A sedução das
vitaminas
Quem
garante a segurança e a eficácia da medicina alternativa?
CRISTIANE SEGATTO
09/08/2013 12h51
Sempre
que vejo uma celebridade fazendo propaganda de remédio ou vitamina, fico
curiosa para saber em qual categoria ela melhor se enquadra:
a) é
corajosa
b) é
desinformada
c) é
inescrupulosa
d) é
ingênua
Mesmo
que o cachê seja altamente compensador, é arriscado emprestar a própria imagem
a um produto que altera a saúde das pessoas – e nem sempre para melhor. Vender
remédio não é inofensivo como anunciar uma cama king size ou as últimas
tendências da moda.
Para
um medicamento convencional chegar ao mercado, ele precisa ser submetido a
rigorosos testes de segurança e eficácia. Milhares de pacientes, milhões de
dólares e anos de pesquisa são necessários para comprovar o benefício alegado.
A indústria farmacêutica é altamente regulada. Ainda assim, de tempos em
tempos, algum remédio é retirado do mercado porque, após anos de uso, se
descobre que ele aumenta o risco de morte e outros sérios danos.
E
aí? Como fica a imagem e a consciência da celebridade que anunciou o produto?
Imagine a conversa de botequim:
“Sabe
o fulano? Tomou o remédio do Bola de Ouro da Copa e infartou."
No
caso das cápsulas para ganhar músculos, suplementos vitamínicos que prometem
saúde e vitalidade, antioxidantes contra o envelhecimento, dietas de eliminar
esse ou aquele alimento e tantas outras ilusões, o problema é ainda mais grave.
As empresas não têm a obrigação de comprovar a eficácia e a segurança de nada.
Colocam apelos irresistíveis nos rótulos, contratam uma celebridade e pumba! Se
o consumidor se der mal, azar o dele.
Isso
não acontece só no Brasil. Metade dos americanos usa algum tipo de vitamina,
suplemento alimentar ou qualquer outra forma de medicina alternativa. É uma
indústria de US$ 34 bilhões por ano. Até a indústria farmacêutica tradicional
(a Big Pharma) está entrando nesse mercado. Em 2012, a Pfizer comprou a Alacer
Corporation, um dos maiores fabricantes de megavitaminas nos EUA.
Os
novos produtos e as novas promessas da chamada medicina alternativa são
anunciadas por celebridades e rapidamente viram febres de consumo. Geram
livros, programas de TV, capas de revista. Num piscar de olhos e em milhares de
“likes” de Facebook, ganham o mundo.
Muitos
brasileiros conhecem e adoram celebridades da TV americana como os médicos
Deepak Chopra, Mehmet Oz e Andrew Weil, três ícones da chamada “medicina
alternativa”. Eles e tantos outros promovem técnicas, terapias, dietas e
alimentos cujos benefícios para a saúde nunca foram comprovados segundo os
melhores padrões de evidência científica.
Um
dos maiores críticos do comportamento das celebridades em relação aos produtos
de saúde e da falta de comprovação científica da medicina alternativa é Paul A.
Offit, professor de pediatria da Universidade da Pensilvânia, nos Estados
Unidos. Offit é um cientista premiado que, entre outras realizações, ajudou a
desenvolver uma vacina contra o rotavírus, microorganismo que causa diarreia e
mata 450 mil crianças no mundo a cada ano.
Offit
é também um ótimo divulgador da ciência. Lançado em julho nos Estados Unidos e
ainda sem editora no Brasil, seu novo livro (Do you believe in magic? The sense
and nonsense and nonsense of alternative medicine) tenta explicar as razões da
popularidade de vitaminas e outros produtos ditos “alternativos”.
Para
Offit, a resposta é simples: os médicos são percebidos como pessoas
autoritárias e pouco atenciosas que só sabem receitar remédios sintéticos com
efeitos colaterais intoleráveis. A maioria de nós já sentiu isso, não é mesmo?
Enquanto
os médicos provocam esse tipo de reação negativa, as pessoas que vendem
práticas alternativas oferecem remédios naturais em vez dos artificiais,
conforto em vez de distância e atenção individual em vez de “pegue uma senha e
aguarde a vez de ser mal atendido”. É um apelo irresistível...
O
resultado de muitas terapias convencionais é desapontador, mas isso não deveria
ser razão para aceitarmos sem o menor senso crítico toda e qualquer prática
alternativa. Toda terapia (convencional, alternativa ou qualquer outra) deveria
ser submetida aos mesmos padrões de avaliação.
“Não
existe medicina convencional, alternativa, complementar, integrativa ou
holística. Existe medicina que funciona e medicina que não funciona”, diz
Offit. A melhor forma de descobrir em qual das duas categorias um produto ou
uma prática se enquadra é submetê-lo a estudos rigorosos e avaliar
cuidadosamente as evidências científicas já publicadas sobre ele.
OK,
ninguém espera que cada paciente entre numa base de dados científicos, leia os
artigos com olho de lince e decida racionalmente se deve ou não acreditar na
alegação de determinado produto. Offit fez esse trabalho e eu resumi os
resultados para você, leitor querido.
