quarta-feira, 3 de junho de 2015



03 de junho de 2015 | N° 18182
MARTHA MEDEIROS


Cadeados de Paris

Foi-se o tempo em que os telhados de Paris é que eram românticos: agora românticos são os cadeados de Paris, que estão sendo retirados da Pont des Arts, onde trancafiavam os amores para sempre.

Nada é mais antigo do que o jornal de ontem, então resgato aqui a notícia: uma das mais famosas pontes de Paris recebia todos os dias, em seus gradis metálicos, centenas de cadeados colocados ali por casais apaixonados, como uma evidência de que jamais se separariam. Com os anos, esses cadeados começaram a pesar e colocaram em risco a segurança da ponte. No ano passado, um pedaço da balaustrada desabou e a prefeitura resolveu acabar com a brincadeira. Mandou retirar todos os cadeados e, no local dos gradis, irá colocar placas de acrílico.

Eu estive algumas vezes em Paris e pude acompanhar a evolução desse modismo. No início, lembro de ter sido contra aqueles cadeados que descaracterizavam o cenário, mas os anos foram passando, os cadeados começaram a se acumular e por fim acabaram impondo sua estética. Eu já estava achando aquilo até bonito, uma instalação viva e com enorme simbolismo, ainda que um simbolismo meio démodé: quem ainda acredita em relações vitalícias?

Aparentemente, ninguém. Secretamente, todos.

No fundo, bem no fundo, queremos, sim, encontrar alguém que seja um amor para toda a vida, que dê motivo para levantarmos da cama de manhã e motivo para deitarmos nela à noite, que preencha de significado a nossa rotina banal, que seja uma parceria que vá muito além da amizade, que nos faça sentir especiais e que desperte a vontade de fazer versos intensos como os do Fabrício Carpinejar.

Ele não apareceu à toa nesta história. Na última vez que estive em Paris, eu passeava pela Pont des Arts com calma, observando os nomes marcados em cada cadeado e imaginando se todos aqueles Pierre & Irina & Anthony & Helga ainda estariam juntos, quando meu celular tocou. Era o Fabrício, que não sabia que eu estava fora do país. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele falou o motivo da ligação: havia se separado. Estava triste.

Queria conversar. Eu sentei num dos bancos da ponte e não acreditei. Para mim, ele e ela formavam aquela espécie de casal que se prende um no outro e joga fora a chave, mas não foi assim. Fabrício estava a um oceano de distância e ao mesmo tempo muito perto, me contando sobre o seu desenlace, enquanto eu olhava para aqueles cadeados desiludida por confirmar ali, durante o telefonema, que eles representavam um sonho que não se sustenta mais.

Li em algum lugar que os cadeados retirados da ponte irão para reciclagem. Acho que deveriam ser doados a um museu. Como relíquia histórica – uma prova de que o desejo pelo amor eterno existiu um dia.