04
de janeiro de 2015 | N° 18032
MOISÉS
MENDES
O fim do mundo
Stephen
Hawking é o personagem do filme A Teoria de Tudo, que estreia neste mês em
Porto Alegre. Desde os 21 anos, o físico britânico convive com a doença
degenerativa que o imobiliza. Hawking chegou aos 72 anos. Alguns médicos diziam
que talvez não passasse dos 50.
Para
se expressar, ele movimenta a bochecha e aciona um complexo sistema
computadorizado que forma palavras. E assim Hawking circula, naquela cadeira de
rodas superequipada, contrariando o que é dito sobre seu futuro.
É
dele uma teoria sobre o provável fim do Universo. O mundo pode se evaporar, a
qualquer momento, por causa do bóson de Higgs.
Você
já ouviu falar das experiências para provar a existência da tal partícula de
Deus e sabe que ela tem relação com o início da criação do Universo. Agora,
Hawking nos diz que pode também vir a ter alguma culpa pelo seu fim. O Universo
desapareceria num vácuo e se extinguiria como uma bolha de sabão.
O
bom da teoria de Hawking é que pode não ser levada a sério, como ele mesmo não
deve levar muito em conta as previsões sobre o seu próprio fim. E, se o bóson
de Higgs é que acabará com o Universo, talvez isso aconteça antes do sumiço da
Terra.
Vamos
cuidando da nossa vidinha, do jeito que dá, sem preocupações com a
sobrevivência do ambiente que nos sustenta, porque o bóson fará o serviço
completo.
Não
entendo nada do bóson, por mais que me esforce. Não tenho referências que me
instrumentalizem a refletir sobre a partícula de Deus. Mas entendo quase tudo
do que diz o economista Gesner Oliveira, especialista em recursos hídricos.
Gesner
foi presidente da Sabesp, a companhia de água de São Paulo, e conhece o que
acontece na região metropolitana. Li uma entrevista dele na Folha de S. Paulo.
O que ele diz, para qualquer um compreender, é:
– Os
hábitos brasileiros em relação à água ainda são carnavalescos.
Gasta-se
água porque a água cai do céu. Em São Paulo, mesmo que não caia, continuam
gastando e raspando represas para ressuscitar seus volumes mortos.
O
Brasil desperdiça 37% da água tratada. Lava-se carro com água tratada. Lava-se
calçada. Novas Cantareiras não aguentariam tanto desperdício. No início do
segundo semestre de 2014, quando a seca piorou, a prefeitura de São Paulo
constatou que a redução média no consumo era de 16%.
Nos
bairros ricos, da área chamada genericamente de Jardins, o consumo caiu 7% no
primeiro semestre (e esta região já consumia 39% mais do que o resto da
cidade). Nos bairros pobres, a economia chegou a 20%.
Quem
mais consome e mais poderia reduzir desperdício, menos economizou. Quem usa
água para beber e para banhar-se sensibilizou-se com os apelos da prefeitura.
Para
Gesner, os que não poupam água não se deram conta de que “acabou o mundo da
fantasia”. Alguns ainda continuam achando, não só em São Paulo, mas em toda
parte, inclusive aí em Dom Pedrito, em Erechim e nas cidades às margens do Rio
dos Sinos, que água é um recurso sem fim.
Não
entender o bóson de Higgs como ameaça real é exercer o direito à ignorância.
Poluir rios e desperdiçar água tratada, depois do muito que se falou no assunto
nos últimos 20 anos – e depois da seca bíblica em São Paulo –, é bem mais do
que pensar só nos próprios jardins.