algo incrível. Provavelmente eu, homem de poucas lágrimas, choraria em abundância diante do fenômeno.

2. Sonho com a ideia de estar em um barco ou na ponta de uma península, para ver baleias saltando no mar e caindo com estardalhaço. Uma azul, uma jubarte, uma orca; um baleal: deve ser muito emocionante! Já vi golfinhos, tubarões, arraias... Até o Nemo em corais. Nunca vi baleias livres e felizes no mar.

3. Tenho um delírio que é abrir o jornal e ver esta notícia: segunda, às 8h da manhã, as duas casas do Congresso estavam trabalhando arduamente, no plenário, por leis sobre saneamento básico, educação, investimentos estruturais e outras questões. Depois, no entardecer de sexta, exaustos, os nobres legisladores encerrariam o expediente. Sim, um deputado e um senador fazem muito trabalho em comissões e visitas in loco, eu sei. Porém, num dia, verei o Congresso fazendo o que todo trabalhador brasileiro faz. Num dia...

4. Sonho em entrar no aeroporto/rodoviária/estação de trem/ônibus e todas as pessoas estarem lendo. Sim, podem estar diante do celular, mas nada de vídeos com dancinhas: todo mundo lendo em papel ou nas telas, sorrindo, chorando ou franzindo o cenho diante de uma cena forte. Silêncio profundo e olhos concentrados. Um sonho...

5. Um delírio antigo! A aula deveria terminar ao meio-dia. O professor, cansado, tenta encerrá-la às 11h50min. Os alunos protestam e afirmam que ainda possuem 10 minutos de chances de descobertas, de aprofundamento, de novos insights. O mestre concorda, fala ainda mais e indica novos livros. Esse professor manda ler um conto, e os discípulos afirmam: "Só um? Não seria melhor ler uns quatro, ao menos, para perceber o estilo do autor?". Alunos conscientes dos seus protagonismos e cheios de interesse. Discípulos que superam os limites do tutor. Gente empolgada com sua própria formação... Quem sabe?

6. A reforma da sua casa foi prevista para dois meses. Deveria terminar dia 30 de novembro. Faltando 72 horas, o empreiteiro anuncia que a obra já está finalizada. O material comprado foi suficiente. O orçamento não necessitou de verba complementar. Tudo tem um acabamento perfeito. Você se despede do contratado com um aperto de mãos, feliz. Um sonho. Um delírio, talvez...

7. Encontro uma pessoa que gosta do meu trabalho. Ela se apresenta entre sorrisos. Faz umas perguntas curiosas e mostra que, de fato, lê e está informada do que eu penso e faço. Por fim, a fã se despede com alegria. Não são feitas as fotos. Nada é postado. Foi uma experiência pessoal sem ###. Fato único. Evento humano. Seres encontrando-se, apenas. O real basta e transborda. A vida flui, olho no olho, sem celular.

8. Uma pessoa adota um cachorrinho. Outra prefere comprar em um canil. Alguém adere ao mundo vegetariano. Outra come carne. Um é ateu e, ao seu lado, está um evangélico. Todos são felizes com suas escolhas. Ninguém "torra" ninguém. Desaparece o projeto missionário de converter o outro aos seus valores. Ninguém mais assume o papel de zelador da vida alheia. Um sonho antes da minha partida.

9. Antes de dar meu último suspiro, deliro com a ideia de acompanhar o desaparecimento da tecnologia de áudio em celulares. Ninguém mais envia mensagens sonoras. O mundo redescobre a escrita surgida na Mesopotâmia há quase 5 mil anos.

10. Por fim: deixemos de importar da Europa o péssimo hábito de considerar crianças um incômodo. Terminem os restaurantes e hotéis que não admitem crianças. Que o choro de uma criança em um avião seja encarado como sinal de vida e reação natural ao estresse da viagem. Todos entendam que o barulho infantil é muito mais saudável do que o silêncio amargurado de alguns adultos. 

Os pais devem fazer esforço pela boa educação dos seus rebentos, porém uma criança inteiramente adestrada é prenúncio de uma pessoa infeliz no futuro. Que as crianças corram, que riam, que chorem, que eructem. Que os pais estimulem a percepção do ambiente e, com palavras doces, indiquem que ali não é lugar de gritar. E que elas, rebeldes, façam da vida um valor maior do que a norma. Parece que estamos ficando intolerantes à vida. Sem os pequenos, não pode existir esperança.

LEANDRO KARNAL

30 DE SETEMBRO DE 2023
ARTIGO

OS DESAFIOS DO ENVELHECIMENTO

NO BRASIL, O IDOSO É UM SOBREVIVENTE SOB VÁRIOS ASPECTOS, ESCREVE PSICÓLOGA

Ser idoso no Brasil é um exercício de muitos desafios e enfrentamentos. O idoso em nosso país é um sobrevivente sob vários aspectos. Essa população enfrenta a exclusão do mercado de trabalho onde eles são considerados incapazes e improdutivos para desenvolver alguma atividade laboral.

Diferentemente dos países asiáticos, onde velhice é sinônimo de sabedoria e experiência, no Brasil os velhos são vítimas do etarismo (preconceito, neste caso relacionado à faixa etária). Outros desafios da pessoa que passa a ser considerada idosa é ficar incapacitada de suas atividades cotidianas, tornar-se dependente dos seus familiares e lidar com o surgimento de doenças neurodegenerativas, como as demências.

As mudanças decorrentes dessa faixa etária, a partir dos 60 anos, envolvem modificações físicas, psicológicas, neurológicas e sociais, alterando a relação do idoso com as outras pessoas e consigo mesmo.

Em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou 32,9 milhões de pessoas com 60 anos ou mais residentes no Brasil. Isso significa que, em menos de 10 anos, esse número aumentou 29,5%. Estima-se que até 2060 chegue a 58,2 milhões de pessoas consideradas idosas. A conclusão é de que o Brasil está ficando velho, e precisamos unir esforços com cuidados de previdência e saúde, além de repensarmos nossas atitudes, preconceitos e estereótipos sobre o envelhecimento.

O fato é que a imaturidade das instituições sociais brasileiras retira a oportunidade de os mais velhos terem uma vida digna e produtiva. Os avanços tecnológicos e a globalização auxiliaram no bem-estar dessa população, porém ainda não podemos considerá-los como ideais.

O artigo terceiro do Estatuto do Idoso refere que: "É obrigação da família, comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária". 

Porém, o que ocorre efetivamente é que as políticas públicas garantidas pelo Estatuto do Idoso e pela Constituição não são trabalhadas adequadamente, com atendimentos difíceis de serem acessados e os idosos, na maioria das vezes, se sentem excluídos dos programas e da sociedade. Desta forma, o Brasil precisa criar esforços para lidar com a realidade atual: tornar as políticas públicas e sociais já existentes eficientes, além de criar novas.

Para isso, precisamos mudar os conceitos e pré-conceitos em relação aos mais velhos para que não sejam considerados inúteis para o trabalho e que tenham garantidos a saúde, o bem-estar psicológico e social, independência e participação em diferentes setores e contextos.

Com essa população mais longeva, é dever da família, da sociedade e do setor público olhar para os velhos com respeito e dignidade, contrariando julgamentos enraizados de que as pessoas senis são um fardo para a sociedade, como sinônimo de improdutividade, reconhecendo a extensa diversidade de suas experiências. É preciso oferecer a eles condições para que a longevidade seja acompanhada por qualidade de vida e bem-estar.

