sexta-feira, 29 de agosto de 2014


29 de agosto de 2014 | N° 17906
DAVID COIMBRA

O que Caetano diz

Havia um debate feroz na faculdade: Chico ou Caetano? Quem era o melhor? Aboletados nas mesas compridas do Maza, um bosque de garrafas de cerveja entre nós, terçávamos argumentos, cantávamos trechos de canções e, claro, ninguém convencia ninguém. Até porque artista não é cavalo de prado, nenhum tem de ser melhor do que outro.

Eu era chiquista convicto. Sabia todas as músicas dele e me emocionava com cada naco de verso. Passas sem ver teu vigia, catando a poesia que entornas no chão...

Mas, com o tempo, a vitalidade de Caetano foi me conquistando. Caetano é mais irrequieto, parece sofrer mais e, até por isso, se arrisca, fala, encara o erro de queixo erguido. Presto atenção na opinião de Caetano, mesmo quando não concordo com ele.

A curiosa situação eleitoral brasileira arrancou-me do fundo da mente e pôs-me diante dos olhos duas frases de Caetano. Porque, quem diria?, Marina Silva talvez se eleja presidente do Brasil graças ao voto póstumo. Afinal, Eduardo Campos tinha poucas intenções de voto em vida. Refocilava-se lá embaixo, no pântano do terceiro lugar, vinte e tantos pontos atrás de Dilma e outros tantos atrás de Aécio.

Mas a morte tornou-o leve, comoveu o país e, de repente, as pessoas ficaram com vontade de votar em Eduardo Campos. Não existindo mais Eduardo Campos, ficaram com Marina, que tem mesmo certa aura de santa.

E vou dar cá meu depoimento: entrevistei Marina Silva, passamos algum tempo conversando e, ao fim do encontro, a Rosane de Oliveira, que a tudo assistia, me chamou e disse:

– Tu te apaixonaste por ela, não é? E eu, balançando a cabeça, balbuciei:

– Sim, sim...Marina é encantadora, o que não significa que deva ou possa ser presidente. Significa, apenas, que encanta e, por encantar, compreende-se parte das intenções de voto que tem. Outra parte deve-se ao que Caetano disse certa feita, quando alguém lhe perguntou sobre a eleição de tipos como Tiririca:

– As pessoas votam em quem conhecem.

Verdade. As pessoas conhecem Tiririca. Não conheciam Eduardo Campos. Passaram a conhecê-lo depois da sua morte trágica. Viram fotos de Eduardo Campos com a família, sua mulher de olhar compassivo, seus cinco belos filhos, um deles, um nenezinho com síndrome de Down, a quem Eduardo Campos carregava no colo com evidente alegria. As pessoas viram a comoção do povo de Pernambuco no seu velório, viram seus olhos claros, ouviram sua fala pouco agressiva, souberam que brasileiros importantes, como Caetano Veloso, gostavam dele. E então chego à segunda frase de Caetano acerca desta situação brasileira:

– Eduardo Campos desafiava a polaridade empobrecedora de grupos majoritários estabelecidos.

A polaridade empobrecedora.


Aí está. As manifestações de junho do ano passado e as pesquisas de intenção de voto mostram que a maioria dos brasileiros enjoou dos dois extremos, PT e PSDB. Um homem santificado pela morte abrupta, como o foi Tancredo, como o foi Getúlio, um homem assim é a opção ideal numa situação dessas. É o que as pessoas estão sentindo, esquecendo-se, tristemente, que Eduardo Campos já não existe mais. A verdadeira escolha dos brasileiros morreu. Resta-lhes, apenas, a esperança.