segunda-feira, 9 de maio de 2016



09 de maio de 2016 | N° 18520 
DAVID COIMBRA

O Livro da Selva

O Sérgio Faraco, que tem o predicado de ser do Alegrete, diria que é meio fresco falar “adorei”, mas a-do-rei o filme O Livro da Selva.

É filme da Disney, para levar filho, mas você vai se divertir também, e bastante.

O Livro da Selva foi escrito por Rudyard Kipling, escritor inglês nascido na Índia (a trama se passa na Índia).

Kipling era dono de estilo elegante e fluido, sabia tecer um conto tão bem quanto o Faraco e chegou a ganhar o Nobel de Literatura, mas viu-se alvo de certa polêmica. Houve quem o acusasse de racismo. Tenho minhas dúvidas a respeito. Kipling podia ser considerado produto da época e do lugar em que viveu. O imperialismo dos povos ocidentais estava no auge, e ele se encontrava instalado entre dois mundos, o da matriz e o da colônia.

Um poema de Kipling tratando exatamente sobre essa questão é muito discutido. O título é O Fardo do Homem Branco. Ao mesmo tempo em que ele prega a assistência aos povos mais pobres, exalta a superioridade do ocidental. Um trecho diz assim:

Tomai o fardo do Homem Branco –

As guerras selvagens pela paz –

Encha a boca dos Famintos,

E proclama, das doenças, o cessar;

E quando seu objetivo estiver perto

(O fim que todos procuram)

Olha a indolência e loucura pagã

Levando sua esperança ao chão.

Esse poema tornou-se emblema para os defensores do imperialismo americano. Nos Estados Unidos do século 19, havia duas vertentes. Uma baseada nas ideias do velho Jefferson, a favor do isolacionismo – os americanos deviam cuidar dos seus problemas, e o resto do mundo que se virasse “sozinho”. A outra vertente dizia que os Estados Unidos tinham um “destino manifesto” de, digamos, “lutar pela liberdade”, mesmo no estrangeiro – na verdade, uma luta pela liberdade de dominar os outros.

Kipling, de certa forma, acreditava nesse destino manifesto. Pensando bem, é um pouco de racismo, sim, mas isso não quer dizer que ele não escrevesse bem demais. Escrevia.

Esse Livro da Selva é uma coleção de pequenos contos. Os animais da selva indiana é que são os protagonistas. No filme, o único personagem humano é o menino Mogli. Assisti num luxuoso cinema de Boston, em Fenway. As poltronas reclinam deliciosamente. Você fica praticamente deitado, e tem uma mesinha na sua frente para um lanche, uma bebidinha. Decidi que meu objetivo na vida é ter uma dessas poltronas em casa. Enquanto não amealho capital suficiente para adquirir uma, planejo ir ao cinema todos os dias, para dar uma relaxada.

Mas o filme.

Como disse, é para criança, mas você não pode perder. Tem um vilão perfeito – um tigre poderoso e mau. Tem personagens cativantes. E cenas de uma plasticidade, de uma exuberância e de uma grandiosidade, que você sente vontade de ir morar na selva indiana.

Saí do cinema pensando que os americanos realmente conseguiram transformar a diversão em arte. Nenhum povo tratou o entretenimento com o profissionalismo e o talento deles. E foi assim, mais do que com as armas, mais até do que com o comércio, que eles conquistaram o mundo: com a capacidade de fazer com que as pessoas fujam da realidade. O que, de alguma maneira, realizou o sonho de Kipling. Quem sabe contar uma história conquista corações.