Referente a saúde mental, o mês de setembro foi escolhido para a conscientização e sensibilização da população sobre os riscos decorrentes do Alzheimer, doença neurodegenerativa progressiva que tem como características a atrofia lenta e progressiva do cérebro causando comprometimento na memória (perda da memória recente) e funções cognitivas, além de desorientação, depressão, afasia (distúrbio na fala), agressividade, irritabilidade, delírios, dentre outras. 

O diagnóstico das demências é clínico por meio de entrevistas, teste cognitivo e exames (laboratoriais e de imagem). Em geral, a pessoa pode demorar anos para saber que é portadora da doença, e o principal motivo para o retardo na procura por ajuda é pelo fato de os sintomas, como raciocínio lento, serem interpretados como consequências do envelhecimento. A atenção dos familiares é essencial, pois a pessoa normalmente não percebe esses sinais e pode negar quando advertido de alguma manifestação.

Além da importância do diagnóstico precoce, hábitos diários e estilos de vida podem auxiliar no retardo do quadro, como estimular o cérebro com leituras, aprender tarefas novas, fazer atividades prazerosas, exercitar-se regularmente, investir em trabalhos criativos, manter o controle do estresse, de exames e alimentação saudável. Ao ser diagnosticado precocemente, maior serão as chances de tratar os sintomas, retardando a evolução da doença, além de garantir um envelhecimento com maior qualidade de vida. E algumas estratégias terapêuticas podem ser utilizadas quando do diagnóstico positivo, como terapia ocupacional, acompanhamento psicológico e interação social.

Entender e aceitar as mudanças corporais da idade, as fragilidades funcionais causadas pela ação do tempo e as limitações físicas decorrentes desse período são essenciais para um envelhecimento saudável. Envelhecer não é uma escolha: faz parte do desenvolvimento humano e é mais uma etapa do ciclo da vida.

LECI MARIA SORIANO BOBSIN CORRÊA (*)

30 DE SETEMBRO DE 2023
BRUNA LOMBARDI

DO QUE RIMOS?

Tem um verso num dos meus livros que diz: "Das liberdades, meu amor, eu quero todas". A ideia de liberdade me acompanha desde criança porque fui criada com esse conceito. Não me deixar intimidar, restringir, acuar, diminuir. Não me sentir presa, nem obediente ao que não

concordo. Meus pais me ensinaram a me manifestar, defender, posicionar. Não é uma tarefa fácil para nenhuma mulher. Requer um esforço, uma atitude e atenção permanentes. Um estado de alerta e ataque a qualquer movimento ameaçador.

Requer abrir mão de conforto, segurança e comodidade para conquistar o próprio espaço e encontrar a própria voz. Com todas as perdas e danos que isso possa causar. Dúvidas, decepções, sofrimentos inevitáveis. Um preço caro para se livrar das amarras, correntes, censuras e auto censuras. Repressão interna e externa que bloqueiam o caminho.

Mas quero é falar sobre o humor. A força desfraldada e maravilhosa do humor. Do que rimos? Quais as coisas que nos fazem rir? A começar por nós mesmos. Rir do que nos acontece, do que erramos, do jeito que reagimos, é uma ótima maneira de aliviar a vida.

O pior de uma viagem vai ser sempre o mais engraçado para contar aos amigos. Pode ser ruim na hora, mas a gente sabe que um dia vamos rir disso tudo. O humor quebra barreiras, entra em lugares proibidos. A criança gargalha com o humor escatológico. O palavrão quebra a rigidez de certos comportamentos.

Mas desde muito cedo comecei a perceber um tipo de humor que me incomodava. Era o humor tácito do preconceito e tão familiar que estava em qualquer programa de TV. Era a piada sobre o gay, a feia, a gorda e assim por diante, ridicularizando e ferindo pessoas. Eu era adolescente e não achava a menor graça nisso.

Hoje, muita gente discute a ideia do politicamente correto, sem entender de fato a extensão que há por trás. O estigma. A marca indelével nas pessoas que são atingidas por essas flechas de humor que causam danos irreversíveis.

Se uma piada ri do preço barato de um puteiro de beira de estrada, está rindo exatamente do quê? O que existe por trás desse humor? A tragédia da miséria, do machismo, do abuso e violência contra a mulher. É bom rir disso?

Não se trata de censura e nem de politicamente correto, mas sim de humanamente concebível. Criamos um tipo de humor machista e preconceituoso que se repete há tanto tempo e se diz libertador.

Não, não é. Na verdade liberta toda uma sociedade de reforçar um comportamento tóxico, um preconceito estrutural, uma ferida social atenuada pela gargalhada.

Criei uma cena no nosso filme O Signo da Cidade, que deu prêmio de melhor ator ao brilhante Juca de Oliveira. Ele está numa cama de hospital e pede como último desejo ver uma mulher nua. Uma enfermeira se recusa e uma outra aceita. É uma mulher gorda, e a plateia ri antecipando a piada.

Em seguida, há um silencio profundo de todos diante de uma das cenas de maior afeto que já escrevi na vida. E todos compreendem que não é uma cena de humor, mas de extraordinária generosidade.

P.S.: podem assistir na Netflix.

BRUNA LOMBARDI

30 DE SETEMBRO DE 2023
J.J. CAMARGO

PREVENÇÃO DO REMORSO

"Muitas noites não consigo dormir de remorso das coisas que não fiz." (Mario Quintana)

Como de hábito, não valorizamos o que temos, até que nos falte, e desperdiçamos um tempo irresgatável, sem perceber que estamos armazenando remorso para pesar no futuro, depois que os amados se forem e a saudade bater, incômoda e inútil.

Cada vez que ouço alguém dizer que não passa um dia sem lembrar do seu pai ou sua mãe, só não pergunto para não roçar na ferida se essa necessidade afetiva significava uma chamada por dia, enquanto eles ainda estavam por aqui.

Provavelmente não, afinal estamos tão atabalhoados e além do mais sobram tantas desculpas, porque passaremos juntos o próximo fim de semana (ou será no feriado?). Melhor deixar pra lá, de qualquer modo, adiante teremos tempo de sobra para atualizarmos o papo. E assim, de transferência em transferência, vamos gastando um tempo de convívio que não temos a menor noção do quanto será.

Com muita frequência, comento com os alunos da faculdade que uma condição perigosa do tempo maravilhoso que significa a planície dos 20 anos é a ameaça de que a crise de autossuficiência exacerbada que caracteriza essa idade mantenha-os afastados de suas famílias. Na verdade, um grande indício da chegada da maturidade é a percepção de que, de repente, estamos carentes daquele cuidado que nos pareceu sufocante na adolescência. Não há nada de errado nesta sequência, mas há um risco, sim: o de que a descoberta do amadurecimento só ocorra depois que os avós já se foram.

Acho que nós, como guias circunstanciais da juventude posta aos nossos cuidados, temos obrigação de alertá-los do quanto é injusto que, por pura distração, percamos um convívio tão rico e carinhoso. A julgar pelo brilho dos olhos e os agradecimentos reiterados, esse comentário, de aparência despretensiosa, mexe muito com eles, e eu tenho me sentido bem ao admitir silenciosamente que possa estar despertando verdades adormecidas à espera de um grito de alerta.

