05
de outubro de 2014 | N° 17943
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Bem que
tentamos
Não
conseguimos nos separar.
Fracassamos
ao nos separar.
Somos
incompetentes para a despedida.
Tem
gente que não dá certo junto, a gente não dá certo separado.
A
vida fica muito pior quando isolados.
Em nossa
combinação, tempo é distância, distância é saudade, saudade é amor urgente.
Eu,
que adoro miolo de pão, tiro o excesso para lhe imitar. Não compreendo se é
imitação ou influência, percebo que, em sua ausência, você continua ao meu
lado, eu é que desapareço. Vivo reproduzindo suas atitudes e gestos. Sou um
mímico de seu rosto. Sou um intérprete de sua risada.
Intriga-me
este mistério que não nos permite o fim da relação. Qual a fatalidade? Será
maldição? Carma? Dívidas de vidas passadas? Macumba? Reza?
Por
que não nos desamamos?
De
onde vem essa obsessão, essa vontade louca de estar sempre colado?
Nem
a diferença de idade nos aparta, nem as personalidades diferentes nos
distanciam, coisa alguma, problema algum.
É
como se descobrisse que somos vampiros do amor: não há morte em nossa entrega.
Já
tentamos de tudo para nos separar – e não funciona. Já abusamos dos desaforos,
das ofensas, das discussões, do ciúme, das brigas, dos barracos. Já falamos mal
um do outro, já rifamos o passado, já criamos atritos, inventamos o inferno,
metemos a família no meio, chamamos os amigos para complicar o final. E só
fortalecemos ainda mais os laços.
Cá
estamos, mais apaixonados do que no primeiro dia. E ninguém entende nada, muito
menos nós. Geramos crises em nossos terapeutas.
Nosso
amor não morre! Nosso amor não acaba!
Eu
me assusto com a promessa de longevidade, talvez tenhamos que envelhecer
juntos, talvez seja necessário aceitar os fatos, talvez a mala não seja nossa
porta, talvez o aceno seja para os outros, talvez nosso sangue sonhe filhos.
De
tanto criar hipóteses, investigar nossa convivência, explorar nossas confusões,
eu acredito que não iremos nos separar por um simples motivo: fizemos algo de
errado no início. Cometemos uma grande gafe. Uma falha imperdoável.
Não
sabemos quem disse o primeiro eu te amo.
Não
assinalamos o autor da declaração fundadora. Não anotamos o nome do corajoso.
Lembramos
de tudo, menos de quem disse o primeiro eu te amo.
Recordamos
de nossas viagens, dos aniversários de cada passo, dos detalhes microscópicos
de nossos hábitos, menos quem falou primeiro. Quem declarou primeiro. Quem
transformou o endereço em destino.
Se
não sabemos quem falou o primeiro eu te amo, resta-me crer que já nascemos nos
amando. E eu, muito antes, privilégio de quem é mais velho.