segunda-feira, 6 de outubro de 2014


06 de outubro de 2014 | N° 17944
J. A. PINHEIRO MACHADO

Quatro políticos e um destino

Na Roma antiga, a caminho do Senado e sem saber que também a caminho da morte, Júlio César foi advertido por um adivinho: “Cuidado com os idos de março”. Na agitação de março de 1964, no Colégio de Aplicação, professores prudentes nos repetiam essa advertência. Mas éramos jovens, éramos eternos: na hora do recreio, íamos direto para a agitação cívica da Faculdade de Filosofia. Ali, fervilhavam os debates políticos no Centro Acadêmico Franklin Delano Roosevelt com o candidato de esquerda Flávio Koutzii (ex-aluno do Colégio de Aplicação), recém eleito presidente.

Entretanto, logo se confirmaram os perigos de março: veio a ditadura e, pelos anos seguintes, Flávio Koutzii percorreu ásperos caminhos, que passaram pelas prisões brasileiras e argentinas. Voltou ao Brasil, foi anistiado e tornou-se um deputado de referência, reconhecido por todas as correntes políticas. Aos 71 anos, recuperado de problemas de saúde, tem muitos planos. Nenhum inclui a volta à Assembleia.

Na semana passada, estive com o ex-governador Jair Soares e o Dr. Lucchese, dois queridos amigos, num evento beneficente em favor dos hemofílicos. Jair discursou e emocionou a plateia, com a mesma energia de 40 anos atrás. Entre outras distinções (foi ministro, vereador, deputado), a maior foi nos anos 1980, na primeira eleição livre depois do regime militar: derrotou Simon, Collares e Olívio, três estrelas da oposição, e se elegeu governador. Aos 80 anos, em grande forma, continua com agenda agitada e muitos planos. Nenhum inclui a volta à política.

Conheço o atual deputado Raul Pont dos tempos do movimento estudantil e da prisão. A melhor opinião que tinha dele se confirmou – e se ampliou – durante sua impecável trajetória política, que passou pela prefeitura, pela Câmara Federal e pela Assembleia. Aos 70 anos, em plena forma, surpreendeu ao desistir da provável reeleição: tem muitos planos, mas não pretende voltar a se candidatar.

Raul Carrion destacou-se na Câmara de Vereadores e na Assembleia com o reconhecimento pluripartidário de sua brilhante atuação. Foi autor do projeto de lei que, anulando uma ignomínia, devolveu o mandato aos deputados do PCB, entre eles o meu pai, cassados por motivos políticos antes de 1964, em plena democracia. Aos 70 anos, desistiu de concorrer a mais uma reeleição, considerada certa.


Essas ilustres desistências me fazem lembrar Jep Gambardella, do filme A Grande Beleza, na festa dos seus 65 anos: “Minha descoberta mais consistente, neste momento da vida, é que já não posso perder tempo fazendo coisas que não valem a pena”. Temo que, diante da paisagem política atual, a mesma “descoberta consistente” – perder tempo com coisas que não valem a pena – tenha ocorrido a esses quatro personagens fundamentais da cena política rio-grandense, em relação à atividade parlamentar.