O problema é que a juventude entorpece a noção do tempo.

Mas então passam as décadas, e um dia descobrimo-nos confortáveis na fila de "prioridades por lei" para embarque no aeroporto. Se houver isenção para julgar as nossas desídias, teremos que assumir o completo despreparo para encarar a finitude, nossa e dos nossos queridos. Simplesmente porque sempre nos parecerá menos mórbida a negação.

Uma pesquisa instigante, comandada por um psicólogo espanhol (Rafael Santandreu), foi baseada na observação de que a valorização teórica da nossa dependência afetiva não combina como nossas atitudes porque, segundo ele, nosso cérebro está programado para não pensarmos no tempo que nos resta, o que nos induz a acreditar que sempre teremos outras oportunidades.

Usando critérios estatísticos, baseados na idade de cada par estudado, no número de vezes que se visitam e na duração desses encontros, foi possível projetar o tempo que eles teriam para passar com seus entes queridos.

Os amigos estudados confessaram que esperavam conviver muitos anos, e a informação de que esse tempo se contava em poucas semanas e, em alguns casos, não mais do que dias, gerou uma comoção.

Igualmente chocante foi a estimativa de que os sobreviventes dos próximos 40 anos gastarão 520 dias vendo séries, oito anos assistindo à televisão e 10 anos explorando a internet.

Validados estes números, com grande chance de terem sido subestimados, o futuro determinará, inapelavelmente, a substituição da saudade pelo remorso.

J.J. CAMARGO


30 DE SETEMBRO DE 2023
FLÁVIO TAVARES

NOVA ARCA DE NOÉ

As chuvas quase contínuas, que destruíram e mataram, nos fazem exclamar: "O tempo está ficando louco". Em verdade, os loucos somos nós, que nos negamos a aprender com a natureza, sem perceber o perigo das mudanças climáticas, causa profunda do desastre de agora. Com a enxurrada esquecemos a seca de meses atrás, que dizimou parte de nossa agricultura. É impossível saber o que é pior - se a seca ou a chuvarada -, pois não se trata de uma competição em que cada lado procura superar o outro.

A chuva deve continuar e não dar trégua. Culpa-se o El Niño, como se o fenômeno fosse um fantasma que surge sem explicações, quando - de fato - é obra nossa. Cada um de nós (do mais humilde ao nababo com milhões) tem culpa direta ou indireta. A chuvarada enlouquecida que destruiu cidades, deixou milhares desabrigados e também matou é consequência do efeito estufa que leva à crise do clima.

Além da destruição, há coisas impossíveis de se esquecer. Em Porto Alegre, fecharam apressadamente, com retroescavadeiras, o mal conservado muro da Avenida Mauá para que a água não atingisse o centro da cidade, como em 1941. Naqueles anos ainda não se falava em crise climática, mesmo que ela já existisse, e a regra era cortar florestas. A noção de meio ambiente (e a própria palavra) sequer constava da linguagem. Hoje, as comportas e a antiga ponte do Guaíba são nossos guardiões contra a incontrolável chuvarada.

Hoje, há órgãos internacionais que, a partir da natureza, apontam os perigos. No Brasil, temos um Ministério do Meio Ambiente e do Clima, e aqui secretarias estadual e municipais, mas atuando quase só na formalidade burocrática.

Já pensaram no que teria ocorrido se a tal mina a céu aberto, à margem do Rio Jacuí, houvesse sido implementada? As chuvas e os alagamentos levariam de roldão os detritos da mina e o carvão acumulado, que infestariam o Guaíba e os demais rios. E a Capital e toda a Região Metropolitana ficariam sem água e o cheiro da peste completaria o horror.

Só uma imensa nova Arca de Noé nos salvaria, então, do novo dilúvio podre.

FLÁVIO TAVARES

30 DE SETEMBRO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

OCUPAÇÃO EM ALTA

O mercado de trabalho no país segue apresentando bom desempenho, renovando o fôlego do PIB para o restante do ano, ao menos. Mais gente com ocupação significa maior potencial de crescimento da economia via mercado interno. A melhora da renda, em um momento de inflação comportada, em especial em itens básicos, como alimentos, importa em mais recursos disponíveis para o consumo. E assim a roda gira.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou na sexta-feira uma série de indicadores positivos, que vão além do número mais importante, o do desemprego. A taxa de desocupação no trimestre encerrado em agosto ficou em 7,8%. É a menor para o período desde 2014. Representa ainda uma retração de 0,5 ponto percentual na comparação com o recorte de três meses imediatamente anteriores, até maio. E 1,1 ponto abaixo de um ano atrás.

Cresceu a população ocupada, inclusive com carteira assinada, onde estão os postos de trabalho de maior qualidade, com proteção social. Caiu a taxa de subutilização da mão de obra. Ou seja, há menos brasileiros trabalhando menos do que gostariam. O desalento, que representa o contingente que desistiu de procurar ocupação, foi menor. A renda real habitual, de R$ 2.947, variou 1,1% na comparação trimestral e 4,6% em 12 meses. Desperta especial atenção a massa de rendimentos. Alcançou o valor recorde de R$ 288,9 bilhões. Trata-se da soma dos ganhos recebidos pelos trabalhadores. Demonstra o momento favorável da economia brasileira, com projeções de crescimento do PIB para o encerramento do ano na ordem de 3%, a despeito de uma já esperada desaceleração da atividade na margem.

A aproximação do final do ano deve fazer a taxa de desemprego no Brasil cair ainda mais. É um fenômeno também sazonal, devido às tradicionais contratações temporárias. Mas em períodos de maior confiança de empresários e consumidores, é natural que a efetivação também cresça, elevando os postos permanentes. Tudo aponta, portanto, para um fechamento de 2023 satisfatório em termos de mercado de trabalho, carregando efeitos benéficos para o início de 2024.

Na economia, porém, nunca o jogo está ganho. O momento positivo merece ser saudado, mas não deve obscurecer sinais inquietantes que podem vir a ter efeitos mais a médio prazo. Um destes alertas está na situação fiscal do país. Também na sexta-feira foi divulgado pelo Banco Central (BC) que as contas do setor público consolidado - que incluem o governo federal, a Previdência e o próprio BC - registraram déficit primário de R$ 79 bilhões nos oito primeiros meses do ano, revertendo superávit do mesmo período de 2022. O resultado foi puxado negativamente pelo governo federal.

Nota-se nos últimos meses que, enquanto os gastos crescem, a receita vem decepcionando. É fundamental o governo não ignorar a questão e enfrentá-la, inclusive na ponta das despesas. O Congresso tem a mesma responsabilidade. Sinalizar leniência significa alimentar o risco inflacionário e reduzir o ciclo de corte de juro pelo BC. Ainda mais devido ao aviso dos EUA de que poderão voltar ao aperto monetário. No front interno, a manutenção da confiança dos agentes econômicos - consumidores, empresários e investidores - depende da percepção de que os fundamentos não se deteriorarão.



