05
de outubro de 2014 | N° 17943
CÓDIGO
DAVID | David Coimbra
Na sala de
aula
A
Moldávia fica perto da Transilvânia, e a Transilvânia é a terra de Vlad, o
Empalador, e Vlad, o Empalador, não é outro senão o Conde Drácula, e eu tenho
um colega que é da Moldávia, e ele estuda morcegos.
Achei
isso muito interessante, mas, bem, talvez você não ache, e eu nem deveria ter
começado o texto assim, deveria ter falado do dever cívico que você tem neste
domingo diante da urna e da sua consciência e do futuro da nação. Talvez. Mas
não quero.
O
que quero dizer é que, além desse colega da Moldávia, que por sinal possui um
ar meio vampiresco, tenho uma colega que é etíope, e ela veste sempre um manto
negro que lhe cobre a cabeça e se lhe derrama ombros abaixo até os pés, como se
ela fosse uma freira católica; e também uma médica chinesa muito silenciosa,
que mora em Shangai, a maior cidade do mundo; e um turco que vive há cinco anos
em Boston trabalhando como motorista da Uber, aquele sistema de carona paga que
está alvoroçando taxistas de São Paulo e do Rio; e um empresário espanhol
torcedor do Barcelona, mas morador de Madri, que jura ter informações de que a
economia brasileira vai enfrentar séria crise no próximo ano; e uma mulher de
Bangladesh que está sempre rindo e que fala bastante, só que fala rápido demais
e não entendo 55% do que ela diz; e uma colombiana que outro dia, explicando que
gosta de dançar salsa e mambo, aquelas danças colombianas, deu uma dançadinha
de cinco segundos sentada na cadeira mesmo, sem se levantar, e só com isso, com
aquele jogo de quadris sentados, quase arrancou aplausos de todos nós, menos da
chinesa; e um outro colombiano que sempre comenta que sente saudades doloridas
da América do Sul; e outro etíope que me contou que na Etiópia eles ainda estão
em 2007; e mais a professora, que é do Arkansas, a terra do Clinton.
É
divertido ver o mundo assim, em volta de uma mesa.
MEIA
HORADE CAMINHADA
Esse
meu curso fica num prédio da Boston University, uma das joias da educação
local. Vou caminhando pelo campus da chamada BU, meia hora de boa caminhada, e
por mim passam os seguintes seres humanos, com intensas variações:
1.
Um rapaz de skate e bermuda, que, ao chegar ao prédio da sua faculdade, pisa na
ponta do skate, fazendo-o saltar para debaixo do braço. Ato contínuo, ele saca
o caderno da mochila com idêntica agilidade e o acomoda debaixo do outro braço.
2.
Uma moça de calça vermelha e jaqueta de general que me lembrou aquela música do
Rappa.
3.
Um indiano de menos de 18 anos de idade, caminhando ereto dentro de um terno
alinhado, que parece muitíssimo orgulhoso da sua elegância.
4.
Outros dois indianos com cigarros na mão, displicentes, manemolentes como não
são os indianos, algo jocosos, falando e rindo. Tenho certeza de que estão
falando de indianas.
5.
Japoneses. Japoneses, japoneses, japoneses. Ou talvez sejam chineses ou
coreanos, que há muito coreano por aqui. As meninas japonesas (ou coreanas ou
chinesas) sempre com as pernas expostas graças às suas minúsculas minissaias,
as orientais adoram usar minissaia.
6.
Uma moça de cabelos avermelhados e olhos verdes da verdura do mar de Santa
Catarina, que, iluminada pelo sol do fim da tarde de Massachusetts, faiscava
como uma caixa de rubis.
7.
Uma loira de tailleur, grave, ar importante rondando o narizinho empinado.
8.
Outra loira vestida só com uma camisa masculina e botinhas.
9.
Uma terceira loira, esta magérrima, com cabelos pintados de, sei lá, acho que
aquilo era lilás, ou fúcsia. Ou talvez roxo.
10.
Meia dúzia de grandalhões vindos de um jogo de futebol americano.
11.
Um cara branquicelo com o pescoço preso por uma gravata borboleta.
12.
Duas garotas de bicicleta com piercings fincados nos respectivos narizes.
Todos
eles, esses que descrevi acima, todos eles jovens, jovens, a ousadia e a aragem
desafiadora da juventude a lhes emoldurar os rostos de pele lisa e, em algum
ponto do olhar, a cintilar inequivocamente, ela, a irmã gêmea da juventude: a
esperança.
AH
...As bostonianas gostam de usar shorts bem pequenos.