10
de novembro de 2014 | N° 17979
L. F.
VERISSIMO
Reflexões
Numa
pinacoteca de Munique estava em exibição um quadro de Bernardo Bellotto
intitulado Ruínas da Catedral de Dresden. Diante do quadro impressionante, você
reflete: sim, foi terrível o bombardeio de Dresden na II Guerra Mundial.
A
cidade toda e não apenas sua catedral foi arrasada, milhares morreram na
tempestade de fogo que se seguiu ao bombardeio e até hoje se discute se o
horror e a destruição foram necessários, já que a guerra já estava quase no fim
e Dresden não tinha nenhuma importância estratégica. Aí você se dá conta de que
Bernardo Bellotto viveu no século 18 e que sua pintura não é uma obra de
premonição, é o retrato de outra tragédia, de outro bombardeio.
Uma
leitura mais atenta do texto que explica o quadro revela quem foi Bellotto (nascido
em Veneza em 1720 e morto em Varsóvia em 1780, ele às vezes usava o mesmo
apelido do seu tio, “Canaletto”, e, como o tio, também se dedicava a paisagens
urbanas, com especial predileção por grandes panoramas venezianos) e por que a
catedral estava em ruínas. A culpa, dessa vez, foi de um canhão prussiano,
durante um sítio à cidade, na Guerra dos Sete Anos.
Aí você
passa a refletir sobre a reincidência da estupidez humana. O canhão prussiano é
um aperfeiçoamento da catapulta medieval e o precursor de toda tecnologia da
morte a distância que viria, culminando com as bombas nucleares e os drones. Do
século 18 para cá, só mudou o alcance e a eficiência das armas, a
irracionalidade das pessoas continuou a mesma, se não aumentou.
A
catedral reduzida a escombros do Bellotto é um retrato do poder do irracional
na História. Alguém – acho que o Lewis Mumford – tem uma tese segundo o qual o
ataque a cidades é sempre, consciente ou inconscientemente, um ataque à ideia
de civilização, ou à possibilidade do convívio racional. O fim implícito de
todo bombardeio é o de nos devolver às cavernas.
Outra
tese, não sei de quem, diz que nada resume melhor uma certa época da História
da nossa espécie do que os projéteis do canhão alemão Big Bertha caindo sobre a
Paris de Marcel Proust, durante a primeira Grande Guerra. Era Big Bertha contra
Proust, que nunca soube que estava na linha de frente da batalha contra as
bestas.
Outra
reflexão possível, vendo o quadro de Bellotto, é sobre a impotência da arte
diante dos escombros da História. A arte não podia salvar a catedral de
Dresden, nem no século 18 nem no século 20. Mas a história de Bellotto tem um
final redentor: as suas pinturas das ruas de Varsóvia eram tão precisas, que
foram usadas para reconstruir a cidade, no fim da II Guerra. Ponto para os
racionais.