09/11/2014 02h00
Folha
Após eleição, descontentes da classe
alta 'desistem do Brasil' rumo a Miami
A
designer Malu Guerra, 48, seu marido, o consultor José Arnaldo Navarro, 52, e
os filhos, Caio, 9, e Isadora, 7, começaram a se despedir do Brasil. Os móveis
do apartamento nos Jardins, zona nobre de SP, foram empacotados na segunda
passada. O destino é Weston, subúrbio chique de Miami, onde vão morar a partir
de 15 de dezembro.
O
casal é parte de um contingente de brasileiros de classe média e alta que,
decepcionados com os rumos da política e da economia, estão indo embora ou
planejam deixar o país no futuro próximo. "O resultado da eleição
presidencial confirmou a minha opção", afirma a empresária à repórter
Eliane Trindade.
Dona
de um escritório de design gráfico, a paulistana conta que ficou
"arrasada" com a derrota de Aécio Neves. "Não esperava que o
governo dele fosse ser o máximo, mas estava acreditando que as coisas iam
mudar."
Não
se trata de bravata à la Lobão. O cantor alardeou sua intenção de ir embora
caso Dilma fosse reeleita, mas voltou atrás. Também não é um êxodo de dimensões
apocalípticas como o anunciado por Mario Amato, em 1989, quando declarou que
800 mil empresários fugiriam do país se Lula virasse presidente. Collor venceu
as eleições.
Agora,
o coro dos descontentes ecoa nas redes sociais com a hashtag #desistidobrasil.
A maioria não passa de blá-blá-blá. Como no vídeo em que a modelo, atriz e
jornalista Deborah Albuquerque, 29, chama eleitores do PT de "imbecis e
miseráveis": "Me preparando para viajar para Orlando. Sou rica,
bem-sucedida". A gravação foi curtida por 63 mil pessoas e compartilhada
210 mil vezes.
Passadas
duas semanas, ela admitiu ao repórter Joelmir Tavares que fez o vídeo "no
calor do resultado". "Na hora que vi a Dilma reeleita, planejei de
fato ir embora. Mas tenho uma carreira aqui." "O brasileiro está de
fato desestimulado, mas entre dizer que vai mudar e mudar efetivamente é um
passo longo", constata Marcello Agostini, agente imobiliário em Miami,
eldorado dos insatisfeitos.
Em
vez de fazer as malas para ir morar com o pai nos EUA, a loira que interpreta a
personagem Barbie Fitness foi ao protesto na Paulista, no dia 1º, no qual
alguns manifestantes pediram, por exemplo, a volta dos militares.
Mas
o "#projetofui" também ganha contornos reais. "A condição
política exacerbou o processo para pessoas que tinham o pensamento de desistir
do Brasil. "Já desanimados com a economia, muitos agora decidiram vir para
cá de vez", constata Carlos Eduardo Gonçalves, sócio do FL Alliance Group,
que faz consultoria imobiliária e jurídica para quem quer se estabelecer na
Flórida.
Mercado
que oscilou ao sabor das pesquisas eleitorais. Segundo Luciana Puggina, também
do Alliance Group, o movimento de clientes brasileiros "in loco" teve
aumento de 30% no vaivém da eleição presidencial. Com a subida de Aécio na reta
final, a procura parou, "mas voltou com volume bem maior horas após o
resultado".
De
malas prontas, Malu usou os serviços de consultoria para agilizar a mudança e
abrir sua empresa nos EUA. E explica seu "bye bye Brasil": "Abri
meu negócio há 18 anos, já tive 20 empregados e hoje tenho oito. Esse ano de
Copa e eleições foi muito difícil. A sensação é de que aqui não há mais
oportunidades nem se sabe o que vai acontecer no país. Já Miami está
fervendo".
Os
temores a fizeram adoecer. "Tava explodindo, minha pressão não baixava nem
com remédio." O marido também lidava com altos e baixos da vida de
consultor. Foi visitar uma amiga em Miami e um mês depois voltava para olhar
imóveis e dar início à burocracia.
