RUTH
DE AQUINO
29/08/2014
21h07
Transmarina e a “zelite”
Marina
considera a “luta de classes” velha e ruim. Sua ideia de elite é outra. É quem
inspira e lidera
"O
problema do Brasil não é sua elite, mas a falta de elite. Não tenho preconceito
contra a condição econômica e social de quem quer que seja. Quero combater essa
visão de apartar o Brasil, de combater a elite. Essa visão tacanha de combater
as pessoas com rótulo. Precisamos fazer o debate envolvendo ideias, empresários,
trabalhadores, juventudes, empreendedores sociais. Com pessoas de bem de todos
os setores, honestas e competentes.”
Essa
resposta desconcertante de Marina Silva no debate da Band entre os candidatos à Presidência
mostra que Dilma Rousseff e Aécio Neves terão de dar um duro danado para
dinamitar – ou “desconstruir” – a rival.
O
Brasil do PT tem reforçado o maniqueísmo entre pobres e ricos, ou “proletariado”
e “burguesia”, expressões caras da esquerda caviar-champanhe. Como se os pobres
fossem todos bons, puros, generosos e vítimas – e os ricos fossem todos
safados, cruéis, desnaturados e bandidos. Em nosso país, quem ganha mais de
seis salários mínimos é rico.
Nos últimos
tempos, sobrou fel até para a classe média. Vimos com espanto o vídeo com o
discurso histérico da filósofa da USP Marilena Chauí no ano passado. Era uma
festa do PT para lançar o livro 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula
e Dilma. “Odeio a classe média”, afirmou Chauí, sob aplausos, risos e “u-hus” da
plateia. “A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez. É o
que tem de reacionário, conservador, ignorante. Petulante, arrogante,
terrorista.” Presente no palco, Lula ria e aplaudia a companheira radical
petista, embora dificilmente concordasse. “A classe média é uma abominação política
porque é fascista. É uma abominação ética porque é violenta”, afirmou Chauí,
fundadora do PT e adepta da luta de classes.
É uma
luta que Marina considera antiquada e ruim para o país. Sua ideia de elite é outra:
quem se sobressai no que faz, quem inspira e lidera. Neca Setubal, socióloga,
educadora, autora de mais de dez livros, defensora do desenvolvimento sustentável
e herdeira do banco Itaú, é o braço direito de Marina. Com seu discurso de união
e um plano de governo de 244 páginas, costurado com Eduardo Campos, Marina ameaça
tornar-se presidente do Brasil, segundo as pesquisas de intenção de voto.
Ela
não passa de uma amadora, diz Aécio Neves. Marina responde: “Melhor ser amador
do sonho que profissional das escolhas erradas”. Ela faz uma campanha da
mentira, afirma Dilma. “Mentira”, responde Marina, “é dizer que os adversários
não estão comprometidos com políticas sociais”.
Marina
virou o sujeito da mudança. Colhe em sua rede indecisos, revoltados,
idealistas, anarquistas e também aecistas e dilmistas. Isso não é elogio, só a
constatação de um fato provado em pesquisas. Os “marineiros” são um caldeirão
de eleitores de diversas ideologias, ou avessos a pregações ideológicas. Quando
Marina diz que “a polarização PT-PSDB já deu o que tinha que dar”, ou que “o
Brasil não precisa de um gerente, mas de um presidente com visão estratégica”,
isso bate forte em milhões de brasileiros de todas as idades.
Marina
não tem resposta para uma enormidade de questões – entre elas, como a “nova política”
poderá ser diferente da “velha política”, se concessões e alianças são
essenciais para aprovar reformas, governar o país e transformar em realidade
seus sonhos. Marina tem convicções pessoais que precisará reavaliar ou
abandonar se quiser mesmo colocar o país nos trilhos do futuro, abraçar as
novas famílias e os estudos de células-tronco.
Mas
seu discurso de grandes linhas, abstrato e utópico, empolga e atrai. Os adversários
a ajudam. De um lado, temos o desfile chato, emburrado e claudicante de
percentagens e estatísticas infladas. Do outro, um rosário sorridente de êxitos
discutíveis em Minas Gerais.
Nos
Estados Unidos, Barack Obama ganhou uma eleição no discurso, na oratória, no
simbolismo – não no preparo ou na experiência administrativa. Guardadas as
proporções, Marina busca o mesmo.
Nas
redes sociais, a ascensão de Marina provocou uma campanha de ódio e ironias. Ela
foi chamada de “segunda via do PSDB” – porque defendeu a estabilidade iniciada
por Fernando Henrique Cardoso e porque os tucanos votariam nela, jamais em
Dilma, num confronto direto. Chamaram Marina de “segunda via do PT” – porque
defendeu a política de inclusão social de Lula. Traíra, oportunista e coisas
piores. Fizeram uma montagem de seu rosto com o corpo nu da mulata Globeleza. Disseram
que ela tem “cara de macaco”. Um show de racismo e de pânico.
Os
arautos à esquerda e à direita a chamam de “novo Collor” ou de “Jânio de saias”.
A Transmarina, ao acolher a “zelite” do bem, veio para confundir. E incendiar
uma eleição antes morna, entediante e previsível.