sexta-feira, 5 de junho de 2015



Não estávamos listos

Decididamente não estávamos listos (prontos, em espanhol) para o fechamento da cafeteria, bistrô, padaria, mercado, restaurante e happy-hour Listo, na Padre Chagas, 217, onde funcionava há apenas 16 anos. E agora, onde vamos comprar pão, manteiga e leite domingo de noite? Para onde será que foi a Elaine, a bonita e simpática moça do caixa? O Jefferson, maior barista do pedaço, já tinha ido lá para o café da Félix da Cunha há um bom tempo.

Os guris do cafezinho da tarde - Difini, Coufals, Mariante, Paulinho, Falceta, Caio, Cadu e outros -, estão no outro lado da Padre, no Bella Gula, mas já com saudades do Listo. E quem já não está com saudade do Listo? Mesmo com alguns probleminhas que tinha, que prefiro não relacionar agora, todos nós estávamos acostumados a ir lá como se fosse a extensão de nossa sala de estar.

Quem queria mais privacidade, menos agito e contemplar o desfile das lindinhas, gatinhas, gatões e gatinhos da Padre de cima, ficava na área VIP, no deck, tomava seu café e curtia a eterna passagem do tempo, vendo também os senhores e as senhoras que caminham suas vidas, quase sempre longas, pelo Moinhos. Camarote ideal. Se foi. Que venha outro.

O Listo e seus frequentadores me renderam muitas crônicas para o Jornal do Comércio. Uma delas, envolvendo uma parlamentar jubilada, senhora de mais de setenta que, elegante, solitária, tomava seu café num final de domingo e refletia, certamente, sobre família, vida, poder, tempo, dinheiro, serenidade e saúde. Até hoje lembro da expressão de seus olhos.

As intermináveis discussões sobre futebol, mulheres, religião, política, pessoas, sociedade, famílias e nomes tradicionais e assuntos do dia estavam sempre nas mesas do Listo, junto com o cafezinho da manhã, da tarde ou da noite. Aliás, durante um certo tempo, o Listo ofereceu ao Telmo Freire, nosso vernissólogo, colunista do jornal Terceira Margem e imbatível frequentador de coquetéis, um café e um sanduíche gratuitos por noite. Telmo hoje vive numa clínica, onde pode ser visitado.

Negócios imobiliários, namoros, amizades, encontros “casuais”, cobranças de dívidas e promessas, muita coisa rolou no Listo, onde, aliás, lá pelas seis e meia, sete da manhã, a turma do Gastão Wallauer, trabalhadores do Brasil, tomava seu café da manhã, antes do batente.

Fico lembrando, escrevendo estas linhas sobre o Listo, da padaria que existiu na Padre Chagas, onde faziam aquele pãozinho de cachorro-quente que ficou famoso por décadas e onde me lembro que comia, no balcão, sanduíche de pão ainda quentinho com manteiga e mortadela recém fatiada, acompanhado de taça de café com leite. Essas coisas, a gente não esquece.

A propósito...

O Listo só vai desaparecer quando ninguém mais falar ou lembrar dele. Daqui a algumas décadas, quem sabe. Falando nisso, Difini, onde está a Maricota, aquela garçonete baixinha, linda, que nos servia com tanto carinho? Manda notícias. Não esconde o jogo. O Listo veio da Ramiro Barcelos, onde iniciou com conceito de ser rápido, expresso, preparado para atender a várias solicitações dos clientes. Pois é, não estávamos listos para sua parada, assim, sem aviso. Vamos te guardar na lembrança. Vamos recordar, com carinho, dos melhores momentos e esquecer algumas coisas. Normal, não é? Tudo como se fosse da família. E não era?

Jaime Cimenti