11 de janeiro de 2015 |
N° 18039
MOISÉS MENDES
Maomé
Entre na Redação de um jornal
brasileiro e pergunte de mesa em mesa se alguém faria humor com Maomé, com o
Islã ou com extremistas muçulmanos. Depois desafie alguns, dependendo das
respostas, a elaborar uma charge sobre Maomé, mesmo que não saibam desenhar
direito.
Se você não encontrar ninguém que
cometa o atrevimento, isso pode significar muita coisa e pode também não
significar quase nada.
Pode querer dizer somente que a
maioria não zombaria de Maomé – porque não há motivo para isso, por respeito às
convicções religiosas dos outros, porque este não é um tema que esteja no foco
de um jornalista brasileiro, ou por medo.
Mas alguém dirá que faz qualquer
piada, em nome da liberdade de expressão. E outro pode dizer que faz humor com
Deus e com o Papa argentino, mas não com Maomé.
Nos sentimos à vontade para
satirizar deuses, santos e diabos que estejam sempre a nossa volta, mas
acusamos um certo desconforto ao brincar com os profetas dos outros.
E por que os europeus se divertem
com a imagem de um Maomé que teria sido corrompido pelos próprios adoradores?
Os franceses debocham de quase tudo e a imigração de muçulmanos mudou a vida
deles.
Mas a racionalidade ocidental, em
que até as nossas transcendências têm de expressar alguma supremacia, não
estaria reduzindo Maomé, sistematicamente, a um inspirador de ações do mal?
Reproduzimos o que condenamos – as distorções de percepção dos extremistas?
É o atrevimento de artistas que
radicalizam a liberdade, sem concessões a medos e a eventuais represálias. Têm
até o “direito”, como disse um deles, de perder a vida para não ficar de
joelhos e perder a piada.
Os chargistas da Charlie Hebdo
deveriam então ter evitado a ira dos assassinos? Eles foram adiante e disseram
não. Mas sabiam que, contra os lápis que usavam, as armas de seus algozes
poderiam ser fuzis Kalashnikov.
Em outubro, quando o Tribunal
Superior Eleitoral decidiu censurar a propaganda partidária na TV, eu escrevi
contra. O duvidoso moralismo do TSE não tinha o direito de tutelar o eleitor e
privá-lo de ver e ouvir baixarias.
Esperei que vozes fortes pela
liberdade de expressão se manifestassem. Esperei. Tive minguada parceria. E
mesmo assim esperei, esperei e continuo esperando.
Digo isso aos que estiverem
deduzindo, por leituras tortas, que defendo restrições a críticos de profetas
ou aceito a barbárie como reação legítima. Não! Repito, com três pontos de
exclamação: não!!!
O que desejo é que o cinismo de
uma certa direita (que agora é Charlie...) não enuvie o entendimento do que os
chargistas faziam. Entre as milhares de charges em homenagem aos mortos, um
desenho mostra o cartunista degolado pondo a língua para o carrasco pelo toco
do pescoço.
É cruel? É o tipo de humor que
eles certamente gostariam de ver em seus velórios. Sim, desta vez você pode
chorar e rir com os mortos.
Para encerrar, a quem interessar
possa, não tenho religião. E não acho graça nas charges que estabelecem alguma
relação entre o terrorismo e Maomé.