17
de agosto de 2014 | N° 17893
VIDA
INTERIOR | Diana Corso
Seu lobo não vem
A
PIOR AMEAÇA provém de uma entidade abstrata, o mal que nos habita, o nosso Lobo
interior
Preocupada,
a menina perguntou ao adulto mais próximo se havia o que temer: “O Lobo, ele vem?”
Ele bem que tentou estar à altura, soar protetor, e, além de garantir que não
havia tal risco, acrescentou que esse monstro não era de verdade, o que para
ela resultou inaceitável: “O Lobo não existe?”
Ciente
da cilada, ele percebeu na hora que, se decretasse a falsidade do vilão, muitos
heróis também teriam sua sobrevivência ameaçada. Quem conta essa história é o
escritor uruguaio Mario Levrero, grande ficcionista, que obviamente não queria
ser responsável pelo desaparecimento do Papai Noel e dos Reis Magos. Tentou um
remendo: “Antes – eu disse sublinhando a palavra –, antes existia. Agora não
está mais. Ele morreu”.
Não
adiantou. Tapando os ouvidos, a criança saiu correndo e começou a gritar: “Ele
vem igual!”. Pode soar estranho, ela deveria respirar aliviada, pois estava a
salvo, e a fantasia, preservada. Por que então o desespero? É que, escreve
Levrero, um Lobo fantasma é muito mais ameaçador: “não se pode deter, não se
pode matar, porque está morto. E vem igual”.
Todos
sabemos que o diálogo não versa sobre um canídeo selvagem qualquer. É um Lobo
específico, nome próprio do personagem que se tornou famoso após engolir uma
vovó, uma Chapeuzinho, sete cabritinhos e outras iguarias.
Mesmo
seres imaginários precisam estar vivos para poderem ser mortos. A pior ameaça
provém de uma entidade abstrata, o mal que nos habita, nosso Lobo interior. Como
essa menina, carecemos de um personagem palpável para representar o perigo. Se
ele tem uma imagem, um hábitat e uma história que lhe dê contornos, pode ser
identificado, detido e morto.
Mesmo
que não tenha muita consciência disso, ninguém está livre de temer as assombrações
que rondam os próprios pensamentos. São ideias inadmissíveis, agressivas,
depravadas, incestuosas até. É um alívio quando podemos supor que todas essas
coisas monstruosas estão fora da nossa mente, imaginá-las vivas, movendo-se
furtivamente sobre suas patas peludas.
Para
nossa tranquilidade, o noticiário policial oferece doses diárias de histórias
de Lobos: pais ou amantes assassinos, mães desnaturadas, alunos exterminadores,
além da variada gama de psicopatas. Graças a eles, podemos nos sentir bons, a
salvo dos maus pensamentos. Queremos os vilões vivos, para que possamos matá-los.
Eles existem, eu sei, mas são muito mais numerosos na nossa imaginação do que
nas cidades.
Por
sorte, nossos Lobos interiores só latem, não mordem. Poderíamos prescindir do
culto do medo, do fascínio pelo sensacionalismo sanguinolento que infesta a mídia.
Seu Lobo não vem! Saia de casa, ande pelas ruas a pé, e, quem sabe, num dia de
sol até dê para passear na floresta.