30 DE SETEMBRO DE 2023
+ ECONOMIA

Melnick recebe prêmios e reavalia obra

A gaúcha Melnick recebeu dois "Oscar da construção" nacional. Foi premiada em duas categorias do Prêmio Master Imobiliário: produto do ano, com o Nilo Square (foto ao lado), projeto em parceria com a Dallasanta, e de comercialização, com o Melnick Day, evento de vendas realizado há 12 anos. Ao comentar os prêmios à coluna, o CEO da empresa, Leandro Melnick, disse que o projeto de um prédio de 41 andares no Centro Histórico terá adaptações, não pela polêmica provocada, mas por ainda estar em fase de aprovação.

Leandro observa que a Melnick já havia recebido um "Oscar da construção" pelo Pontal, mas é a primeira vez que recebe dois na mesma edição. O Prêmio Master Imobiliário se espelha no Prix d?Excellence, concedido pela Federação Internacional Imobiliária (Fiabci) e criado em 1994 por Fiabci-Brasil e Secovi-SP. Por isso, é um dos que têm mais credibilidade no segmento. Esse tipo de premiação dá visibilidade nacional, mas o CEO afirma que a empresa mantém foco na Região Sul.

Sobre o projeto polêmico do edifício na Avenida Duque de Caxias, Leandro afirma que faz parte do esforço da cidade para revitalizar o Centro Histórico. Lembra que estavam previstos elevadores de uso público para ligar a Cidade Baixa à antiga cidade alta, onde se concentram as sedes de poderes públicos de Porto Alegre, além de um restaurante, também aberto à população em geral, no terraço.

- Entramos em um projeto com a estrutura legal definida pela prefeitura, não na atual administração, há mais tempo - argumentou.

A coluna perguntou se poderia haver adaptação do projeto, diante da reação de entidades, e o empresário admitiu:

- Faz parte da aprovação essa conversa com as partes relacionadas. Como está, terá impactos positivos. Mas está em tramitação, que vai levar a várias adaptações. Mas não por essa polêmica que surgiu, mas porque é parte do processo de tramitação.

Para ensinar, é preciso antes praticar

O primeiro colégio a adotar o Sistema Anglo em Porto Alegre vai ensinar e praticar sustentabilidade. As atividades da escola, que resultam de investimento de R$ 15 milhões, devem se iniciar em 2024.

Como tem atividades ambientais previstas no currículo - uma esperança de que as novas gerações tenham mais facilidade do que a atual para lidar com as mudanças climáticas -, o Colégio Anglo já adotou várias medidas para reduzir seu impacto.

Uma das ações é a instalação de placas para captação de energia solar para obtenção de energia limpa, renovável e própria. As 42 placas fotovoltaicas no prédio vão reduzir custos e a demanda de energia elétrica regular, e serão complementadas por adoção de equipamentos, rede elétrica e lâmpadas com mais eficiência energética.

A redução no consumo prevista é de cerca de 25% ao mês em relação ao total estimado para o pleno funcionamento, o que significa uma redução projetada de quase 30 mil kWh por ano.

Também haverá gestão de recursos baseada na Política Nacional de Resíduos Sólidos. O colégio vai seguir os princípios de redução, reutilização e reciclagem, com destinação adequada aos que necessitem de coleta especial. A composteira para orgânicos será integrada à horta escolar, que terá cuidado dos estudantes. Haverá cisterna para coleta de água da chuva, com utilização do volume armazenado para limpeza e manutenção de jardins.

A cantina será focada em alimentos orgânicos e de origem local, com redução de ultraprocessados. Às segundas-feiras, serão oferecidos alimentos vegetais alternativos com potencial de mitigação na demanda de água na origem.

MARTA SFREDO

O que vai mudar na eleição de 2024

Pleito municipal terá estreia das federações e redução no limite de candidaturas a vereador; minirreforma ainda pode alterar as normas

Quatro anos depois de uma eleição realizada em meio à pandemia de covid-19, marcada por restrições e precedida por uma campanha abafada por máscaras e limitada pelo distanciamento social, os 156,5 milhões de eleitores brasileiros terão oportunidade de escolher quem governará seus municípios em 2024. No pleito marcado para o dia 6 de outubro, estarão em jogo 5.570 prefeituras e quase 60 mil cadeiras em câmaras de vereadores espalhadas pelo país.

Faltando pouco mais de um ano para a votação, candidatos, militantes e eleitores ainda não sabem ao certo quais serão as regras da disputa. Aprovada na Câmara dos Deputados no último dia 13, a minirreforma que altera uma série de pontos do sistema eleitoral tem futuro incerto no Senado e corre risco de ser engavetada. Para que possa vigorar no ano que vem, a proposta precisa, além do aval dos senadores, ser sancionada pelo presidente da República até a próxima sexta- feira, dia 6.

Com ou sem reforma, é certo que haverá inovações, em razão de normas já aprovadas. A principal é a estreia das federações partidárias nas eleições municipais.

Concebidas em 2021 como forma de unir siglas com semelhança ideológica e salvar da extinção os partidos pequenos, as federações têm abrangência em todo o país. Entre outras regras, impõem que os partidos lancem candidatura única a prefeito, formem a mesma chapa para vereador e sigam unidos depois da eleição.

Com isso, se dois partidos federados são rivais em determinado município, terão de chegar a um acordo até o ano que vem, visto que precisarão concorrer unidos.

- Por força desse desenho da federação ser feito de cima para baixo, será um grande desafio replicar a união dos partidos nos municípios, já que cada um tem suas particularidades - prevê o promotor Rodrigo López Zilio, coordenador do Gabinete de Assessoramento Eleitoral (Gael) do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Funil

Outra novidade confirmada é a redução do número de candidatos a vereador. Em 2020, primeira vez em que os partidos disputaram vagas proporcionais sem coligação, houve recorde de postulantes em todo o país. No entanto, uma lei aprovada em 2021 reduziu o número máximo de candidaturas.

- Em 2020, cada partido podia lançar até 150% de candidatos do número de vagas em disputa. Em Porto Alegre, que são 36 vagas, cada partido podia lançar até 54 candidatos. Agora, esse número se reduziu para 100% mais um. Ou seja, 37 - explica o advogado Lucas Lazari, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

PAULO EGIDIO 


30 DE SETEMBRO DE 2023
POLÍTICA +

Pó Pelotense

Afastado da prefeitura de Cachoeira do Sul na manhã de quinta-feira, em uma operação batizada de Fandango pelo Ministério Público, o prefeito José Otávio Germano publicou nota no Jornal do Povo dando seu ponto de vista sobre a ação.

Na nota, José Otávio começa dizendo que foi acordado violentamente em sua casa, com a quebra da porta, às 6h da manhã, por cerca de 10 policiais e uma promotora.

"Procuraram droga. E confundiram pó pelotense com droga, pois utilizo em minhas feridas e assaduras por recomendação médica. Pedi para fazerem o teste ou algo do tipo e não quiseram fazer. Já saíram me acusando", escreveu.

Em outro trecho, desabafou: "Estou triste. Violentado. Me sinto perseguido". Às vésperas de completar um mês da tragédia que arrasou o Vale do Taquari e fez deste mês que está findando um setembro de luto, é preciso destacar dois pontos positivos que emergiram da enchente: a solidariedade e a união de antigos adversários.

A coluna faz questão de destacar a união de forças entre políticos de diferentes partidos. Antigas divergências ficaram para trás em nome da necessidade de ajudar a socorrer as vítimas, alimentar os abrigados em ginásios, distribuir roupas e recuperar as perdas na agricultura, na indústria e no comércio.

