segunda-feira, 5 de maio de 2014

GREGORIO DUVIVIER

Desculpa qualquer coisa

Vou ligar pra Folha e falar que não posso mandar a crônica porque não tenho wi-fi no quarto de hotel

Oscar Wilde morreu num quarto de hotel. Parece que ele estava incomodadíssimo com a decoração. Reza a lenda que suas últimas palavras foram: "Ou eu ou esse papel de parede". Um século depois, o quarto de hotel em que ele morreu continua idêntico. O papel de parede venceu a batalha.

Escrevo essa crônica num quarto de hotel, sozinho. Daqui a algumas horas vamos fazer uma peça em Salvador. Todo mundo foi almoçar, menos eu --fiquei aqui pra escrever a crônica.

Alguma coisa me dá uma tristezinha braba. Não sei se é a fome ou o edredom laranja, ou a poltrona laranja, ou o quadro laranja --será que eles pensaram nisso? Será que eles encomendaram um quadro laranja pra combinar com o edredom? Ou será que foi o contrário?

Pedi na recepção a senha do wi-fi. "A internet custa 30 reais, senhor". Não comprei como forma de protesto. "Wi-fi é que nem água, não se cobra", eu disse. "Sim, eu sei que vocês cobram cinco reais pela água, mas não deveriam." A moça pediu desculpas e continuou a fazer o que ela estava fazendo.

Quando cheguei no quarto, lembrei que preciso do wi-fi pra mandar a crônica. Lembrei que preciso escrever a crônica. Durante a semana eu tenho várias ideias pra crônica. Mas nunca tenho nenhuma ideia no sábado, que é quando eu tenho que escrever a crônica. Você deve estar se perguntando: por que é que eu não escrevo a crônica durante a semana, no momento exato em que eu tenho uma ideia pra escrever a crônica?

Foi a mesma coisa que a Clarice me perguntou. Eu fiquei sem resposta --ela sempre me deixa sem resposta. Daí ela disse que eu tenho que aprender a me programar, que toda semana é a mesma coisa, o mesmo desespero pra cumprir compromissos que estavam assumidos há milênios, e que eu não tinha que ter brigado com a moça do wi-fi, e foi almoçar.

Agora eu estou aqui, sozinho, e com fome, e sem wi-fi. Por um momento, tenho uma ideia brilhante. Vou ligar pra Folha e falar que não posso mandar a crônica porque não tenho wi-fi. Custa 30 reais e e eu não quero pagar esse preço. Não, essa foi a pior ideia do mundo. Isso não faz o menor sentido.

A vida volta e meia te põe nessa encruzilhada: é melhor ser feliz ou estar certo? De um jeito, eu fico sem wi-fi, sem crônica e, possivelmente, sem emprego. Do outro, eu fico sem razão. É melhor ser feliz que ter razão. É melhor ter wi-fi que ter razão. Não vale a pena morrer por um papel de parede.


"Oi, moça, desculpa, eu mudei de ideia, vou querer o wi-fi. E desculpa qualquer coisa."