sábado, 22 de março de 2014


23 de março de 2014 | N° 17741
FABRÍCIO CARPINEJAR

Deixa comigo

Sofro de cacoete de vereador. Prometo antes de cumprir, me comprometo antes de pesar as consequências.

Minha generosidade é de véspera. É como assinar antes de escrever a carta. É como preencher um cheque e não abrir a conta.

Sempre posso tudo. Antes de fazer, já estou falando, já estou comemorando, já estou acertando detalhes.

Atropelo ao tirar a palavra da boca. Não verifico a disponibilidade, não sondo as chances, subestimo esforços anteriores, já confesso que será barbada, que convivo com gente capaz de facilitar o trâmite e que basta um telefonema.

É um exagero só, passo a impressão de que experimento o centro do poder de qualquer assunto. Para impressionar os envolvidos, transformo meros conhecidos em grandes amigos, converto pessoas importantes - que jamais encontrei – em confidentes.

Improviso um gabinete na varanda. Armo uma tenda de milagres na cozinha.

Em vez de ficar quieto e resolver, em vez de solucionar secretamente e anunciar o feito apenas quando realmente é certo, assumo a pendência na primeira conversa. Não declaro meus limites, muito menos respeito às peculiaridades de cada situação.

A honestidade depende do senso de realidade. E fantasio de modo inconsequente.

Há uma falsa onipotência me reinando, um Napoleão adormecido em minha mente, um Kublai Khan sedado em meu sangue.

Sim, gostaria de ajudar, mas a vontade maior é de se sentir importante ajudando. Como se precisasse eternamente do voto dos meus amigos.

Prometi um emprego ao Diego, prometi encontrar uma editora para Beto e Éverton, prometi um marchand para Tiago, prometi apressar uma cirurgia para Geverson... Todos estão esperando religiosamente. Já foram meses, e não obtive nenhum resultado. Não vingou minha influência, não rendeu minha lábia, não alcancei nenhum privilégio. Tentei, e tampouco fui ouvido, igual a eles.

E agora, o que respondo?

Serei obrigado a dizer um “não” constrangido quando poderia ter dito um “não” altivo.

Eu me decepciono frustrando os outros. Criei expectativas à toa. Mexi com destinos e alegria familiares impunemente. Não respeitei ciclos da vida e a ordem natural da burocracia, procurei demonstrar facilidades irreais.

Meu comportamento não decorre da falta de popularidade, é megalomania mesmo. Sou um hospital de caridade sem leitos, sou uma creche infantil sem brinquedos.


Deveria ser cassado, isso que nem tenho cargo eletivo.