sábado, 12 de setembro de 2020



12 DE SETEMBRO DE 2020
J.J.CAMARGO

A LIBERDADE DE ESCOLHA TEM LIMITES


Todos defendem, com veemência, o direito à liberdade de cada um, e ninguém contesta porque este é o mais elementar sustentáculo da democracia. O problema é que, tendo de ser, necessariamente, equânime para ser justo, esse direito esbarra no direito do vizinho sempre que ameaçar ou constranger a outrem. Porque, afinal, exercer a cidadania em sociedade significa que todos devem exigir o respeito mútuo.

Nesse sentido, é assustador o índice de brasileiros que se declararam contra a vacina, e nem estou incluindo neste contexto a declaração ambígua do presidente ("Ninguém será obrigado a vacinar!"), porque fosse qual fosse a resposta, ele seria acusado de irresponsável ou de ditador. Era só uma questão de escolha, e ele preferiu ficar com a lei.

A bizarra experiência brasileira do início do século 20 não parece despegar da nossa sina de subdesenvolvimento crônico. As epidemias davam ao Rio de Janeiro, àquela época, a fama de cidade empesteada e mortífera, afastando os estrangeiros, receosos de contrair doenças, especialmente a febre amarela e a varíola. Por outro lado, o planejamento urbano herdado do período colonial e do império não condizia mais com a condição de capital e centro das atividades econômicas do Brasil daquele período. Ela já era linda, mas precisava de um bom banho se sonhasse vir ser maravilhosa.

No dia 9 de novembro de 1904, foi publicado no jornal A Notícia (Rio de Janeiro) um plano de saneamento da cidade, incluindo a regulamentação da aplicação da vacina obrigatória, liderado pelo Dr. Oswaldo Cruz. O projeto oferecia a opção de vacinação por médico particular, mas o atestado teria de ter firma reconhecida. Além disso, haveria multas aos refratários e se exigiria o atestado de vacinação para matrículas em escolas, acesso a empregos públicos e trabalho nas fábricas, hospedagem em hotéis e casas de cômodo, viagem, casamento e voto. 

Para demonstrar que social e politicamente permanecemos irretocavelmente iguais, também há 116 anos houve politização da mídia e ameaças de impeachment - que naquela época não usava essa nomenclatura sofisticada para definir o que era mesmo uma rasteira no governo. Nos cinco dias de revolta contra o que se planejou como a reabilitação sanitária da então capital do Brasil, habilitando-a a receber turistas e operários contratados para a modernização do porto, houve protestos e tiroteios com mortos e feridos. As residências das autoridades envolvidas foram alvejadas e a imprensa, considerada governista, sofreu depredações.

Dias depois de decretado o estado de sítio, a obrigatoriedade da vacina foi abolida e a revolta arrefeceu. A contabilidade das mortes decorrentes dessa permissividade do direito de escolha nunca foram publicadas.

Mas como outra vez é lembrado o direito individual, incluindo a patética opção pela doença e a liberdade de infectar seus contemporâneos, que pelo menos se negue atendimento pelo SUS aos que escolherem o vírus como parceria mais amistosa.

Não vejo melhor maneira de tratar tamanha irracionalidade.

J.J.CAMARGO

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