quinta-feira, 9 de outubro de 2014


09 de outubro de 2014 | N° 17947
MÁRIO CORSO

Gambiarra

Sabe a gambiarra, aquele atadinho com arame que se eterniza nos caminhos do cotidiano? É aquilo que fazemos apressadamente e não voltamos para corrigir. O interruptor que só fica ligado com ajuda do clipe, o vazamento amarrado com pano, a joaninha no lugar do botão. Tenho alergia a esses enjambres.

Meu pai dizia que do futuro nunca se sabe, então, por que não fazer também um curso prático? O conselho era bom e fiz. Escolhi e me formei como torneiro mecânico pelo Senai (já posso ser presidente!). Nunca duvidei de que iria estudar Engenharia, logo, essa escolha seria também um passo nessa direção.

No Senai, encontrei o meu mestre zen da paciência e da meticulosidade. Jorge, meu instrutor de mecânica, era contra todas as formas de gambiarra e classificava os mecânicos em dois grupos: os que usam todas as ferramentas e os que fazem tudo com o martelo. Na improvisação da ferramenta para ganhar tempo, o resultado até pode ser igual, ou de uma diferença imperceptível, mas às vezes quebramos a peça, quando não quebramos o martelo. Enfim, ele lutava contra o espírito da pressa, da improvisação de materiais e instrumentos.

Claro, numa emergência o improvisador ganha, pois é necessário criar com o que se tem à mão. Ali a genialidade é fazer a melhor gambiarra. Mas, em situações corriqueiras, ela é a malandragem para terminar logo, a economia nos detalhes para tapear. É o vai de qualquer maneira ao menor custo. O que Jorge nos ensinava é que a gambiarra, mais do que uma maneira desleixada de produzir, é uma atitude, um jeito de ser. A esperteza é uma solução que não inclui o futuro: ali na frente aparecerá o furo.

Não levava jeito para mecânica e nem terminei a Engenharia. Mas posso dizer que aprendi que os atalhos sempre cobram seu preço. Luto contra a improvisação desde então e ela segue me irritando. Afinal, vivemos no país do jeitinho.

A escravidão marcará o Brasil por muito tempo ainda. Uma das coisas que fundou nossa concepção do trabalho foi a alienação a ele. A única saída do escravo para se proteger de ser desgastado como uma ferramenta, de ser visto como um bem não durável e descartável, era se esquivar das tarefas.

O jeitinho brasileiro é o herdeiro dessa malandragem defensiva. Quando combato em mim a gambiarra, me identifico com o país que ainda não elaborou totalmente esse aspecto do seu passado. Jorge intuía que a nossa saída era criar uma nova ética do trabalho como forma de mudar a manemolência nacional.

Pois é, do futuro nunca se sabe mesmo. Paradoxalmente, fui parar em outras praias, trabalhando com a vida das pessoas, onde não existe uma maneira única de ser. E é tão difícil a empreitada da vida, que, mesmo quando nossa subjetividade é colada com durex, tá valendo.


Mário Corso substitui Luis Fernando Verissimo, que está de férias.