29
de agosto de 2014 | N° 17906
EDUCAÇÃO
DE ESCOLA EM ESCOLA
PROFESSORES O TEMPO
INTEIRO
EM
JORNADAS QUE excedem em muito as horas recomendadas, profissionais se dividem
entre diversas escolas para melhorar o salário o que prejudica a qualidade das
aulas
Da
cama para a escola, da escola para um almoço rápido em casa, de casa para outra
escola, de lá para uma reunião – isso quando não há mais uma classe para
lecionar. A rotina de Fernanda Duarte, 52 anos, moradora de Porto Alegre, é
análoga à de muitos professores. Dividindo-se entre várias jornadas, ensinando
mais de uma centena de alunos em apenas um dia, eles buscam incrementar o
salário, considerado baixo para a carga horária e a importância da profissão.
Esse cotidiano resulta em cansaço, e acaba por comprometer a qualidade das
lições e o aprendizado dos estudantes.
A
rotina de quem faz essa longa jornada no ensino começa cedo e, não raro, se
estende em aulas até a noite. A semana de Fernanda tem início no Colégio
Anchieta, onde leciona geografia para as turmas da 8ª série do Ensino
Fundamental. A manhã é passada ali, e o meio-dia que a leva para uma refeição
em casa marca também a transição da rede privada para a pública – de uma
jornada para outra. À tarde, já preparada para ministrar outra disciplina, a
professora se divide em aulas de geografia e de história para o 7º ano na
Escola Estadual de Educação Básica Dolores Alcaraz Caldas.
–
Meu rendimento nas primeiras aulas é muito bom, mas nas últimas fica pior. É
inevitável – reflete a professora.
Fernanda
percorre de carro o trajeto entre as escolas, que ficam perto de sua casa, o
que poupa tempo e desgaste com o trânsito.
MÉDIA
NACIONAL NO TOPO DE PESQUISA
São
aulas de manhã, à tarde, à noite: dias inteiros passados em sala de aula. O
esforço, Fernanda revela, tem um só objetivo: complementar a renda no final do
mês.
–
Trabalhar só em uma escola seria o ideal e certamente amenizaria os problemas
de quem precisa se deslocar entre três, quatro lugares diferentes – avalia
Lúcia Schneider Hardt, doutora em educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).
No
Brasil, cada docente da educação básica gasta, em média, 25 horas por semana só
dando aulas, conforme dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) – um percentual 24% maior do que outros 30 países analisados
na última Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis), divulgada
em junho.
Com
54 horas por semana, Fernanda excede em mais de duas vezes a já elevada média
nacional. Nas quintas e sextas, ela ainda leciona no Colégio Americano – e a
tripla jornada acaba pesando no decorrer do dia.
Entre
as três escolas, a professora passa, em média, mais de 10 horas por dia em
turmas dos Ensinos Fundamental e Médio, além de ensinar alunos da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) no Estado. Ao todo, são mais de 600 alunos.
–
Não tem como lembrar o nome de todos – desabafa.
Fernanda
está perto da aposentadoria, e assumiu a vaga no magistério estadual há dois
anos.
– A
nossa profissão é diferente. Sempre temos um envolvimento fora de sala de aula
– reflete ela.
Como
menos da metade dos professores no Brasil tem contrato em tempo integral,
grande parte deles acaba pulverizando sua atuação em diversas instituições. No
Rio Grande do Sul, um em cada quatro docentes trabalha em mais de uma escola. A
escolha parte do próprio profissional, mas alguns fatores contribuem. Na
primeira metade do Ensino Fundamental, um mesmo professor leciona a maioria das
disciplinas para uma determinada turma. Nos anos seguintes, cada profissional
fica responsável por uma disciplina. A carga horária e o número de turmas passa
a ser limitado, fazendo com que muitos optem por ensinar em mais de uma
instituição.
JORNADA
MÚLTIPLA É MAIS COMUM NO RS
Essa
divisão acaba comprometendo o ensino. O presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin de Leão, considera que todos
saem perdendo. Para ele, ainda se está longe de conseguir condições de trabalho
que permitam o melhor desempenho dos profissionais, tanto nas escolas públicas
quanto nas particulares.
–
São duas pessoas totalmente penalizadas: o professor, pelo cansaço, e o aluno,
pela qualidade abaixo da que deveria ter – garante Leão.
Coordenadora
de levantamentos sobre a carreira de magistério da Fundação Carlos Chagas, a
pesquisadora Bernardete Gatti ressalta que a maioria dos profissionais da
educação no Brasil se dedica a apenas um estabelecimento, como ocorre em países
tidos como exemplares. Ainda assim, 21,8% dão aula em mais de um local –
percentual ainda maior no Rio Grande do Sul, onde 25,2% trabalham em várias
instituições.
– É
um nó das nossas políticas educacionais. As aulas para várias turmas
funcionariam para grupos menores, mas o modelo atual é bastante prejudicial,
tanto para alunos quanto professores – aponta a pesquisadora.
Ela
salienta ainda que lecionar em um só colégio contribui para a criação de um
vínculo que facilitaria o acompanhamento dispensado a cada estudante – o que
contribuiria para o melhor desempenho, além de permitir ao profissional se
concentrar mais nas aulas – e no que é preciso fazer além delas.
guilherme.justino@zerohora.com.br