sábado, 11 de outubro de 2014


11 de outubro de 2014 | N° 17949
CLÁUDIA LAITANO

Upgrade democrático

Imaginem o pátio de uma escola na hora do recreio. No primeiro cenário, o pátio está vazio porque as crianças são proibidas de sair para brincar. O diretor da escola, convencido de que os alunos não sabem usar a liberdade com a devida responsabilidade, decide que as crianças devem permanecer sentadinhas, comendo o lanche em silêncio e pensando na vida. Isso é uma ditadura.
No segundo cenário, as crianças podem brincar à vontade e têm liberdade para lanchar, conversar, jogar bola ou andar de balanço, mas se chutarem o coleguinha na canela vão parar na direção. Isso é uma democracia.

Em um terceiro cenário, as crianças reúnem-se em um pátio onde todos os brinquedos do mundo estão disponíveis a qualquer hora do dia e não há adultos por perto para regular o intervalo. Ali tudo é permitido, tanto os chutes nas canelas e as cotoveladas quanto as brincadeiras criadas em conjunto por crianças de todas as partes do mundo, de forma que umas aprendem com as outras o tempo todo e já não existe tanta diferença entre a hora do recreio e a hora de estudar. Isso é a internet.

Nestas eleições, as discussões sobre política nas redes sociais aumentaram em 84% o número de denúncias de crimes de ódio na internet no Brasil, informa um levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo. Racismo, homofobia, xenofobia e intolerância religiosa foram as principais causas de denúncias. É como se aquelas crianças, brindadas com a possibilidade de fazer qualquer coisa na hora do recreio, decidissem reproduzir um ambiente hostil e primitivo, onde a civilização colapsou e todos falam ao mesmo tempo, mas ninguém se entende.

Felizmente, muita gente está convencida de que um outro mundo (virtual) é possível. No TED Global realizado durante a semana que passou no Rio, a jovem ativista argentina Pia Mancini apresentou a ouvintes de várias partes do mundo o projeto democracyos.org – uma ferramenta digital através da qual os eleitores podem debater projetos e mandar recados para seus representantes no Congresso. Uma ideia ambiciosa, talvez utópica, mas que nasce do esforço de usar a tecnologia para transformar o desconforto generalizado com a política convencional em algo mais do que um cartaz em uma manifestação.


O pátio livre e autogerenciado é uma realidade irreversível: a internet e as novas formas de convivência que ela provocou e possibilitou não vão ser desinventadas. O grande desafio para o século 21, porém, é fazer com que tecnologia, globalização, redes sociais e a demanda crescente por uma nova forma de fazer política, presente em manifestações nos quatro cantos do mundo nos últimos anos, engendrem algum tipo de aperfeiçoamento da democracia – e não o contrário.