01
de abril de 2014 | N° 17750
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Meu amor
Todo
mundo repara ou lembra quando empenhou a primeira vez eu te amo numa relação.
Qual
o momento exatamente. O dia, a hora, os minutos. Após o sexo, embevecido. Ou no
cinema escorregando as palavras num beijo. Ou antes de um aceno ao trabalho.
Aquele
eu te amo que rodopiou na garganta até ganhar a forma da boca. Aquele eu te amo
que fora ensaiado em diversos momentos de alegria, e recuou por vergonha.
Quando
ele vem, é um balbucio: estranho, inseguro, desajeitado como um pedido de
desculpa.
Sim,
o primeiro “eu te amo” é um pedido de desculpa:
–
Desculpa, eu te amo.
–
Desculpa, eu me ferrei.
–
Desculpa, não quis, só que aconteceu.
O
primeiro eu te amo é uma série vitoriosa de fracassos. Fracasso da amizade (não
consigo ser mais seu amigo). Fracasso da independência (não consigo mais viver
longe de você). Fracasso da mentira (não consigo mais mentir para você).
A
declaração aparece tímida. Temos que sempre repetir – este é o constrangimento.
O primeiro eu te amo nunca é ouvido. E ainda enfrentaremos a pergunta
desconfiada de nossa companhia: “O que você disse?”.
Ai,
como é sufocante. Muitos mentem e, já acovardados, não insistem. Expor o eu te
amo parte de uma tontura, repetir é embriaguez.
O
primeiro eu te amo surge com voz de adolescente, aquele timbre indefinido,
arenoso: metade infância, metade adulto. Soprado, sussurrado, comovido.
É um
caminho sem volta. Um desabafo que se consome em decisão e que se impõe como
destino. Depois não tem como alegar que errou, que se confundiu, não há
retratação possível, seu advogado não poderá construir nenhuma versão
convincente para desfazer o mal-entendido.
Mas
o primeiro eu te amo, ainda que represente uma estreia da vida a dois, é
discreto diante de outro movimento dos lábios que costuma passar despercebido.
Quando
chamamos o nosso par de “Meu Amor”. Quando personificamos o Amor.
Quando
ele deixa de ser um nome, alguém, para ser o nosso próprio sentimento.
Quando
abandonamos seu registro, seu batismo, para tratá-lo como se fosse a nossa
emoção encarnada.
Não
tem como consertar, a projeção virou realidade. É quando realmente confiamos
nossa individualidade.
É amor
para cá, é amor para lá, é amor para acordar, é amor para dormir, é amor para
pedir qualquer coisa, é amor no e-mail, no telefone, nos cartões. É amor amor
amor infinito, dobrado, multiplicado, incansável.
Está
feito o estrago. Se nos despedirmos, se nos separarmos, não estaremos nos
afastando de uma pessoa, e sim do Amor.