14
de dezembro de 2014 | N° 18013
L.
F. VERISSIMO
Tempos
estranhos
Tá
tudo atravessado
sem
cabeça nem pé:
home
casa com home
mulhé
casa com mulhé.
Tempos
estranhos, tempos estranhos. Enquanto a direita se delicia com o espetáculo de
capitalistas sendo presos, a esquerda realiza um dos sonhos da direita, o de
desmoralizar para melhor desnacionalizar a Petrobras. Um lado assumiu o papel
do outro, é home com home e mulhé com mulhé e não se entende mais nada.
Despidas
de todas as suas outras óbvias implicações, as revelações sobre a relação das
empreiteiras com as estatais e o poder público são uma aula do capitalismo de
compadres em ação. Os escândalos do propinato na Petrobras e da cartelização em
São Paulo para assegurar contratos sem obedecer à aborrecida formalidade de
licitações provam, como se fosse preciso mais provas, o que está no Marx para
principiantes: o caminho natural do capital é para o monopólio.
O
compadrio das empreiteiras faz pouco da importância da competição no mercado
supostamente autorregulável da pregação liberal. É compreensível que a direita
festeje o embaraço da esquerda com as revelações que levaram diretores de
empreiteiras à prisão e podem até punir Dilma pela audácia de ganhar as
eleições. Mas o capitalismo brasileiro também está levando suas lambadas neste
entrevero.
O
Roberto Campos chamava a Petrobras de “Petrossauro”, e entregá-la a
estrangeiros mais competentes sempre foi um mantra da direita. Os entreguistas
não orquestraram o que está acontecendo com a Petrobras agora, mas, se tivessem
planejado sua atual transformação, de orgulho nacional em vergonha nacional,
não teriam tido tanto sucesso.
É,
irônica e dolorosamente, sob um governo de esquerda, aspas à vontade, que o
orgulho está chegando a um estado terminal. Nem a Margaret Thatcher, que
privatizou toda a Inglaterra, tocou no serviço nacional de saúde do país, que
atravessou governos conservadores e pseudoprogressistas e permanece até hoje
como uma espécie de cidadela socialista, sem aspas, em meio à comercialização
de tudo.
O
Chile de Pinochet seguiu à risca a receita neoliberal da escola de Chicago para
a sua economia, mas nem Pinochet acabou com o controle estatal do cobre, que
também continua até hoje. Não se esperava que a cidadela Petrobras, que
sobreviveu aos ataques da direita durante todos estes anos, fosse ser atacada
por dentro. Mesmo que o governo não esteja envolvido diretamente no esquema da
corrupção, é responsável pelo desleixo que a propiciou. E pela alegria dos
entreguistas.
Tá
tudo atravessado
sem
cabeça nem pé:
não
se sabe quem é o quê
nem
se sabe quem não é.