sábado, 4 de outubro de 2014


05 de outubro de 2014 | N° 17943
ANTONIO PRATA

Do amor

Você tem até as cinco da tarde pra decidir se continua casado com a atual, se reata com a ex, foge com a amante ou começa uma nova relação. Complicado, hein, Brasil?

O casamento não tá lá essas coisas, mas vai que é só uma fase? Vai que é possível reativar a velha chama e voltar à época em que era só ripa na chulipa e PIB na gorduchinha? Quem dera. Hoje, com o pibinho entra as pernas, você se agarra às memórias.

Não são poucas: nesses 12 anos, muita coisa aconteceu. Você conseguiu financiar sua casa (sua vida), seu carro, sua TV de tela plana. Você sente, contudo, que a relação está desgastada, está se deteriorando, antes mesmo de ter atingido seu ápice. (Será que as suas expectativas é que eram muito altas? Drummond, picanha e ressonância magnética para todos era uma viagem de LSD? Talvez, mas você esperava bem mais do que as onipresentes telas de LCD).

Outro fator que vem pesando é a família da esposa. Dos mais próximos você gosta, mas tem uns primos e uns cunhados que são casca grossa. Quando aparecem prum churrasco ou pro Natal, sempre some cinzeiro, ímã de geladeira, até gasolina do seu carro têm uns que já levaram.

Aproveitando o momento de crise, quem é que aparece, repaginada e murmurante? A ex: “Volta pra mim, Brasuquinho! Foi aqui que tudo começou! Eu te encontrei loucão, virado no overnight, enchendo a cara de Old Eight com default. Se não fosse eu te tirar da sarjeta, do delírio e te trazer pro Real, não tinha casa, carro, tela plana, nada”.

Você foi feliz com a ex, nos primeiros anos. Houve alguma euforia, quando a vida estabilizou: comeram frango com iogurte, compraram CDs de axé, mas em vez de decolar, você estagnou. Faltou um tchan. Sem falar que os primos e cunhados da ex tampouco eram flor que se cheire. Muitos deles, aliás, eram os mesmos primos e cunhados da atual e parece que os natais só foram na sua casa por oito anos seguidos porque eles subornaram a ala da família que defendia a alternância da ceia a cada quatro.

Por essas e outras você andava aflito, ultimamente, dilacerado entre o bege do presente e o cinza do passado, quando apareceu, verde fosforescente, uma amante! Em pouco mais de uma semana, ela arrebatou seu coração. Prometeu vida nova e um relacionamento sustentável. Vocês poderiam escolher, juntos, os primos e cunhados com que passariam os natais – primos ou cunhados do agronegócio ou da indústria armamentista, jamais!

“Que bom que você surgiu!”, você disse. “Foi a providência divina que me pôs no teu caminho!”, ela respondeu – e você estranhou. Então, pesquisou e descobriu que ela ouvia salmos no iPod e não apoiaria o casamento gay. Você perguntou se isso era verdade e ela disse que não, era o contrário – depois disse que era o oposto do contrário e, depois, o avesso do oposto do contrário. O verde que parecia vir do frescor exalava era da mirra. Não era essa, exatamente, a boa nova que você esperava.

Agora você tá aí, indo encontrar as três, juntas, na mesma mesa, para escolher uma delas ou abandoná-las. Pior é que não pode nem tomar uma cervejinha antes, porque o TSE não quer que você decida, bêbado, com quem vai passar os próximos quatro anos da sua vida. Complicado, hein, Brasil?


*ANTONIO PRATA É ESCRITOR, AUTOR DE MEIO INTELECTUAL, MEIO DE ESQUERDA (2010) E NU, DE BOTAS (2013). ESCREVE SEMANALMENTE NESTE CADERNO