20
de agosto de 2014 | N° 17896
MARTHA
MEDEIROS
Mau tempo
Quando
leio notícias como a do acidente que vitimou Eduardo Campos, me dá um mal-estar
não só por ser mais um aviso sobre a precariedade da vida, mas por reconhecer
que, quando não se morre de doença, se morre de chuva, de vento, de tempestade.
É outro tipo de morte por causa natural.
As
quedas de aeronaves são bem representativas. Dificilmente caem por desgaste mecânico.
Ou são abatidas pelas mãos do homem (ataque terrorista e falhas humanas) ou são
abatidas pela falta de visibilidade, pela instabilidade provocada por pressões
atmosféricas, por arremetidas que são sempre manobras súbitas, e por isso o
frio na barriga. Os problemas técnicos na aeronave do candidato à Presidência
surgiram posteriormente à arremetida – se as condições meteorológicas fossem boas,
tudo indica que teria aterrissado com tranquilidade.
Acidentes
de carro acontecem mais em dias de pista molhada do que seca. Engavetamentos em
estradas acontecem quase sempre por causa de nevoeiros, temporais e nevascas.
Pessoas
perdem tudo o que têm em enchentes e deslizamentos de terra, barcos naufragam
no mar revolto, ondas gigantes invadem praias, casas são destelhadas por tufões,
suicídios acontecem mais no inverno do que no verão. A tragédia, decididamente,
não é solar.
A
vida muda – e até termina – por uma questão que está fora do nosso controle, o
clima. Há paliativos, ok. Pode-se prever e minimizar os riscos, mas não se pode
evitá-los, então somos ceifados por uma potência destrutiva que não vem da
maldade do homem e sim do humor da natureza e que atinge a todos: crianças,
velhos, pobres, ricos, pessoas de qualquer lugar, de qualquer idade, numa
loteria democrática, mas sempre injusta.
Quando
vejo moradores varrendo a lama de suas moradias no dia seguinte ao de um
estrago devastador, me parece uma provocação: o céu límpido retorna ao local do
crime com a maior cara de pau. O sol no dia seguinte ao de um tsunami é um
convidado atrasado, alguém que não conseguiu chegar a tempo de impedir uma
desolação. É bem-vindo porque traz a possibilidade de reconstrução, porém a
reconciliação é provisória. Pessoas que perdem seus filhos, maridos e esposas
para os desatinos climáticos são confrontadas com a total falta de lógica da
existência.
Como
diz uma amiga minha, “a morte é definitiva demais para o meu gosto”. De fato. E
mais definitiva nos parece quando acontece de uma hora para outra, pelo
capricho de nuvens pesadas, garoas insistentes, rajadas desestabilizadoras,
umidades traiçoeiras, por um anoitecer prematuro, por relâmpagos, pelo cenário
típico dos pesadelos, que, ironicamente, tem lá sua poesia e sua beleza, como
em toda tragédia – desde que a gente sobreviva a ela, claro.
Ninguém
deveria morrer de mau tempo, mas a natureza não negocia.