08
de junho de 2015 | N° 18187
MOISÉS
MENDES
A
bancada da bala
No
tempo antigo, quase todos os parentes do seu Mércio em Bossoroca tinham arma. Seu
Mércio é guarda de rua na Aberta dos Morros e nunca usou revólver, nem um 22. Para
emergências, tem um cano de ferro na guarita, com uma presilha de couro como
empunhadeira.
Já deu
corridão em muita gente, mas nunca aplicou o mango nem em lobisomem. Seu Mércio
tem curso de segurança. Lembra da lição de um coronel reformado da Brigada: uma
reação armada resulta, em 70% dos casos, em coisas terríveis.
Se o
agressor estiver desarmado, você, claro, poderá matá-lo. O mais provável é que
erre os tiros ou fira ou mate quem estiver por perto, ou que o outro lhe tome a
arma. Se o outro estiver armado e com o controle da situação, sua chance de
sair ileso será a mesma de o Brasil vencer a Alemanha por 7 a 1.
Quem
tem arma em casa atira em sombra de poste. Poucos têm a destreza e a agilidade
de um Pachecão, amigo do seu Mércio de Belém Novo, que acerta uma mosca num
galho de guajuvira.
Mas
seu Mércio sabe que podem liberar o porte de arma para qualquer um, inclusive
na rua. Se o Estatuto do Desarmamento cair, como propõe um projeto em debate no
Congresso, cada brasileiro poderá ter até nove armas. É só comprar e sair
atirando.
Seu
Mércio andou se informando. A ideia é da bancada da bala, um grupo de deputados
com campanhas financiadas pela indústria da arma. Aqui no Estado, eles são
barulhentos.
Os
deputados espargem saliva pregando que, se os cidadãos de bem (a expressão é deles)
estiverem armados para autodefesa, os criminosos ficarão na retranca. Será?
Quanto mais casas tiverem armas, mais seremos vulneráveis. Seu Mércio sabe que
aumentará a tentação dos bandidos de invadir as casas.
Agora,
imagine o faroeste nas brigas de trânsito. A indústria do bangue-bangue poderá fazer
até propaganda de seus produtos (hoje proibida). Quem tem 21 anos terá o
direito de sair com um 38 na cintura. E se o armado estiver bêbado? Sem
problema. O projeto prevê que bêbados armados não sofrerão punições.
Seu
Mércio olha o sabiá catando minhocas e reflete sobre a vida de grosso em
Bossoroca. No tempo antigo, pensa seu Mércio, defendiam o porte de arma por
causa do atavismo, das brigas de fronteira, do marketing da valentia do gaúcho
e da ignorância mesmo. Agora, são outros os interésses. A bancada da bala está bem
armada.