domingo, 9 de novembro de 2014


ELIO GASPARI

O lado Steve Jobs de Dilma

Como o gênio da Apple, ela opera com um 'campo de distorção da realidade', mas a conta vai para os outros

Na sua biografia de Steve Jobs, Walter Isaacson mostra que o gênio da Apple operava com um "campo de distorção da realidade". Um sujeito trazia uma ideia, ele dizia que era estupidez e dias depois anunciava que tivera uma grande ideia, a mesma. Se uma ideia dele acabava em encrenca, era de outro. Jobs lidava à sua maneira com a verdade.

A doutora Dilma não é nenhum Jobs, mas confirmou que opera com um campo de distorção da realidade. Ao mesmo tempo em que seu governo anunciava ter aceito o pedido de licença de Sérgio Machado, presidente da Transpetro, soltava a informação de que ele não voltaria ao cargo. Claro, o afastamento do doutor fora uma exigência da empresa que audita as contas da Petrobras. Desde setembro sabia-se que ele estava no catálogo de percentagens mostrado pelo "amigo Paulinho" ao Ministério Público. Em áudio, ele informou que recebera de Machado um capilé de R$ 500 mil.

É comum que se disfarcem os defenestramentos de hierarcas, mas a doutora exagerou. E não foi só nesse caso. Durante os debates da campanha, disse duas vezes que "Paulinho" foi demitido da diretoria da Petrobras. Falso. Ele renunciou e foi elogiado pelo ministro Guido Mantega na ata que registrou seu desligamento.

Dois outros episódios mostram que a doutora opera temerariamente no campo de distorção da realidade. Em 2009 o repórter Luiz Maklouf Carvalho revelou que, apesar de ser apresentada oficialmente como doutora em economia pela Unicamp, ela nunca recebera o título, pois não concluíra o curso. Em setembro passado ela repetiu que "fui para a cadeia por crime de opinião". A jovem Dilma Rousseff foi para a cadeia por ter pertencido a duas organizações envolvidas em atos terroristas. O Comando de Libertação Nacional, que ajudou a fundar, dizia em seu programa que "o terrorismo, como execução (nas cidades e nos campos) dos esbirros da reação, deverá obedecer a um rígido critério político". (Com esse cuidado, em 1968, antes do AI-5, mataram um major alemão pensando que fosse um capitão boliviano).

Steve Jobs adaptava a realidade, mas mexia apenas com os interesses dos acionistas da Apple. A doutora governa um país de 202 milhões de habitantes.

HOMEM-PAIOL

A entrada de Augusto Mendonça no plantel de empresários que estão colaborando com a Viúva nas investigações das petrorroubalheiras pode ultrapassar em importância a adesão do "amigo Paulinho" e do operador financeiro Alberto Youssef.

Mendonça tem mais de vinte anos de experiência no mercado, foi um líder de sua classe e presidente da Associação Brasileira de Empresas de Construção Naval e Offshore.

Seu acervo de informações é mais rico que o de "Paulinho" e mais amplo que o de Youssef.

Se o Ministério Público tiver interesse, Mendonça poderá mostrar estruturas e plataformas de negócios que existiam na Petrobras antes da chegada do comissariado ao poder. Afinal, na Petrobras pode-se demonstrar que Lula se engana quando diz que o Brasil começou em 2003.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e acha que o ministro Marcelo Nery confundiu-se quando justificou ideia do Ipea de aguardar o resultado da eleição para revelar um estudo que apontava para um pequeno aumento do número de miseráveis em Pindorama.

Ele disse que "a decisão de não divulgar nada no período eleitoral foi tomada de forma autônoma pela diretoria do Ipea para preservar a instituição".

O cretino acha que ele queria dizer o seguinte: "A decisão de não divulgar nada no período eleitoral foi tomada para preservar os diretores da instituição". (E o doutor Nery.)

BASTARDOS GLORIOSOS

Para quem gosta de histórias da Segunda Guerra e de música, está na rede um grande livro. É "Leningrad: Siege and Symphony" ("Leningrado -- O cerco e a Sinfonia, a história de uma cidade aterrorizada por Stalin, esfomeada por Hitler e imortalizada por Shostakovich"). O jornalista inglês Brian Moynahan fez uma prodigiosa narrativa, contando a vida cultural de uma cidade sitiada pelo alemães de 1941 a 1944, enquanto o compositor Dmitri Shostakovich compunha sua Sétima Sinfonia, a "Leningrado". O que aconteceu ali supera Hiroshima, Nagasaki e Dresden. No dia 9 de agosto de 1942 os alemães estavam a 14 quilômetros, as pessoas caíam na rua, mortas de fome, e a orquestra da cidade emocionou o mundo tocando a "Sétima" para uma plateia que não sabia o dia de amanhã. A fome matara 27 de seus músicos e o trompetista que tocaria um solo teve um edema pulmonar durante a execução.

Moynahan conta que em 1941, quando os alemães estavam a poucos quilômetros de Moscou, eram esperados por uma surpresa. Sabia-se que, entrando na cidade, os generais de Hitler iriam para o melhor hotel, o Moskva. Certamente visitariam o Kremlin, gostariam de ver um balé no Bolshoi e, com sorte, confraternizariam com suas bailarinas. O hotel tinha uma tonelada de explosivos no porão. (A equipe que colocou as 58 caixas lá foi fuzilada e a carga só foi descoberta em 2005.) Os palácios e o teatro também explodiriam. Quanto às bailarinas, aprenderam a usar granadas. Era uma versão realista do "Bastardos Inglórios".

ARMA-SE UM PINEHIRINHO 2.0

Em dezembro de 2005 cerca de 100 pessoas invadiram o terreno de uma fábrica desativada em Guaianases, na periferia de São Paulo. Começou-se a escrever ali um capítulo da inépcia da máquina do Estado que poderá resultar num novo e pequeno Pinheirinho, episódio durante o qual a Polícia Militar desalojou cinco mil pessoas que haviam invadido uma propriedade do empresário Naji Nahas, destruindo-lhes as casas.

Os donos do terreno, no exercício do seu direito, requereram a reintegração da posse. O caso arrastou-se por nove anos. O terreno ocupado é hoje parte do bairro de Jardim Lourdes, com 160 edificações de alvenaria, comércio e infraestrutura. A prefeitura demarcou a área como Zona Especial de Interesse e nela só podem ser construídas habitações populares.

A Justiça marcou para o próximo dia 25 a desocupação da área, que resultará no despejo das famílias e na demolição das casas. Numa fracassada audiência de conciliação, moradores ofereceram-se para pagar pelo terreno, cujo valor é inferior ao das casas que serão demolidas.


O poder público não expulsou os invasores, muitos deles venderam os lotes e o mesmo Estado que custeia o Minha Casa, Minha Vida demolirá seus imóveis. Expulsos, os moradores ficarão sem teto e entrarão na fila dos programas de habitações populares. Imagine-se uma hipótese: a família é expulsa, o dono do terreno faz um conjunto popular e a mesma família vai morar no endereço onde existia sua casa.