quarta-feira, 14 de junho de 2023


14 DE JUNHO DE 2023
MARIO CORSO

Aromatizadores

A indústria nem sempre nos entende quanto aos produtos verdadeiramente úteis. Os aromatizadores exemplificam o desencontro. Temos sprays de lavanda, de flor do campo, de limão não sei das quantas. Ok, mas o problema não está no que se produz, mas no que não se produz.

Pense numa mãe sem tempo que deseja um bolo para o lanche. Compra-o e chama a turma. Agora, pense na mesma cena com um spray de bolo saindo do forno. Afinal, o cheiro de bolo é tão confortante quanto comê-lo. Se perguntarem: foi você que fez? Basta não responder e olhar com cara de: que pergunta é essa? Uma ambiguidade que semeia a dúvida sem mentir.

Outro cheiro necessário: o de café passado. Para os atrasados sem tempo para passá-lo. O aroma divino contrabalançaria o copo d?água e a torrada sem nada. Para os viventes que se esquecem todo dia de passar na padaria. Sairão famintos, mas aninhados na saudade de quando a mãe fazia tudo e o aroma de café quentinho era o despertador.

Imagine cheiro de gatinho bebê incrementando o momento relax, holístico e transcendental de quem passa horas no TikTok vendo gato.

O cheiro de maconha seria útil para quem a detesta, mas precisa. Pois é, passar o spray sorrateiramente no batente da porta e, por uma década, ninguém vai propô-lo para síndico. Queima o filme com muitos, mas vai que a guria do 304, que não precisa do spray, o olhe diferente.

Pense na tristeza dos solteiros sem jeito nem charme. Um cheiro de sexo, tipo corpo suado, leve ranço e perfume vadio ao fundo. Aquele que dá a sensação de "aqui rolou algo", ou "aqui passou uma mulher". Claro, teríamos a outra versão, o "aqui passou um homem". Seria o mesmo com notas de chulé ao fundo. A indústria precisa ser inclusiva, pensar nesses tímidos. Isso melhora a vida deles, os outros verão ele(a)(x) de outra forma ao passarem de visita. Caso perguntem, é calar e fazer cara de paisagem.

Cheiro de churrasco teria amplo espectro. Iria desde o espírito de porco que enche o saco de vizinho vegano, passando por quem quer bancar o rico frente aos vizinhos, até os churrasqueiros medíocres - a grande maioria - que querem acertar ao menos no aroma.

O cheiro de cidade para almas extraviadas da paz que em presença de natureza e ar limpo andam em círculos nervosamente. Com um blend de asfalto quente, diesel e bueiro, eles suportariam o silêncio da mata.

E você, leitor, sente falta de qual aroma?

MÁRIO CORSO

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