10
de novembro de 2014 | N° 17979
CÍNTIA
MOSCOVICH
A semana e os dias
Sabe
aquela semana de tantos acontecimentos que até parece, sei lá, que o universo
quer mesmo nos dizer alguma coisa? Pois eu tive uma semana dessas.
Sábado
retrasado, na nossa Feira do Livro, Martha Medeiros autografava Paixão Crônica,
Felicidade Crônica e Liberdade Crônica, box publicado pela L&PM. A
escritora Claudia Tajes e eu escrevíamos, cada qual em sua casa, mas decidimos
ir beijar a Martha. Mal entrou no carro, a Claudia tirou da bolsa um exemplar
de Diário de Inverno, de Paul Auster: não que eu reparasse que as folhas
estavam meio amassadinhas, ela tinha lido várias vezes, mas queria muito que eu
tivesse o livro.
Aceitei
relutante, compreendendo que a amiga me presenteava com algo de real valor. A
satisfação foi completa quando, na Feira, a fila para os autógrafos da Martha não
tinha fim: uma escritora tratada como astro pop é de aliviar a alma.
Tempo
que passa. Na segunda-feira, uma amiga nos convidou a assistir ao ensaísta e
escritor argentino Alberto Manguel, que encerrou o Fronteiras do Pensamento. Autor
de Uma História da Leitura, Manguel falou, claro, sobre leitura e o trabalho do
escritor. Num espanhol platino de dicção claríssima e suave, Manguel, aos
poucos, puxou a plateia para um mundo de silêncio contemplativo, para uma
biblioteca imaginária com todos os livros que ele havia lido e com todos por
ler.
Quem
esteve no Salão de Atos da UFRGS soube que Manguel nutre pelos livros um amor
sensual e abrasador, como se a leitura fosse o ato de intimidade mais extremo
de uma pessoa, como se o prazer intelectual se equiparasse em erotismo ao mundo
da carne.
Falando
sobre o trabalho do escritor dentro da lógica do consumo e da internet, Manguel
disse que cederia seus livros gratuitamente quando todos trabalhassem sem
cobrar – causando um constrangimento divertido na plateia. Fomos embora da
palestra seguros de que a imaginação e a inteligência são os territórios
exclusivos da liberdade.
Ao
chegar em casa, o Diário de Inverno me esperava na mesa de cabeceira. Senti
orgulho por ser leitora e por ser escritora. Embora segunda-feira, a semana já estava
completa.