sábado, 13 de abril de 2019


13 DE ABRIL DE 2019
MÁRIO CORSO

Breve manual do burocrata

Instruções básicas do MBAH (Movimento Burocrático pelo Aperfeiçoamento Humano).

Das informações

Qualquer processo deve ser explicado em drágeas. Um pouco presencialmente, em um lugar remoto da cidade. Algo por telefone, em uma central. Deve-se digitar todos os números dos nossos documentos enquanto se percorre seu labirinto, até chegar a um humano que vai transferir a ligação para outro, que, se não cair, vai conferir os números anteriores. O restante das informações deve estar em um site governamental, desses confusos e que não carregam. Cada um gerando um número de protocolo de 15 dígitos, ditos rapidamente, para então proceder ao seguinte passo.

Dos itens requeridos.

Nunca peça todos os itens para um procedimento de uma só vez, logo, jamais faça uma lista. Oriente rapidamente, de modo que seja anotado ou entendido errado. Outra estratégia procrastinadora eficaz consiste em pedir a documentação em dois momentos. De maneira que só possa ser trazido o restante após a entrega da primeira leva. Invente um aceite inicial, para depois completar. Picotar a entrega pode também gerar uma justificativa para uma segunda taxa.

Das taxas

As taxas só poderão ser pagas com dinheiro vivo em uma agência remota. Não longe o suficiente para que se precise um transporte, nem tão perto que não canse e exponha o usuário. O importante é que seja uma boa caminhada em um território inseguro e desconhecido. A agência deve ser de um banco pouco usado, de modo que a maioria tenha que ir a um segundo estabelecimento para sacar em um caixa automático. Atenção: sempre que possível empurrar duas taxas, que sejam pagas em dois bancos distintos. Mas não é só pagar. Deve-se protocolar a entrega do recibo em um terceiro guichê.

Do protocolo de entrega

O protocolo deve ser em horários exíguos e em outro endereço. Isso potencializa o mal-entendido, pois quem recebe pode dizer que o cliente não foi corretamente orientado. Logo, não seria bem isso o que foi pedido, portanto ele deve voltar, desta vez com o documento correto.

Da postura

Nunca perca a paciência com o destempero do cliente. O louco deve sempre ser ele, não o sistema. Nunca ria dos descontroles do pobre coitado. Nosso regozijo deve ser em privado, posterior à cena. Saiba adiar o prazer.

Do objetivo

Terminar o dia com a satisfação do dever cumprido. Certos de que contribuímos para o aperfeiçoamento espiritual e moral de alguém. Quem sobrevive à nossa via- crúcis jamais será o mesmo: seu autocontrole e resiliência passaram a outro nível. Ao transformar o banal em uma conquista épica, oferecemos ao cliente, após o sofrimento de uma humilhação redentora, a justa sensação de ter triunfado sobre o impossível. O cidadão comum se sentirá como Hércules após os 12 trabalhos.

MÁRIO CORSO

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