06 de novembro de 2014 |
N° 17975
L. F. V
A longa indigestão
Quando o Brizola se convenceu de
que não chegaria à Presidência da República, consolou-se com uma sentença: a
elite brasileira teria que engolir um sapo barbudo em seu lugar. Quem estava
vivo e consciente na época se lembra do quase pânico provocado pela perspectiva
do Lula no poder. Oitocentos mil empresários fugiriam do país.
Ninguém sabia ao certo o destino da sua
prataria, nem de suas cabeças. A ideia de engolir um sapo, ainda mais um sapo
com uma ameaçadora barba cubana, era revoltante. Mas fazer o quê? Lula foi
eleito legalmente, o sapo foi deglutido e empossado. E o pior não aconteceu.
Poucos empresários emigraram e os que ficaram, principalmente do setor
financeiro, não se arrependeram. E ninguém foi guilhotinado.
É verdade que o PT tratou de
tornar-se mais palatável para ser eleito. Prometeu seguir o modelo econômico
vigente, com alguns ajustes na área social para honrar seu passado e seus
compromissos de campanha, mas sem fazer loucuras.
E o sapo barbudo desceu pela
goela da nação com a suavidade possível. Já a sua digestão foi outra coisa. Não
se muda de dieta tão radicalmente sem consequências ao menos gástricas. Pela
primeira vez, o Brasil tinha na Presidência um ex-operário, vindo das lutas
sindicais, que errava a concordância verbal mas mobilizava a massa.
Com todas as suas precavidas
concessões ao status historicamente quo, o PT não deixava de representar a
“classe perigosa”, como a nobreza francesa chamava os pobres antes da
Revolução, no poder, o que também não ajudava o metabolismo. A resistência do
patriciado brasileiro ao PT tem várias causas: diferenças ideológicas,
interesses contrariados, medo, a própria arrogância do partido no governo e
suas quedas na corrupção e – especialmente inadmissíveis – os seus sucessos:
distribuição de renda, políticas sociais, desemprego baixo etc. – mas o ódio ao
PT só se explica como má digestão.
Doze anos de indigestão: é
compreensível a irritação causada pela eleição de mais quatro anos de PT no
governo e a continuação da praga do Brizola. Os que se manifestam contra uma
suposta fraude no pleito apertado e pedem o impeachment dos vencedores estão
exercendo o direito de todo perdedor, o de espernear.
Só achei curioso ver, desfilando
numa manifestação na Avenida Paulista, uma faixa que pedia a volta dos
militares ao poder. Teoricamente, não é preciso mais de três pessoas para fazer
e carregar uma faixa daquelas: uma para pintá-la e duas para segurá-la. Fiquei
pensando em quantas pessoas no desfile, além das três hipotéticas, concordavam
que outra ditadura militar é preferível ao PT no governo. Talvez ninguém,
talvez a maioria. Nunca se sabe o efeito da má digestão num organismo.