06 de novembro de 2014 |
N° 17975
ARTIGO ZH
A GAIOLA DAS CERTEZAS
Houve um tempo em que a
responsabilidade social da universidade se limitava à formação de pessoas e à
produção de conhecimento. Mas isso já vai longe no passado. Hoje, a
universidade expande seu foco e agrega à sua missão a atuação direta no
processo de desenvolvimento econômico da sociedade. Isso representa desafios na
geração de condições para o desenvolvimento e também a necessidade de análise
crítica desse processo de criação de valor e suas consequências.
O cenário exige mudanças,
especialmente para os pesquisadores. É preciso olhar para além do conhecimento
produzido; é preciso pensar em como podemos criar as pontes entre o saber e sua
aplicação. Às vezes, até, é preciso colocar a mão na pá e na massa e ajudar a
construir essas pontes. Não é nossa expertise, naturalmente. Não é para isso
que fomos moldados. Mas é isso que, cada vez mais, a sociedade espera de nós.
Certamente essa atitude seria justa, digna e legítima.
Dostoiévski diz que tememos não
ter certezas e, por isso, trocamos o voo (que representa o novo) por gaiolas,
que “são o lugar onde as certezas moram”. É, não é fácil voar. Como
pesquisadores de universidades, temos importantes diferenças em relação aos
parceiros na construção do desenvolvimento, como empresas e governo.
São diferentes nossos objetivos,
nossa linguagem e nossos tempos. Isso não impede que possamos trabalhar juntos,
mas nos coloca, muitas vezes, no vazio de um caminho ainda não trilhado. Até
onde olhamos para o saber construído, pensando nas necessidades da sociedade, e
quando começamos a atuar demandados por elas? Qual o limite entre exercer nossa
necessária imparcialidade para refletir sobre os problemas sociais e nos pautar
por eles?
Sim, o voo é incerto. Queremos
que nosso conhecimento seja aplicado, sem dúvida. Mas trabalhar para isso
desacomoda, traz o desconhecido e requer um novo olhar. Por isso, apesar de
vivermos novos tempos, nós, pesquisadores, podemos decidir nos dedicar ao nosso
principal papel, que fazemos bem e no qual ninguém pode nos substituir:
produzir conhecimento. É justo, é digno e é legítimo. Mas é a nossa gaiola das
certezas.
Diretora de inovação de
desenvolvimento da PUCRS - GABRIELA FERREIRA