MARTHA MEDEIROS
Cadeados de Paris
Foi-se o tempo em que os telhados de Paris
é que eram românticos: agora românticos são os cadeados de Paris, que estão
sendo retirados da Pont des Arts, onde trancafiavam os amores para sempre.
Nada é mais antigo do que o jornal de
ontem, então resgato aqui a notícia: uma das mais famosas pontes de Paris
recebia todos os dias, em seus gradis metálicos, centenas de cadeados colocados
ali por casais apaixonados, como uma evidência de que jamais se separariam. Com
os anos, esses cadeados começaram a pesar e colocaram em risco a segurança da
ponte. No ano passado, um pedaço da balaustrada desabou e a prefeitura resolveu
acabar com a brincadeira. Mandou retirar todos os cadeados e, no local dos
gradis, irá colocar placas de acrílico.
Eu estive algumas vezes em Paris e pude
acompanhar a evolução desse modismo. No início, lembro de ter sido contra
aqueles cadeados que descaracterizavam o cenário, mas os anos foram passando,
os cadeados começaram a se acumular e por fim acabaram impondo sua estética. Eu
já estava achando aquilo até bonito, uma instalação viva e com enorme
simbolismo, ainda que um simbolismo meio démodé: quem ainda acredita em
relações vitalícias?
Aparentemente, ninguém. Secretamente, todos.
No fundo, bem no fundo, queremos, sim,
encontrar alguém que seja um amor para toda a vida, que dê motivo para
levantarmos da cama de manhã e motivo para deitarmos nela à noite, que preencha
de significado a nossa rotina banal, que seja uma parceria que vá muito além da
amizade, que nos faça sentir especiais e que desperte a vontade de fazer versos
intensos como os do Fabrício Carpinejar.
Ele não apareceu à toa nesta história. Na
última vez que estive em Paris, eu passeava pela Pont des Arts com calma, observando
os nomes marcados em cada cadeado e imaginando se todos aqueles Pierre &
Irina & Anthony & Helga ainda estariam juntos, quando meu celular
tocou. Era o Fabrício, que não sabia que eu estava fora do país. Antes que eu
pudesse dizer qualquer coisa, ele falou o motivo da ligação: havia se separado.
Estava triste.
Queria conversar. Eu sentei num dos bancos
da ponte e não acreditei. Para mim, ele e ela formavam aquela espécie de casal
que se prende um no outro e joga fora a chave, mas não foi assim. Fabrício
estava a um oceano de distância e ao mesmo tempo muito perto, me contando sobre
o seu desenlace, enquanto eu olhava para aqueles cadeados desiludida por
confirmar ali, durante o telefonema, que eles representavam um sonho que não se
sustenta mais.
Li em algum lugar
que os cadeados retirados da ponte irão para reciclagem. Acho que deveriam ser
doados a um museu. Como relíquia histórica – uma prova de que o desejo pelo
amor eterno existiu um dia.