"Comprei
uma casa que é o sonho americano." Matriculou os filhos numa escola
pública a menos de 1 km
de seu condomínio, onde imóveis custam a partir de US$ 350 mil. "Eles vão
poder ir a pé ou de bike. Em São Paulo moro em frente ao Clube Pinheiros e eles
nunca atravessaram sozinhos a rua para ir lá."
Financiou
60% da casa em 30 anos. Vai pagar US$ 3.800 por mês, quase a mesma soma da
escola particular (R$ 7.000) e do condomínio (R$ 3.400) em SP. Mesmo com noção
de que vai se colocar em um mercado competitivo e sob efeito da crise mundial,
ela acredita que "nada se compara com o Brasil".
Para
Caru Guariento, 45, assistente de direção, nada se compara a São Paulo. Mais do
que desistir do Brasil, ela cansou da megalópole. "Cheguei a pensar em
mudar de Estado, mas optei pelo Chile." Programa desembarcar de mala e
cuia em Santiago, capital chilena, com a filha de 10 anos, daqui a um ano.
"Quero uma vida mais simples, com custo menor."
O
combustível da mudança não foi a decepção eleitoral. "Votei no Aécio, mas
espero que a Dilma consiga resolver os problemas do Brasil." O empurrão
final veio com a crise hídrica sob administração do tucano Geraldo Alckmin.
"O estopim da falta de água só veio confirmar o quão despreparada São
Paulo está. Falta também planejamento em urbanismo e mobilidade, e não é de
hoje."
A
geografia, a organização e o "lifestyle" fazem a balança pender para
Miami, no caso da carioca Patrícia Brandão, 51. "Lá, você tem praias
quentes, população 70% latina e um jeito de viver festivo como o nosso, só que
com regras e serviços americanos", enumera a consultora de luxo, que
mantém apartamento na cidade para férias, mas cogita transformá-lo em
residência ao longo do próximo mandato de Dilma.
"O
Brasil produtivo ficou decepcionado com o resultado da eleição", diz.
Ilustrou sua decepção com foto de Aécio e Fernando Henrique no Instagram.
"Esse é o Brasil que me orgulha e representa. Vou ser expatriada durante
os próximos quatro anos #mudabrasil". "Usei a palavra expatriada como
sentimento. Não é assim: 'ah, vou me mudar'." Mas ela pretende ficar mais
lá do que aqui a partir do fim de 2015, quando a filha vai se preparar para
entrar numa universidade americana.
O
estudante Lucas Sanchez, 21, está há dois meses em Miami fazendo um curso. Ia
passar seis, mas aceitou convite para tocar a unidade do restaurante brasileiro
Paris 6, prevista para ser inaugurada na cidade em 2015. Filho de Andrès
Sanchez, ex-presidente do Corinthians e recém-eleito deputado pelo PT, Lucas se
apressa em dizer: "Não desisti do meu país".
"Vou
aproveitar essa oportunidade para crescer, aprender. Não é para sempre. Um
amigo meu ficou só seis meses. Não se adaptou. Em todo lugar, tem coisas boas e
ruins." Lucas brinca que está entre os 8,21% dos brasileiros de Miami que
votaram em Dilma, ante os 91,79% de votos dados a Aécio, maior vantagem
proporcional do tucano nas eleições.
Seu
patrão, Isaac Azar, que continua morando em SP ("pois minha mulher não
topa ir para Miami"), diz que desistir do Brasil não é questão de ser
petista ou tucano. "Seja Dilma seja Aécio, para governar tem que compor
com o PMDB e fazer concessões em nome da governabilidade que acabam atrasando o
desenvolvimento do país."
É o
que faz empresários como ele, cansados da insegurança, procurarem novo porto
para seus investimentos, além da promessa de qualidade de vida. "Dinheiro
não tem pátria", lembra Isaac, sobre a recente revoada de brasileiros
afugentados pelo custo Brasil ou pelo "custo Brasília".