GREGORIO
DUVIVIER
Desculpa qualquer coisa
Vou
ligar pra Folha e falar que não posso mandar a crônica porque não tenho wi-fi
no quarto de hotel
Oscar
Wilde morreu num quarto de hotel. Parece que ele estava incomodadíssimo com a
decoração. Reza a lenda que suas últimas palavras foram: "Ou eu ou esse
papel de parede". Um século depois, o quarto de hotel em que ele morreu
continua idêntico. O papel de parede venceu a batalha.
Escrevo
essa crônica num quarto de hotel, sozinho. Daqui a algumas horas vamos fazer
uma peça em Salvador. Todo mundo foi almoçar, menos eu --fiquei aqui pra
escrever a crônica.
Alguma
coisa me dá uma tristezinha braba. Não sei se é a fome ou o edredom laranja, ou
a poltrona laranja, ou o quadro laranja --será que eles pensaram nisso? Será
que eles encomendaram um quadro laranja pra combinar com o edredom? Ou será que
foi o contrário?
Pedi
na recepção a senha do wi-fi. "A internet custa 30 reais, senhor".
Não comprei como forma de protesto. "Wi-fi é que nem água, não se
cobra", eu disse. "Sim, eu sei que vocês cobram cinco reais pela
água, mas não deveriam." A moça pediu desculpas e continuou a fazer o que
ela estava fazendo.
Quando
cheguei no quarto, lembrei que preciso do wi-fi pra mandar a crônica. Lembrei
que preciso escrever a crônica. Durante a semana eu tenho várias ideias pra
crônica. Mas nunca tenho nenhuma ideia no sábado, que é quando eu tenho que
escrever a crônica. Você deve estar se perguntando: por que é que eu não
escrevo a crônica durante a semana, no momento exato em que eu tenho uma ideia
pra escrever a crônica?
Foi
a mesma coisa que a Clarice me perguntou. Eu fiquei sem resposta --ela sempre
me deixa sem resposta. Daí ela disse que eu tenho que aprender a me programar,
que toda semana é a mesma coisa, o mesmo desespero pra cumprir compromissos que
estavam assumidos há milênios, e que eu não tinha que ter brigado com a moça do
wi-fi, e foi almoçar.
Agora
eu estou aqui, sozinho, e com fome, e sem wi-fi. Por um momento, tenho uma
ideia brilhante. Vou ligar pra Folha e falar que não posso mandar a crônica
porque não tenho wi-fi. Custa 30 reais e e eu não quero pagar esse preço. Não,
essa foi a pior ideia do mundo. Isso não faz o menor sentido.
A
vida volta e meia te põe nessa encruzilhada: é melhor ser feliz ou estar certo?
De um jeito, eu fico sem wi-fi, sem crônica e, possivelmente, sem emprego. Do
outro, eu fico sem razão. É melhor ser feliz que ter razão. É melhor ter wi-fi
que ter razão. Não vale a pena morrer por um papel de parede.
"Oi,
moça, desculpa, eu mudei de ideia, vou querer o wi-fi. E desculpa qualquer
coisa."