08 de outubro de 2014 |
N° 17946
MARTHA MEDEIROS
Cara limpa
Não sou analista política e não
tenho conhecimento para avaliar o que faz com que um candidato se eleja e outro
não. São inúmeras as variantes que levam a um determinado resultado, mas uma
coisa me chamou a atenção nesse pleito: o discurso ensaiado não comove mais.
É tanta coisa em jogo numa
eleição que os políticos se cercam de marqueteiros e assessores a fim de não
desperdiçarem nem um segundo do seu tempo. Cada palavra, cada verbo, cada
expressão é meticulosamente estudada para provocar tal e tal reação. Dá certo nas
propagandas de maionese. Quando o produto é gente, não é bem assim: o eleitor
percebe não só a embalagem e o slogan, mas o que fica subentendido.
Coloque uma câmera de TV na
frente de qualquer pessoa e diga: está no ar, pode começar a falar. Não é fácil
para ninguém. Nem para amadores, nem para profissionais. Porém, tem sido mais
danoso justamente para os profissionais, que ao se tornarem figuras públicas
assumem uma imagem farsesca e esquecem quem são de verdade. Ficam empertigados
e exageram na sisudez. Não se permitem coçar a cabeça, sorrir, brincar. Mantêm
o esqueleto rígido e a voz grave para transmitir autoconfiança absoluta. Mas
quem é tão autoconfiante assim?
Estamos sedentos de gente
espontânea, sincera, natural e falível. Gente que assume ter dúvidas e que se
coloca disponível para tentativas reais, não para feitos heroicos. Sartori foi
um exemplo. Recebeu mais de 2 milhões de votos e desconfio que metade de seus
eleitores nunca tenha ouvido falar dele antes de agosto. Por que angariou tanta
simpatia? Porque não agia como um boneco de corda, não tinha o texto decorado
na ponta da língua, não se apresentou como super-herói. Extra, extra!
Havia alguém com essas
características também na corrida presidencial: Eduardo Jorge, do PV. É claro
que é mais fácil ser natural quando a visibilidade é pequena. Não tendo nada a
perder, nenhuma declaração é arriscada. Mesmo eu levando essa vantagem dele em
consideração, me pareceu outro exemplo de autenticidade.
A empáfia é cafona. Já não há
paciência para lideranças empostadas e inacessíveis. Saindo da política para a
religião: até os ateus saúdam o papa Francisco, por quê? Ora, porque tem gente
ali dentro. Não é uma carcaça blindada circulando pelo mundo. Ele está no meio
de nós – mesmo.
Falar com o coração, se abrir,
desarmar-se, nada disso garante que a criatura será um bom governante.
Naturalidade sem bons projetos, experiência e instrução não serve para nada.
Ainda assim, prefiro quem mostra a cara àqueles que usam máscaras. Estou em
campanha pela espontaneidade – na política e fora dela. Basta de semideuses de
fachada. É hora de voltarmos a ver gente transmitindo alguma emoção.