02
de junho de 2015 | N° 18181
CARPINEJAR
A surra de cinto
Meu
amigo levou uma surra do pai aos 13 anos, de cinto.
Foi
a primeira e única surra que recebeu na vida. Por uma injustiça.
Responsabilizado por quebrar o rádio que nem usava. Um rádio que deveria ter
estragado pelo mau contato do fio.
A
fivela marcou suas costas.
Quando
apanhou no quarto, não gritou por socorro, não chorou, não esperneou.
Manteve-se obediente até o final do castigo, ficava preocupado em localizar a
língua de metal. E se distraía tentando adivinhar os próximos ricochetes do
ferrinho em sua pele.
Seu
pai já não ajudava na demonstração do afeto: quieto, casmurro, de poucas
palavras. Depois disso, a admiração tácita pelo papel de cuidador também se
desfez lentamente. Nem o silêncio entre eles se salvou, evitavam olhar-se nos
olhos.
Em
toda conversa com o pai, esperava um pedido de desculpas, que não veio. Ambos. O pai explodiu porque estava desesperado,
irritado, preocupado com falta de vaga na construção civil e com a demora em
arranjar um novo posto de trabalho.
O
filho era a pessoa mais próxima no momento de raiva. Dependendo das
circunstâncias, poderia ter sido a mãe, o irmão, o cachorro em seu lugar.
Só
que sobrou para ele. E ele cresceu, casou, teve uma filha, obteve
reconhecimento como professor universitário, abriu uma empresa de engenharia,
mas jamais esqueceu o assunto. Seguiu adiante na vida, ainda que engasgado pela
incompreensão do sangue. Amadureceu de um jeito ou de outro, pela convicção da
aparência, apesar de permanecer parado na mesma lembrança.
Um
dia, quando ele já ultrapassara os 40 anos, o então velho pai entra em sua
residência, senta para tomar café da manhã. Cumprimenta a nora e a neta e se
põe em sua frente com a pupila mareada.
Do
nada, sem nenhum contexto, enquanto abria o pão com suas mãos macilentas e
veias azuladas, o pai começa a se desculpar: – Lembra quando eu lhe bati em sua
infância? Lembra? Você estava na oitava série. Eu queria pedir perdão. Estava
fora de mim. Foi um erro, um grande erro.
Quando
finalmente obteve a retratação, o que ansiava ao longo de 27 anos, o filho não
tirou proveito da situação, não foi arrogante, não descontou a raiva, não se
prevaleceu, não julgou a demora, não condenou o atraso, não jogou na cara que
pensou naquilo todos os dias, preferiu aliviar o sofrimento paterno, optou por
cuidar do constrangimento paterno, o amor ao pai superou seu orgulho ferido, e
apenas disse:
–
Nem me lembro, pai.