02 de novembro de 2014 |
N° 17971
FABRÍCIO CARPINEJAR
Cafonices necessárias
Na vida existem cafonices
necessárias. Coisas que precisam da breguice para manter seu charme.
É o cafona imprescindível –
quando arrumadas, não têm graça nenhuma. É o cafona fundador de nossas
experiências. O cafona fundamental, conhecemos de um modo e não há como
enxergar diferente. Perdura uma ligação insubstituível com o nosso olhar da
infância.
Penso de imediato em pano de
prato e churrascaria.
O pano de prato sempre traz
aquelas flores e frutas pintadas, toscas, primárias, mal acabadas. Um cacho de
uvas ou o botão de uma rosa. E só é bonito pela sua ingenuidade. Se fosse uma
obra de arte, seria uma echarpe. Se fosse de um tecido bom, seria um lenço. Ele
é feito para a discrição, para ser uma toalha de mesa do fogão, um sudário dos
pratos e copos.
Ninguém lembra onde comprou e
como surgiu em nossa casa: simplesmente aparece nas gavetas. Não tem valor
algum, mas não vivemos sem ele. Entra na categoria do inútil necessário. Não é
levado à tábua de passar, não recebe o vapor do ferro, é tratado sem pompa e
circunstância, dobrado direto ao ser pego do varal. Tanto que recebe a borda
colorida da costura para se diferenciar do pano de chão. A moldura de tricô
corresponde a um aviso para não ser jogado fora.
O mesmo aspecto amavelmente
grosseiro deve emanar de uma churrascaria. Não confio em churrascaria chique,
com mesas limpas, protetor nas cadeiras e guardanapos de pano. Rodízio de carne
não pode sofrer síndrome de restaurante japonês. É gerar um mal entendido,
igual a transar com um travesti jurando que é mulher.
Churrascaria depende de uma
vulgaridade mínima: palito de dente e caixinha de farofa à disposição, e a
toalha de papel vegetal, reposta a cada nova turma de famintos.
Não é um lugar para afetação.
Churrascaria que se preza tem jeitão de cozinha. O espaço inteiro é uma imensa
cozinha, da porta de entrada até os fundos da residência. O salão não guarda
diferença alguma com o clima de bagunça das panelas. Haverá gordura no chão,
farelos, rastros da pressa dos espetos. O sapato cola ao caminhar pelos
corredores. O ideal seria permitir cuscos junto das pernas para pescar as
sobras – mas seria muita evolução do cafona.
Todo rodízio gaudério apresenta
um mural em sua parede com cascata e cavalos empinados, feito por algum parente
do dono. A arte rústica e amadora indica que encontrará qualidade e fartura no
lugar. Péssimas pinturas equivalem, no jargão popular, a ótima comida. São
estrelas informais do Guia Quatro Rodas. É um selo popular de autenticidade da
picanha.
A cafonice produz uma
tranquilidade de vida eterna: preserva situações e objetos que nos acompanham
desde o nosso nascimento e que não se modificaram com a modernidade.
Reforça nossa crença na
informalidade do simples, em que não dependemos de efeitos especiais para
encontrar a felicidade.