Aquelas letras ou palavras que vêm entre parênteses depois dos nomes das autoridades tornaram-se uma informação irrelevante. Aos prefeitos dos municípios em estado de emergência ou de calamidade pública não se perguntou a que partido pertencem antes de anunciar ajuda. Poderiam dizer, parafraseando o desgastado slogan de campanhas políticas, que seu partido é o Rio Grande.

Na quinta-feira, um dia depois de conversar com o presidente Lula, em Brasília, o governador Eduardo Leite começou o dia recepcionando a primeira-dama, Janja da Silva, e a comitiva de ministros, em Lajeado, e terminou visitando áreas de risco ao lado do prefeito Sebastião Melo. De helicóptero, os dois sobrevoaram as ilhas alagadas. Pé no chão, circularam pela Vila dos Sargentos e outras áreas miseráveis de Porto Alegre.

ROSANE DE OLIVEIRA

30 DE SETEMBRO DE 2023
MARCELO RECH

O golpe travado

Um comentário do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno na CPI dos Atos Golpistas evocou uma dúvida e uma constatação importantes. A certa altura, Heleno afirmou que Jair Bolsonaro "não aceitou nenhuma proposta que pudesse causar um abalo profundo no país e até uma guerra civil". A dúvida: se o ex-presidente não aceitava nenhuma proposta, por que não mandou logo seus seguidores para casa? A constatação: Bolsonaro admitia que uma ruptura poderia causar uma guerra civil.

Some-se a fala de Heleno com a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e tem-se uma pista de que o país realmente passou perto do abismo de um conflito sangrento. Segundo Cid, Bolsonaro consultou os comandantes militares sobre a minuta de um decreto golpista e, dos três, recolheu o apoio do comandante da Marinha, Almir Garnier dos Santos, o único, por sinal, a se recusar a passar o comando a seu sucessor.

A desagregação entre os ex-comandantes, que poderia culminar em um impensável confronto entre as forças ou entre oficiais-generais e subordinados, é mais uma obra da gestão desastrosa de Bolsonaro para a unidade e a imagem das Forças Armadas. Três décadas de profissionalização, disciplina e respeito institucional iriam para o lixo caso o Brasil se tornasse mais uma república bananeira, onde militares e tiranetes se aliam para desmerecer o resultado das urnas. Em caso de ruptura, uma guerra interna, com golpistas e defensores da legalidade em lados antagônicos, teria sido de fato um cenário plausível.

O papel do TSE, do Congresso e de instituições civis contra o golpe é bem conhecido, mas ainda está por emergir a linha de defesa da democracia montada por oficiais mais graduados, inclusive pelo almirantado que se opôs à tentação de seu ex-comandante. Nem a Marinha e nem as outras forças embarcaram em quarteladas porque resistiram a toda sorte de pressões e baixarias. Alguns oficiais-generais, e até suas famílias, foram ameaçados e achincalhados nas redes sociais por fanáticos sem limites. Os ataques de baixo nível só acabaram por reforçar as convicções contrárias aos delírios dos extremistas.

Junte-se a essa resistência a contenção exercida pelo então vice-presidente Hamilton Mourão, que se viu no fogo cruzado entre bolsonaristas fanatizados e esquerdistas rancorosos. Mourão foi um dos poucos no governo a apontar para o inevitável isolamento do Brasil em caso de "intervenção militar" e se manifestou abertamente contra qualquer aventura, por mais que desaprove Lula. Essa, aliás, foi a síntese do sentimento dominante que travou o golpe na caserna. Não interessa se no poder há um Bolsonaro, um Lula ou outro. Goste-se ou não do eleito, cabe às Forças Armadas, como a todos nós, respeitar o resultado das urnas e a democracia.

MARCELO RECH

sexta-feira, 29 de setembro de 2023


29/09/2023 - 16h00min
Fabrício Carpinejar

Sina do sofá

Toda mulher tem a mania de transformar a cama de casal em sofá. Você que está casado, e jura que um lado da cama é seu, vem mergulhando numa doce ilusão: seu lado da cama pertence às almofadas.      Toda mulher tem a mania de transformar a cama de casal em sofá.

Começa de uma maneira discreta com forro nos travesseiros, depois a mensagem é reforçada com a chegada de uma manta. Quando ela não abre mão de uma cabeceira, o destino da ninhada é irreversível.

A partir desse momento, sua alma será recheada de paina, algodão, crina, penas, esponja de borracha e espuma de plástico. Não sei o que tem de errado numa cama, mas ela nunca pode ser apenas isso para o universo feminino. A mulher acha pouco, considera o móvel básico demais e decide enfeitá-lo com almofadas.

Elas superam a utilidade de dar mero apoio às costas. É o exército do sexo oposto para tirar o seu lugar gradualmente, avançar sobre as linhas inimigas. Se na sala já tem sete almofadas, e você vive pedindo licença para elas na hora de se sentar para assistir à televisão, no quarto serão muito mais, para combinar com os quadros, com o edredom, com a cor das paredes.

Trata-se de uma coleção interminável. Até pensa que ela é vendida nas sinaleiras, porque a esposa sempre volta do trabalho milagrosamente com mais uma integrante, jamais confessando que passou em alguma loja. Durante o dia, o dormitório fica com aparência de sala, impedindo a sesta ou a tentação da preguiça.

No instante derradeiro de dormir de verdade, com o pijama e dentes escovados, com o cansaço formigando os pés, enfrenta um desconforto para se ajeitar e entrar debaixo das cobertas. As almofadas mordem e lambem o seu corpo estirado.

Tenta conviver por alguns minutos, redobrar a sua tolerância, assim como já o fez ao seu cachorrinho. Porém, almofada é diferente de um ser vivo com mobilidade.  Arranha, machuca, atrapalha o seu campo de visão. Não sei o que tem de errado numa cama, mas ela nunca pode ser apenas isso para o universo feminino.

Você se vê obrigado a se livrar da avalanche. É um desmoronamento sem precedentes na sua cara. Dois braços nunca serão suficientes. Mais fácil seria retirá-las com uma pá ou uma retroescavadeira. Terá o trabalho de faxina, o equivalente a carregar baldes de um aposento a outro, desovando duas de cada vez.

A questão é metafísica: onde colocá-las com a devida autorização da parceira, para reencontrar a tranquilidade de seu espaço? Não tem uma cadeira ali disponível ou poltrona vaga para receber o excedente. Lamenta que os armários estão ocupados. E não pode jogar nenhuma no chão, ao rés do tapete, senão a esposa xingará dizendo que é um grosso, um estúpido, que não tem modos.

Cogita a hipótese de transportá-las para junto das coleguinhas da sala e reuni-las num único lugar. Só que há as almofadas da sala e há as almofadas do quarto, não deve misturá-las. São categorias domésticas completamente diferentes para a sua mulher, apesar das semelhanças físicas.

Existe o sofá-cama e, agora, a cama-sofá. Ou seja, não importa o que você faça na relação. Em tempos de briga ou de paz, sempre estará dormindo no sofá.


