04
de junho de 2015 | N° 18183
L F
VERÍSSIMO
Fluidos
“Lá
se foi outro romance”, diz um personagem do Woody Allen depois de transar com
uma mulher. Não é incomum a ideia de que os, digamos, fluidos gastos no ato
sexual são os mesmos necessários para a criação, literária ou o que seja, e que
se deve escolher entre uma atividade ou outra.
A
ideia está na origem de outro mito, misógino, o da mulher que drena o homem da
sua capacidade criativa com o sexo. E tudo tem a ver, indiretamente, com o
exemplo de Onã, que desperdiçou o seu sêmen e por isso foi castigado por Deus.
Desperdiçar o sêmen numa transa interrompida – o caso de Onã – ou gastá-lo em
transas insignificantes são abominações aos olhos de Deus – pelo menos o Deus
da Bíblia.
Não
seria necessário outro argumento contra a tese de que a transa impede ou
substitui a criação do que o exemplo de George Simenon, certamente o autor mais
prolixo do seu tempo – só as histórias do inspetor Maigret são dezenas, e elas
formam uma pequena parte da sua obra – e que declarou ter dormido em toda a sua
vida com 10 mil mulheres. Dez mil! A revelação de Simenon deflagrou várias
especulações, começando pela matemática.
Dez
mil transas contabilizadas dariam quantas por semana, ou por dia? Elas
incluiriam mulheres repetidas? Simenon foi casado duas ou três vezes: sexo com
as próprias esposas entraria no cálculo? E com prostitutas? O que espanta no
caso de Simenon é ele ter tido tempo para produzir tantos livros entre as
transas, ou transar tanto entre a produção dos livros. E um dado importante:
era um excelente escritor.
Claro
que Simenon era um fenômeno que não pode servir de modelo para escritores
principiantes.
– E
o seu plano de ser como o Simenon?
–
Vai bem. Já transei com 300 mulheres.
–
Algum livro?
–
Até agora, nenhum. Mas eu chego lá.
“Não
se pode pensar ou escrever senão sentado.” Comentando essa frase de Gustave
Flaubert, Friedrich Nietzsche disse: “Nenhuma ideia que não nos venha
caminhando tem valor”. Simenon talvez tenha tentado desmentir os dois e
experimentado pensar deitado, e acompanhado. A transa, para ele, seria uma
espécie de busca de ideias, um alerta aos fluidos de que o grande ato viria
depois do sexo.