terça-feira, 19 de agosto de 2014


19 de agosto de 2014 | N° 17895
MOISÉS MENDES

Acabou

Assim como o ciclo da borracha, o cinema novo e a arte moderna, o futebol brasileiro extinguiu-se. Não existe mais o futebol brasileiro, como não existe mais o país das bananas, da Bossa Nova e da Tropicália. É o fim, você viu na última rodada do Brasileirão.

Pelé está agora ao lado de Carmen Miranda, de João Gilberto e de Caetano Veloso como representante de algo que um dia ajudou a nos definir como brasileiros, mas se esgotou.

O futebol afundou na mediocridade. Sobraram as chuteiras cor-de-rosa, os amigos da dinastia da CBF, as máfias, ingressos impagáveis e estádios vazios.

Nunca antes neste país, como dizem os cronistas, o futebol esteve tão igual. Pernas de pau e treinadores que se repetem igualaram o futebol brasileiro. As séries A, B, C, D, E, F, G são todas a mesma coisa.

A Copa apenas nos proporcionou o grand finale. Fomos expostos, pelo vexame dos 7 a 1, como o futebol mais decadente de todos os continentes.

O Brasileirão é só a continuação do processo de extinção. Se não fosse a Copa, continuaríamos nos enganando. Venceu o futebol dos times com cinco volantes. Nas arquibancadas, adolescentes e marmanjos rosnam cânticos macabros. Nem os quero-queros aguentam mais o nosso futebol.

Já me reuni com amigos, numa esquina aqui na Redação, para saber se esse é um sentimento generalizado e se não há exagero em pensar que o futebol acabou. Se, passada a ressaca da Copa, poderemos voltar ao normal.

Alguns resistem, mas a maioria acha que não há mais o que fazer. Esse agora é o nosso normal.

O melhor momento do futebol brasileiro é o da corrida dos cavalinhos do Tadeu Schmidt no Fantástico.

Nosso futebol durou muito. Nasceu em 1958, quando o Brasil tomou aquele primeiro gol na final contra a Suécia. Se o Brasil não tivesse tomado aquele gol no começo, se Didi não tivesse andado até o centro do campo com a bola embaixo do braço e se o Brasil não tivesse virado aquele jogo, tudo poderia ter sido diferente. O futebol nasceu ali.

E começou a morrer com aquele primeiro gol da Alemanha, na tragédia de 8 de julho no Mineirão. Assim como, lá em 1958, todos sabiam que o Brasil de Pelé desmoralizaria a Suécia, sabia-se agora na Copa, depois do primeiro gol dos alemães, que o Brasil de Fred seria irremediavelmente desmoralizado.

Só que nossa tragédia é incompleta. Para que o horror se consumasse e o país mergulhasse nas trevas, seria preciso que a Argentina tivesse vencido a final da Copa. Sem a vitória da Argentina, ainda ficamos esperneando por alguns dias, até a retomada do Brasileirão.

Agora, diante dos jogos patéticos do Campeonato Brasileiro, sabemos que não dá mais. O futebol acabou. A extinção do futebol nacional será sempre associada à era dos jogadores com cabelos moicanos que jogavam com chuteiras amarelas e bolas roxas.

É dantesco. É o pior espetáculo da Terra. Mas há um consolo. Poderia ser pior. Poderíamos estar vivendo hoje a segunda era daqueles assustadores calções Adidas.