ANTONIO
PRATA
Três fábulas
monterrosianas
O
porco-espinho procurou um dermatologista, que constatou carência de vitamina D
e recomendou banhos de sol
Era
uma vez um porco-espinho que adorava a balada. Toda noite ele ia a festas,
clubes ou raves, onde fazia o maior sucesso com seu visual loucão --era muito
cool ser amigo de um porco-espinho. Um dia ele acordou às seis da tarde, como
de costume, e percebeu que vários dos seus espinhos haviam se soltado durante o
sono. O porco-espinho procurou um dermatologista, que constatou carência de
vitamina D e recomendou banhos de sol pela manhã. Acontece que o porco-espinho
era incapaz de acordar cedo e decidiu não abrir mão das baladas, mesmo sob o
risco de ficar careca.
Quanto
mais caíam seus espinhos, porém, mais escasseavam os convites para as noitadas:
o que gostavam no porco-espinho era justamente o seu visual loucão, cheio de
espinhos. Hoje, ninguém mais o chama pra nada, as hostess o barram na porta,
ele vaga sozinho noite adentro e atende pelo nome de gambá --quando atende,
pois, geralmente, se alguém se aproxima, ele exala amargura e corre pro mato.
-
A
coruja estava no forro do telhado, lendo Proust, quando entrou a andorinha,
ofegante. "Nossa, andorinha, que animação...", comentou a coruja, sem
tirar os olhos do livro. "Ah, dona coruja! Tô voltando da minha primeira
viagem pelo mundo! Eu cruzei a Amazônia e os desertos mexicanos, vi o sol se
pôr atrás dos picos nevados dos Andes, fiz amor no céu vermelho da aurora,
sobre o mar azul do Caribe!" "Veja só", disse a coruja, passando
saliva na pata e virando a página 987 do livro.
"Em
Manaus, você foi no teatro Amazonas, claro." "Não...", respondeu
a andorinha, "mas eu voei com as araras e...". "Poxa vida",
cortou a coruja, "Não foi no teatro Amazonas... E no México? No México,
pelo menos, você visitou o museu de antropologia, né?".
"Na
verdade, não...", admitiu a andorinha, se encolhendo entre as asas.
"Não visitou o museu de antropologia?! Desculpa, andorinha, mas você
não-foi-pro-Mé-xi-co! Só falta me dizer que depois dos Andes cê não passou por
Buenos Aires, pra tomar um chá com medialuna num daqueles lindos cafés
europeus." "Na-não", confessou a andorinha, com um fio de voz,
então pediu licença e foi fazer seu ninho, angustiada, crente que quem sabia
das coisas era a coruja, que seguia lendo Proust --agora, com um sorriso no
rosto.
Nada
irritava tanto a rã mais pequenininha do brejo quanto ser confundida com uma
perereca. "É rã!", ela dizia, cerrando os dentes, toda vez que a
confundiam. Um domingo de manhã ela estava no brejo vizinho pegando umas moscas
pro almoço quando passou por uma família de pererecas sobre uma vitória-régia.
"Nossa, que perereca enorme!", exclamou uma delas. A rã estava
prestes e xingar e exibir o dedo médio, mas os comentários das outras foram
mais rápidos. "Uau, deve ser ótimo ser uma perereca tão grande!!"
"Incrível!" "Mãe, mãe, se eu comer bastante mosca eu vou ficar
desse tamanho?"
Na
segunda, bem cedo, a rã fez as malas e se mudou para o brejo vizinho, onde é
tratada com todas as deferências devidas à maior perereca já vista, às quais
ela responde com azedume e rispidez, dedicando as piores patadas às pererecas
mais pequenininhas.