domingo, 5 de outubro de 2014

VINICIUS TORRES FREIRE

Os pobres, sempre convosco

Dilma perdeu 15% dos votos de 2010, em especial na cidade grande, mas manteve o voto pobre

O DESGASTE de quatro anos no poder, da economia lerda, dos protestos de junho de 2013, de petistas graúdos na cadeia e outros escândalos enfim não fizeram um estrago terminal na votação de Dilma Rousseff. Pelo menos é o que parece quando se compara a votação da candidata-presidente petista na penúltima pesquisa Datafolha de 2010 com a de 2014. Apesar de todos esses pesares, o estrago não foi mesmo tão grande.

É verdade que no fim da semana que antecedeu a votação de 2010, Dilma tinha mais da metade dos votos válidos, um pouco menos (50%), considerada a margem de erro de dois pontos percentuais. Poderia levar no primeiro turno. Dez dias antes da votação do primeiro turno, a candidata estreante tinha mesmo folga para vencer no primeiro turno. O escândalo envolvendo sua assessora Erenice Guerra levou a votação para a segunda rodada.

Na votação bruta, Dilma tinha 47%; neste ano, 40%. Uma baixa de uns 15%. Seus adversários diretos em 2010, José Serra e Marina Silva, somavam 42% dos votos; neste ano, Marina e Aécio Neves somam 45%. A disputa é mais dura.

Como mais ou menos se sabe, o prestígio eleitoral de Dilma sofreu baixas maiores nas regiões metropolitanas, no Sudeste, entre os mais ricos, e os mais jovens. Nesses recortes do eleitorado, a candidata-presidente perdeu mais votos que na média do país.

No Sudeste, a sangria de votos foi de mais de 25% de 2010 para 2014, mais ou menos a mesma proporção registrada nas regiões metropolitanas e entre os eleitores com menos de 24 anos. No Nordeste, a queda não chegou a 7%, mesmo com o fenômeno Marina Silva-Eduardo Campos em Pernambuco.

Sim, Dilma perdeu 20% da votação que tivera entre os eleitores mais "ricos", de famílias com renda superior a dez salários mínimos. Mas esse eleitorado é muito minoritário (uns 5% ou 6% da amostra mais recente do Datafolha).

A devastação mais significativa ocorreu em cidades como São Paulo e Rio, dentro daquilo que se pode analisar, dados os recortes feitos pelo Datafolha.

Dilma perdeu 35% da votação que tivera em 2010 no Estado de São Paulo. Perdeu brutais 42% dos votos na cidade de São Paulo. No Estado do Rio, sua votação no Datafolha baixou 23%; na cidade, 39%. Curiosamente, ganhou votos entre os gaúchos e porto-alegrenses.

Perdeu pouco entre os mais pobres, aqueles eleitores de famílias com renda inferior a dois salários mínimos (tinha 52% em 2010, tem 50% agora). Queda de apenas 4%, embora tenha diminuído um tanto a proporção desse eleitorado.

A mudança no perfil do eleitorado de Dilma, em termos gerais e pensando apenas nesses grandes agregados, não parece muito diferente daquela que ocorreu com os eleitorados de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva: empobrecimento, interiorização.

A queda violenta do prestígio presidencial em grandes cidades e entre jovens provoca a tentação de associar a perda de votos às mudanças de humores provocadas pelos protestos de junho de 2013. Pode ser, mas é preciso fuçar melhor esses e outros dados, além de esperar o resultado de hoje, antes de avançar o sinal. De mais certo, o PT manteve o povo pobre consigo.


vinit@uol.com.br