Depois
de reunir as evidências científicas disponíveis, ele chegou a uma conclusão
assustadora: dos 51 mil suplementos vendidos nos EUA, apenas quatro tiveram benefícios
inegavelmente demonstrados. São eles:
*
ômega-3 reduz o risco de doenças cardiovasculares
*
cálcio e vitamina D ajudam a prevenir osteoporose depois da menopausa
*
acido fólico consumido na gravidez prevenir defeitos de desenvolvimento no feto
Por
causa de uma lei de 1994, a agência que controla medicamentos e alimentos nos
Estados Unidos (FDA) não pode exigir que vitaminas e suplementos sejam testados
antes de serem vendidos. Às vezes eles são testados depois de chegarem ao
mercado. Quem faz o trabalho é o National Center for Complementary and
Alternative Medicine (NCCAM), um braço do instituto nacional de saúde do
governo americano.
Se
os pesquisadores financiados pelo NCCAM descobrem que os suplementos não
funcionam ou fazem mal à saúde, eles publicam os resultados nos periódicos
científicos. Não há recall. Não há mudança nos rótulos. Não há alerta da FDA.
Se as pessoas não leem artigos científicos, elas não vão saber que as alegações
das embalagens são falsas ou induzem a erro.
Desde
1999, quando foi criado, o NCCAM torrou US$ 1,6 bilhão estudando terapias
alternativas. O resumo dos gastos e das conclusões:
US$
374 mil para descobrir que inalar essência de limão e lavanda não cura feridas.
US$
390 mil para descobrir que remédios usados ancestralmente na Índia não
controlam o diabetes tipo 2.
US$
446 mil para descobrir que colchões magnéticos não tratam artrite.
US$
283 mil para descobrir que imãs não tratam enxaqueca.
US$
406 mil para descobrir que lavagens intestinais com café não curam câncer de
pâncreas.
US$
1,8 milhão para provar que orações não curam aids, nem tumores cerebrais, nem
tornam mais rápida a recuperação depois da cirurgia de reconstrução de mama.
Recentemente,
o NCCAM abandonou o estudo dessas práticas e decidiu usar os recursos para
avaliar os suplementos alimentares.
Alguns
dos achados:
Ginkgo
biloba não melhora a memória nem reduz o risco de Alzheimer. Estudo com 2.800
adultos, divulgado em 2012.
Erva
de São João não cura depressão. Estudo realizado entre 1998 e 2000 por onze
centros de pesquisa e 200 pacientes. Não houve diferença entre quem tomou a
erva e quem usou placebo (pílulas sem efeito terapêutico).
Alho
não reduz colesterol. Durante seis meses, 192 voluntários com colesterol
elevado ingeriram alho cru, pó de alho, extrato de alho ou placebo. Nenhuma
forma do preparado fez diferença no colesterol.
Extrato
de palmeira anã não reduz a próstata aumentada. Pesquisa realizada em 2006 com
225 homens com hiperplasia benigna da próstata. O estudo foi repetido cinco
anos depois, com doses mais elevadas e 369 homens. Nenhum efeito.
Extrato
de cardo-mariano (silybum marianum) não protege o fígado. Em 2011, um grupo de
150 pessoas infectadas com o vírus da hepatite C receberam o extrato ou
placebo. Não houve diferença entre os grupos.
Sulfato
de glucosamina e condroitina não melhoram dores nas articulações. Estudo
realizado com 1,5 mil pessoas, divididas em grupos: um grupo recebeu apenas a
glucosamina, outro apenas a condroitina, outro recebeu ambos. Um quarto grupo
recebeu placebo e outro recebeu uma droga antiinflamatória convencional
(Celebrex). Só o remédio funcionou.
Equinácea
não cura resfriados. Estudo de 2003 com mais de 400 crianças resfriadas. Um
grupo recebeu equinácea, outro recebeu placebo durante dez dias. A única
diferença: as crianças que usaram equinácea tiveram mais erupções cutâneas.
Há
uma crença arraigada no Brasil: a de que tudo o que é natural não faz mal. Não
é verdade. A natureza tem venenos poderosos. Muitas plantas e suplementos podem
causar sérios danos à saúde. Eles também podem impedir o efeito dos
medicamentos convencionais. Aqui uma boa lista das interações perigosas de
remédios, plantas e suplementos consumidos no Brasil.
Entre
1983 e 2004, o centro de controle de envenenamento nos EUA recebeu 1.3 milhão
de notificações de reações adversas a vitaminas, minerais e suplementos
alimentares. Dessas, 175 mil resultaram em tratamento hospitalar. Houve 139
mortes.
Segundo
estimativa da FDA, a cada ano ocorrem 50 mil casos de reações adversas a
suplementos nos Estados Unidos. Não há razão para imaginar que no Brasil a
situação seja diferente. Aqui um alerta da Anvisa.
A
indústria das vitaminas e dos suplementos foi bem sucedida ao criar uma falsa
dicotomia. De um lado, os produtos naturais (vitaminas, minerais, suplementos
alimentares, plantas e ervas) são divulgados como pretensamente seguros apenas
por que vieram da natureza. Do outro lado, estão os medicamentos. Como foram
criados pelo homem, eles seriam potencialmente mais perigosos. Não é verdade.
Ambos
podem ser inseguros e ineficazes. Ambos só deveriam chegar ao mercado depois de
submetidos aos mesmos padrões de avaliação. Com método, rigor, e transparência.
Como lembra Offit, existem apenas dois tipos de medicina: a que funciona e a
que não funciona.