Supremo Tribunal Federal, direito e política

O Supremo Tribunal Federal, criado em 1890, teve como antecessores a Casa de Suplicação do Brasil (1808-1829) e o Supremo Tribunal de Justiça (1829-1890). Até décadas atrás, o STF era pouco visível. Aliomar Baleeiro, ex-ministro e presidente do STF ,em 1968 publicou O Supremo Tribunal Federal, esse outro desconhecido.
Com a redemocratização e a Constituição Cidadã de 1988, que reforçou o controle da constitucionalidade, o STF passou a ter mais poder e deixou para trás o papel secundário no jogo político e na vida da população e de seus agentes.
O Supremo - Entre o Direito e a Política (Editora Intrínseca, 256 páginas, R$ 59,90), de Diego Werneck Arguelhes, professor do Insper-SP, pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e coautor de Quem decide no Supremo? e coorganizador de O Supremo de Celso de Mello: Trajetória, perfil e legado e Marco Aurélio no Supremo: Entre o indivíduo e a instituição traz em boa hora reflexão original e imprescindível sobre o STF que temos e o que queremos .
Arguelhes, mestre em Direito pela UERJ e doutor pela Universidade Yale, disse: "A instituição precisa funcionar bem e seus integrantes precisam se comportar bem para estarem à altura de sua imensa responsabilidade. Estando na peculiar posição de decidir por último, o STF tem também a última palavra sobre seus erros, seus poderes, seus limites. 
Da mesma forma que o STF pode errar quando avalia o comportamento dos outros poderes, também pode errar ao responder questionamentos sobre seus próprios limites. Defender o papel do STF na democracia brasileira exige cerrar fileiras contra qualquer ameaça de intervenção ou fechamento, mas também requer trabalhar para que o STF funcione da maneira mais legítima possível."
Qual o papel da política na escolha dos ministros? Como ela influencia nas decisões? Quem são os nomeados e como chegaram lá? Como são escolhidos os casos que vão a julgamento? Essas e outras questões relevantes estão na obra, de interesse de todos. 

Lançamentos

Os tons de tudo (Bestiário, R$ 42,00, 112 páginas) é o sétimo livro de poemas de Álvaro Santi, consagrado administrador cultural e Conselheiro Estadual de Cultura do RS. Versos como "Os mercados são/feito divindades/mesmo acreditando/em sua existência, ninguém nunca os viu." Estão na obra, apresentada por Maria do Carmo Campos.
Artistas & Escritores - Conhecendo as aldeias e os legados (AGE, 247 páginas), novo livro do talentoso empresário e escritor Felipe Daiello, traz relatos sobre artistas, escritores e aldeias que visitou. Fernando Pessoa, Bernard Shaw, o Barão de Itararé e outros estão na obra, apresentada por Paulo Ledur e Airton Ortiz.
ChatGPT e Inteligência Artificial - Uso e aplicações na era digital (Actual-Almedina, R$ 59,00, 184 páginas), de Fabio Hirota, sócio-fundador da IT Lab, especialista em projetos e desenvolvimento de sistemas, fala da inteligência artificial e do futuro da humanidade relacionado com ela. 

Sapiens x Sapiens, a história e o futuro dos humanos

Há quem faça previsões de um colapso demográfico em 2050, quando, segundo estimativas, seremos 10 bilhões de seres humanos no planeta. Mais do que nunca as pessoas se perguntam se a humanidade está em condições de assegurar sua descendência. Muitos se perguntam se estamos evoluindo realmente e quando e como a espécie humana poderá acabar. Uns acreditam que mesmo com guerras, crise sanitária ou ambiental, ao menos uma parte da humanidade sobreviverá. Como diz a sábia voz popular, o futuro a Deus pertence. Mas será que nós agora somos os Deuses? Será que o futuro nos pertence?
Sapiens contra Sapiens - A Trágica e esplêndida história da humanidade (L&PM Editores, 232 páginas, R$ 59,90, tradução de Julia da Rosa Simões), de Pascal Picq, celebrado paleoantropólogo e professor do Collége de France, é um grande e belo ensaio que questiona as noções de progresso e evolução e demonstra que o Homo sapiens é o único responsável pelo futuro de sua espécie. 
Pascal introduziu a etologia (estudo do comportamento) no campo da antropologia evolutiva e desenvolveu seu trabalho sobre a evolução do crânio dos hominídeos e da etologia dos primatas e dos grandes primatas em contraste com as origens da linhagem humana e com as teorias modernas da evolução. Pascal é consultor dos principais museus científicos da França e publicou vários livros de divulgação científica, incluindo Darwin e a evolução explicada aos nossos netos (Unesp, 2015) e Le monde a-t-il été créé em sept jours?
Há aproximados 40 mil anos diferentes humanos habitavam a Terra e compartilhavam técnicas e genes. Depois, populações sapianas mais recentes (nossa espécie) saíram da África e, a pé ou de barco, partiram até a Austrália e as Américas, antes de eliminar os neandertais da Europa e os denisovanos da Ásia. Esta aventura é bem contada no livro de Pascal, que se pergunta: mas será que essa espantosa capacidade de adaptação do ser humano beneficiará nossa sobrevivência em um mundo urbanizado, hiperconectado, poluído, ameaçado por pandemias (como a da Covid-19) e com ecossistemas devastados?
Pascal alerta que um novo tipo de problema surge de nossa relação com as máquinas. "A revolução digital, diz ele, e a interconexão das redes modificam profundamente todos os aspectos de nossas vidas. Somos ameaçados pelo que chamo de 'a síndrome do planeta dos macacos' e, além dessas ameaças que essas novidades fazem pesar sobre nossas liberdades individuais, grande é a tentação de deixar-se levar para o que é mais fácil e confortável, uma servidão voluntária e deletéria que extingue tudo o que fez a força da linguagem humana nos últimos dois milhões de anos: relações sociais, culturais, atividade física e sexual, mobilidade..."
É aquela história: quanto mais bem sucedida é uma espécie, mas ela precisa e adaptar às consequências de sua própria existência. É o que temos para este século.
A propósito...
Vivemos num polarização mundial. Muitos vivem bem, muito bem, com conforto, saúde, bens de consumo e tecnologia à vontade. Outros, muitos outros, vivem em dificuldades que parecem às da Idade Média, e aí estamos. Obras importantes como essa pretendem vislumbrar quem será o último homem. Pascal pergunta: podemos imaginar as gerações futuras reunidas em torno de um novo projeto humanista universal, como o movimento das Luzes, dando seguimento à evolução pelos milênios vindouros, ou veremos o surgimento de uma humanidade completamente diferente?

29/09/2023 - 09h00min
Martha Medeiros

Escrevo para me consolar dos traumas de infância e para transformar as dores de amor em royalties. 

É uma aventura constante revelar para mim mesma o que permanece desconhecido em mim. Escrevo para uma única pessoa: você, que ao me ler estará sozinho também (mesmo cercado de gente) e em silêncio.

Escrevo para dar exclusividade à minha solidão. Para não parecer tão esquisita como pareceria se fosse uma solitária que não escreve. Escrevo para não desperdiçar a minha sinceridade. Sozinhos, somos mais sinceros do que quando socializamos.

Escrevo para ficar quieta por mais tempo. Para não falar sobre a vida dos outros — escrever sobre eles dá menos problema. Escrevo porque não sei tocar guitarra, porque não aprendi a esculpir em madeira, porque meus glúteos são muito largos para o balé. Escrevo porque teria dificuldade de decorar o texto para uma peça, porque só sei desenhar uma casinha — e mal.

