02 de novembro de 2014 |
N° 17971
L. F. VERISSIMO
Sob o vulcão
O pintor inglês Joseph William
Turner (1775-1851) é considerado por muitos um precursor da arte moderna. Sua
fascinação com os efeitos da luz e da atmosfera na percepção e na reprodução da
natureza só seria igualada, anos depois, em Monet, que inaugurou o impressionismo.
E, principalmente nas suas paisagens marítimas, Turner ultrapassou o
impressionismo precoce e foi, também, o primeiro abstracionista.
Há uma teoria segundo a qual as
fantásticas cores difusas dos céus pintados por Turner eram resultado da presença
no ar da cinza expelida pelo vulcão Tambora, na Indonésia, em 1815. A luz
filtrada pela cinza chegava aos olhos de Turner dispersada, numa combinação de
cores nunca vista – pelo menos por outros pintores. De acordo com a teoria, uma
história da arte honesta teria que atribuir a invenção do abstracionismo ao
Tambora, tanto quanto ao Turner.
A explosão do vulcão na ilha
Sumbawa, do arquipélago indonésio, a maior registrada na História até então,
teve outros efeitos, climáticos e artísticos. As cinzas vulcânicas cobriram boa
parte do planeta, afetando, entre outras coisas, a produção agrícola e
acrescentando milhares de mortos por desnutrição aos mortos diretamente pela
erupção.
Na Europa, o ano de 1816 foi
chamado de o Ano sem Verão, pois foi um ano em que o sol não apareceu. Também
sob a sombra das emanações do Tambora, em 1816, numa casa perto do lago de
Genebra, dois ingleses ociosos criaram dois monstros arquetípicos que ficariam
como símbolos literários do tempo cinzento. Mary Shelley escreveu Frankenstein,
e John Polidori inventou um vampiro, protótipo do Drácula que Bram Stoker
popularizaria mais tarde. Há outra teoria segundo a qual o Tambora também foi
coautor dessas obras.
E nós com o Tambora? Nada. Só
cabe, talvez, uma reflexão sobre a influência que algo remoto como um vulcão na
Indonésia pode ter na vida de todo mundo. Substituam-se as nuvens negras do
vulcão pairando no ar por este sentimento de tragédia iminente que nos cobre,
com a multiplicação de guerras cada vez mais cruentas, o fosso cada vez maior
entre ricos e pobres, as evidências agora inegáveis do aquecimento da Terra e
do desastre ecológico que vem aí, as novas tecnologias que em vez de aproximar
as pessoas as dividem e embrutecem, o horror do contágio mortal por um vírus da
miséria incontrolável, este clima de fim de século embora a século recém tenha
começado –e temos razões suficientes para pensamentos cinzentos.
Fora isso, minhas férias foram
ótimas.