26
de agosto de 2014 | N° 17903
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Casa alugada na
praia
Não
possuir uma casa no litoral tinha seu valor.
Nunca
sabíamos onde passaríamos o verão.
Nem
o paradeiro, muito menos o endereço. Dependia da finança paterna.
Quando
sobrava dinheiro, rumávamos para Santa Catarina. Quando faltava, íamos pelas
praias mais próximas, como Pinhal e Cidreira.
Era
uma surpresa constante.
O
pai arrumava as malas, ajeitava o caos no bagageiro, reclamava que não veria
nada pelo retrovisor e não abria nenhuma informação do nosso destino. Ele nos
levava no escuro até o local que escolheu.
Brincávamos
de cabra-cega durante o percurso.
Onde
será? Quantas quadras do mar? Toda casa que enxergávamos pela janela poderia
ser a nossa.
Eu
me emocionava só de imaginar, nem precisava acontecer.
Os pais
preferiam alugar e eu também.
Porque
despertava uma competição alegre entre os irmãos.
Quem
ficará com o melhor quarto, a melhor vista, o melhor esconderijo?
A
entrada pela porta gerava uma corrida desesperada de inspeção.
– É
meu, é meu, é meu! – os quatro filhos subiam as escadas e apontavam sem parar.
Não
olhávamos direito o conjunto, invadíamos cada cama com a sanha de Colombos,
Américos, Cabrais da orla, descobridores de novas terras e civilizações. Com o
grito, queríamos garantir a prioridade da escolha.
Não
deveria ser simples distribuir os lugares. Desencadeava decepção e piquete:
–
Mãe, não vale, pedi primeiro!
Nossa
justificativa infantil estava estruturada em pedir primeiro e depois fazer
manha.
Vinha
um sentimento confuso e misterioso na hora de ocupar o imóvel. Bendito e
maldito, prazeroso e melancólico.
Era
entrar numa residência totalmente desconhecida e mobiliada. O aluguel apenas
civilizava o nosso roubo.
Desfrutaríamos
de 30 dias para encarnar uma segunda família, já que a nossa não havia dado
muito certo.
Não
tirávamos férias somente de espaço e de tempo, mas também de personalidade.
Experimentávamos
uma decoração diferente, costumes diferentes, um arranjo doméstico diferente,
de quem a gente nem ouviu falar.
A
mãe abria as gavetas para avaliar os talheres, abria as despensas para julgar
panelas e pratos. Quando reconhecia algo bom, exclamava:
–
Nossa, vai facilitar a vida!
Tanto
que não carregava meus brinquedos na viagem, com exceção da bola.
Encontrava
bicicleta de pneu furado, baldes e geringonças de crianças no depósito.
Alugar
residência na praia significava herdar a infância de um outro menino.
Fingia
não ser eu, colecionava cartas, perdia tardes consertando jogos, esquecia o meu
futuro cuidando do passado de alguém.
Mantenho
esse esquisito e fascinante veraneio dentro de mim. Consciente de que o mar
nunca foi meu, sempre tive que devolvê-lo quando chegava março.