Escrevo porque a literatura é uma arte discreta. Escrevo porque não existe horário para começar, nem terminar, nem dia útil, nem dia inútil, nem ônibus para pegar, nem parada para descer, nem apito de fábrica, nem gerente, nem chefe (nem carteira assinada também, é o ônus).

Escrevo porque gosto muito de ficar em casa. Nunca escrevo em quartos de hotéis, em trens, em espaços de coworking. Escrevo porque ninguém me acusa de estar me escondendo, mesmo que eu esteja.

Escrevo porque dizem que a maioria dos homens não suporta mulheres que escrevem. Abençoo esta triagem. Só os corajosos me atraem.

Escrevo para me relacionar melhor com a morte. A morte não traz benefícios para quem fabrica guarda-chuvas, atende em consultórios ou limpa vidraças. Mas ela costuma ser generosa com escritores: inspira e, se você for uma Clarice Lispector, eterniza.

Escrevo porque não é um trabalho de equipe. Escrevo para uma única pessoa: você, que ao me ler estará sozinho também (mesmo cercado de gente) e em silêncio. Prefiro relações a dois. Escrevo para dar voz às minhas feras, bruxas, demônios. Escrevo porque posso ser malvada, traidora, desaforada, matar e morrer — e acordar ilesa na segunda-feira.

Escrevo para me consolar dos traumas de infância e para transformar as dores de amor em royalties — é uma compensação justa. Escrevo porque escrever ativa a esperança. A esperança de ser lida, compreendida e amada. E a esperança de que meu texto sirva para fazer alguém se sentir menos estranho para si mesmo. Escrevo porque, se eu parecer louca, ninguém vai dar muita atenção. Periga até eu ganhar um prêmio.

Escrevo porque enquanto estou escrevendo, estou lembrando. Escrevo porque nunca sei sobre o que irei escrever. É uma aventura constante revelar para mim mesma o que permanece desconhecido em mim.

Em meu primeiro livro, ainda muito jovem, publiquei um verso que dizia: quanto mais escrava, mais escrevo. O tempo passou, me libertei de quase tudo o que me oprimia e devo isso a todos os livros que li, e aos meus. É por ela, a liberdade, que escrevo.


29 DE SETEMBRO DE 2023
CARPINEJAR

Minha tara por telefonar

Metade de mim é analógica. Adoro ligar, falar ao telefone. Mas sou cada vez mais sozinho em minha preferência. Ninguém mais atende à ligação de primeira. Com exceção da minha esposa.

Por isso, estamos casados. Somos fifi. É muito raro ela me deixar esperando até o terceiro toque. Eu também não faço desfeita. Se não posso atender no momento, mesmo assim a atendo para dizer que retorno em breve. Costumamos trocar mais de 10 telefonemas diários. Jamais contei quantos são, não me incomodam - você somente enumera cobranças ou críticas.

Para falar ao telefone com filhos, devo enviar mensagem por escrito para pedir que me atendam. Na maioria das situações, eles me frustram propondo que eu grave um áudio, o que estraga qualquer intimidade ou vontade de dialogar. Pois quero essencialmente ouvir como estão.

Cansei de fazer chantagem, birra, para obter atenção deles. Percebi que as minhas solicitações para conversar com eles eram maiores do que nossas conversas. Já tinham virado discussões de relacionamento. Deve ser um conflito geracional.

Eu me vingo com os amigos. Como represália pela extinção do meu modo de ser, o plano que mais gosto de executar é ver que a pessoa está mandando um áudio longo, esperar finalizar seu carregamento e telefonar em seguida, obrigando o outro a falar tudo de novo, exatamente o conteúdo do áudio. Tenho indescritível prazer de obrigá-lo a repetir.

Isso que dá ter preguiça de me telefonar. Estabeleço um pedágio, um carma com cada um dos meus afetos por me sentir excluído pelos meios digitais.

Tampouco entendo quem me manda mensagens e tem urgência de alguma posição de minha parte. Reclama que não visualizei a mensagem. Ora bolas, se tem urgência, ligue. Mensagens são destinadas a ser lidas sem pressa, de acordo com a disponibilidade de cada um. O retorno é facultativo.

Sou da turma que rasga os sacos de frutas do supermercado em vez de tenta tirar o nó. Não tenho paciência para os laços ninjas dos atendentes, inclusive porque não vou guardar os plásticos.

Da mesma forma, eu me filio à escola da intensidade da comunicação. Ou eu digito, ou eu telefono. Ou entrego a emoção de minha palavra, ou a do fluxo de minha entonação. São as duas formas em que expresso a minha espontaneidade.

Tanto que fiquei feliz agora que é possível editar as mensagens enviadas no WhatsApp, para não mais sofrer com nenhum erro de português na digitação. Desleixo nunca foi liberdade. O corretor parou de me constranger.

Áudio só no meu desespero. Se você recebeu minha voz, pode ter certeza de que não me encontrava no meu melhor dia. A preguiça me corrompeu. E, se o áudio tem mais de um minuto, não sou eu. Não mando podcasts. Assisto a monólogos exclusivamente no teatro.

CARPINEJAR

AS CONEXÕES QUE TRANSFORMAM JOVENS EM EMPREENDEDORES

O que é necessário para que o Rio Grande do Sul embarque sua geração de jovens numa promissora jornada de construção do seu futuro? Já é sabido que as habilidades comportamentais são, hoje, tão ou mais importantes do que as técnicas no preparo de estudantes para serem arquitetos de seu próprio futuro.

Pactuando com a sociedade gaúcha em busca de construir o profissional do amanhã, nutrido de espírito empreendedor curioso e persistente, a mais antiga ONG de educação empreendedora do mundo comemora, por meio da sua unidade gaúcha, a Junior Achievement RS, o impacto de 45 mil jovens nos primeiros sete meses de 2023, superando os números totais do ano anterior.

Desde seus primórdios no RS, há quase 30 anos, a Associação atua gratuitamente junto a jovens em idade escolar, ampliando suas visões para muito além da sala de aula. Encoraja-os a apropriarem-se de suas reais capacidades rumo à transformação de suas próprias vidas. Esse potente propósito traz registros gigantescos: mais de 1 milhão tiveram suas trajetórias de alguma forma tocadas pelas experiências hands on promovidas por mais de duas dezenas de programas aplicados.

Ao todo, foram mais de 20 mil voluntários capacitados em metodologias calcadas no "aprender-fazendo", catalisadores de vivências do mundo real dentro da escola, verdadeira "porta de entrada" para a formação de grandes expoentes de mercado.

E você já parou para pensar, como educador(a), pai ou mãe de família, empresário(a) ou profissional, em como melhor aproveitar seus recursos, conhecimentos ou sua rede de capitais sociais para ajudar a construir um Rio Grande do Sul mais próspero?

A disposição em gerar impacto na vida daqueles que serão os responsáveis por mover nossa economia para novos patamares é, em última instância, a maior contribuição, como cidadão(ã), que você pode destinar à sua comunidade.


MUITO BARULHO, POUCO RESULTADO

A semana que chega ao fim foi pródiga em exemplos a comprovar a baixa efetividade das comissões parlamentares de inquérito (CPIs) no Congresso. Na quarta-feira se encerrou, na Câmara, a que era destinada a investigar a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O relatório, produzido pelo deputado Ricardo Salles (PL-SP), sequer foi votado. A comissão das apostas esportivas, instalada para apurar manipulações de resultados no futebol, teve o mesmo destino. Acabou na terça-feira, de forma fracassada, sem deliberação sobre o documento conclusivo.

