sábado, 4 de outubro de 2014


05 de outubro de 2014 | N° 17943
CÓDIGO DAVID | David Coimbra

Na sala de aula

A Moldávia fica perto da Transilvânia, e a Transilvânia é a terra de Vlad, o Empalador, e Vlad, o Empalador, não é outro senão o Conde Drácula, e eu tenho um colega que é da Moldávia, e ele estuda morcegos.

Achei isso muito interessante, mas, bem, talvez você não ache, e eu nem deveria ter começado o texto assim, deveria ter falado do dever cívico que você tem neste domingo diante da urna e da sua consciência e do futuro da nação. Talvez. Mas não quero.

O que quero dizer é que, além desse colega da Moldávia, que por sinal possui um ar meio vampiresco, tenho uma colega que é etíope, e ela veste sempre um manto negro que lhe cobre a cabeça e se lhe derrama ombros abaixo até os pés, como se ela fosse uma freira católica; e também uma médica chinesa muito silenciosa, que mora em Shangai, a maior cidade do mundo; e um turco que vive há cinco anos em Boston trabalhando como motorista da Uber, aquele sistema de carona paga que está alvoroçando taxistas de São Paulo e do Rio; e um empresário espanhol torcedor do Barcelona, mas morador de Madri, que jura ter informações de que a economia brasileira vai enfrentar séria crise no próximo ano; e uma mulher de Bangladesh que está sempre rindo e que fala bastante, só que fala rápido demais e não entendo 55% do que ela diz; e uma colombiana que outro dia, explicando que gosta de dançar salsa e mambo, aquelas danças colombianas, deu uma dançadinha de cinco segundos sentada na cadeira mesmo, sem se levantar, e só com isso, com aquele jogo de quadris sentados, quase arrancou aplausos de todos nós, menos da chinesa; e um outro colombiano que sempre comenta que sente saudades doloridas da América do Sul; e outro etíope que me contou que na Etiópia eles ainda estão em 2007; e mais a professora, que é do Arkansas, a terra do Clinton.

É divertido ver o mundo assim, em volta de uma mesa.

MEIA HORADE CAMINHADA

Esse meu curso fica num prédio da Boston University, uma das joias da educação local. Vou caminhando pelo campus da chamada BU, meia hora de boa caminhada, e por mim passam os seguintes seres humanos, com intensas variações:

1. Um rapaz de skate e bermuda, que, ao chegar ao prédio da sua faculdade, pisa na ponta do skate, fazendo-o saltar para debaixo do braço. Ato contínuo, ele saca o caderno da mochila com idêntica agilidade e o acomoda debaixo do outro braço.

2. Uma moça de calça vermelha e jaqueta de general que me lembrou aquela música do Rappa.

3. Um indiano de menos de 18 anos de idade, caminhando ereto dentro de um terno alinhado, que parece muitíssimo orgulhoso da sua elegância.

4. Outros dois indianos com cigarros na mão, displicentes, manemolentes como não são os indianos, algo jocosos, falando e rindo. Tenho certeza de que estão falando de indianas.

5. Japoneses. Japoneses, japoneses, japoneses. Ou talvez sejam chineses ou coreanos, que há muito coreano por aqui. As meninas japonesas (ou coreanas ou chinesas) sempre com as pernas expostas graças às suas minúsculas minissaias, as orientais adoram usar minissaia.

6. Uma moça de cabelos avermelhados e olhos verdes da verdura do mar de Santa Catarina, que, iluminada pelo sol do fim da tarde de Massachusetts, faiscava como uma caixa de rubis.

7. Uma loira de tailleur, grave, ar importante rondando o narizinho empinado.

8. Outra loira vestida só com uma camisa masculina e botinhas.

9. Uma terceira loira, esta magérrima, com cabelos pintados de, sei lá, acho que aquilo era lilás, ou fúcsia. Ou talvez roxo.

10. Meia dúzia de grandalhões vindos de um jogo de futebol americano.

11. Um cara branquicelo com o pescoço preso por uma gravata borboleta.

12. Duas garotas de bicicleta com piercings fincados nos respectivos narizes.

Todos eles, esses que descrevi acima, todos eles jovens, jovens, a ousadia e a aragem desafiadora da juventude a lhes emoldurar os rostos de pele lisa e, em algum ponto do olhar, a cintilar inequivocamente, ela, a irmã gêmea da juventude: a esperança.


AH ...As bostonianas gostam de usar shorts bem pequenos.