Um pouco diferente foi o desfecho da CPI criada para averiguar o rombo bilionário na varejista Americanas. Até teve o texto final aprovado pelos participantes na terça-feira. Mas ninguém foi indiciado. A investigação, iniciada em maio, foi incapaz de apontar os possíveis responsáveis por um dos maiores escândalos contábeis da história empresarial do país, com irregularidades da ordem de R$ 20 bilhões.

Os próximos dias podem engordar a lista de CPIs malsucedidas. A das pirâmides financeiras, que deveria terminar ontem, ganhou sobrevida de mais duas semanas, mas a apresentação e a votação do relatório final são incertas. Com maior visibilidade, a CPMI do 8 de Janeiro, com a participação de deputados e senadores, também caminha para o fim. 

É verdade que trouxe algumas revelações e teve um ou outro depoimento de grande repercussão. Mas salvo uma grande surpresa, pouco de prático acrescentará às investigações comandadas pela Polícia Federal (PF) em inquéritos conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A PF, afinal, é que tem pessoal capacitado e melhores meios para chegar a conclusões que apontem as responsabilidades sobre o infame ataque às sedes dos três poderes.

O histórico mostra que poucas CPIs chegam ao fim e geram consequências, levando a responsabilizações efetivas, na forma de condenações judiciais. Muitas se tornam apenas oportunidade para exibicionismo, voltado a angariar popularidade. Nas comissões em que há maior embate entre oposição e situação, fica ainda mais evidente a reduzida capacidade de convergir para elucidar acontecimentos. 

Em regra, como agora foi visto na CPI do MST e ocorre na CPMI do 8 de Janeiro, muitas sessões chamam mais atenção pelos bate-bocas e performances sob medida para recortes que ganharão as redes sociais. Mais do que se buscar uma conclusão, viram palco de guerra de versões. Não raras vezes também não respeitam a regra de terem de se ater a um fato determinado e se perdem na profusão de frentes abertas. A das pirâmides financeiras, por exemplo, foi criada para averiguar crimes no mercado de criptomoedas, mas ouviu até representantes de companhias aéreas.

CPIs são instrumentos legítimos dos parlamentos, em especial para as minorias. São meios para vereadores, deputados e senadores exercerem suas atribuições fiscalizadoras. Mas essencialmente são mais políticas do que técnicas. Assim, costumam produzir mais barulho do que resultados palpáveis. Melhor seria se a proposição e a criação de CPIs fossem mais criteriosas, até para recuperar a credibilidade desse mecanismo. No caso do Congresso, a sociedade agradecerá caso a atual legislatura passe a se dedicar mais a temas estruturantes que possam contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país.

OPINIÃO DA RBS 


29 DE SETEMBRO DE 2023
JUDICIÁRIO

Barroso assume STF em meio a crise

Ministro exaltou a harmonia entre poderes na posse, que ocorreu diante de um levante de parlamentares contra a Corte

Com um discurso marcado por exaltações à democracia e à proteção dos direitos fundamentais, Luis Roberto Barroso assumiu ontem a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Em meio a crise na relação entre Judiciário e Legislativo, gerada pela irritação de setores do Congresso com votações recentes da Corte, Barroso também defendeu a harmonia institucional e a autonomia dos poderes.

A posse de Barroso ocorreu ao mesmo tempo em que um grupo de parlamentares se mobilizava em torno de uma proposta que permite ao Congresso derrubar decisões do Supremo (leia mais na página 9), em reação a decisões como a que declarou inconstitucional o marco temporal das terras indígenas. Assim como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), compareceram à cerimônia.

No discurso, Barroso afirmou que críticas e insatisfação fazem parte da "vida democrática" e que o tribunal deve agir com "autocontenção" e "diálogo com outros poderes".

- Conviveremos em harmonia, parceiros institucionais que somos pelo bem do Brasil.

Costumes

Por outro lado, Barroso sinalizou que a Corte seguirá julgando ações que discutem temas de costumes e moral - que estão entre os principais focos de tensão com os parlamentares. O novo presidente afirmou que direitos fundamentais são "a reserva mínima de justiça de uma sociedade" e que é preciso "empurrar a história na direção certa".

Outra parte do discurso foi dedicada à democracia que, segundo Barroso, viveu "momentos de sobressalto".

- As instituições venceram, tendo ao seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da imprensa e do Congresso Nacional. E justiça seja feita: na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo - acrescentou.

Barroso substitui Rosa Weber, que se aposenta no dia 1º, a quem se referiu como "uma das grandes figuras da história" do STF. Também agradeceu a ex-presidente Dilma Rousseff, que o indicou para a Corte em 2013, "da forma mais republicana que um presidente pode agir".

Na abertura da cerimônia, a cantora Maria Bethânia cantou o Hino Nacional.


29 DE SETEMBRO DE 2023
DANIEL SCOLA

Final feliz para Shakira

A chuva intensa que atingiu o Vale do Taquari no início de setembro deixou um rastro de destruição. Moradores de diversos municípios perderam casa e móveis em decorrência da enxurrada. É o caso de José Carlos Zerwes, de Roca Sales. Durante a tempestade, na madrugada do dia 6, ele buscou abrigo na casa de um vizinho, como relatou ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha.

Ao contabilizar as perdas e a necessidade de reconstruir a residência, ele e a esposa decidiram cortar custos. E uma saída foi colocar à venda a égua Shakira. O casal não contava, no entanto, com um gesto de solidariedade: a família recebeu uma proposta inusitada, com o comprador aceitando pagar o valor desde que Zerwes ficasse com a égua.

Além disso, o "novo dono" da égua repassou mais R$ 1 mil para outros custos com Shakira. Sensibilizado com o gesto nobre, Zerwes aceitou a oferta.

- Tinha optado por vender minha égua para diminuir custos. Não é nem pelo valor que ia arrecadar com ela, porque é baixo. É uma égua não documentada, já tem idade e não valeria muito pelo valor financeiro, mas pela manutenção dela, que custa R$ 250 por mês. No momento é bastante - disse.

A manutenção de Shakira na família também carrega outro simbolismo. Durante anos ela participou da celebração de Natal na cidade.

- Durante as cavalgadas, ela levava o Papai Noel. Na véspera de Natal, tinha um grupo de amigos que juntava bala. E eu a emprestava para o Papai Noel distribuir balas pela cidade - afirma Zerwes.

Perdas

Apesar do susto, ele afirma que a família teve apenas perdas materiais.

- A gente perdeu a casa, outros perderam alguém da família. Garanto que essa gente que perdeu alguém da família trocava tudo que eu perdi para ter essa pessoa de volta - destaca.

No dia da chuva, Zerwes diz que a água tomou conta da casa rapidamente.

- A gente sempre se preparava, tirava parte dos móveis. Uma parte a gente erguia, só que veio muito rápido a enchente - frisa.

Da janela do segundo piso da casa do vizinho, eles observavam outras pessoas buscando refúgio em cima do telhado durante a chuva. Alguns, inclusive, pedindo por socorro.

- A correnteza era muito forte, não tinha como socorrer alguém durante a noite. Então foi triste - relembra.