sábado, 10 de agosto de 2013


10 de agosto de 2013 | N° 17518
ARTIGO - Pablo Morenno*

O menino que me fez pai

Pensei viesse no bico da cegonha, foi a assistente social quem ligou. Esperei um recém-nascido, tinha três anos. Escolhi um dia astrológico para o nascimento, veio numa segunda 13, seguinte ao dia dos pais de 2012.

Quis abraçá-lo forte, esquivou-se por uma hora. Quando se escondeu num canto, apertei suas mãos e o puxei para mim. Então me abraçou forte. Assim muitas vezes. O mesmo nascimento a fórceps.

O primeiro dia lá em casa, levamos junto um peixinho para o lago. Um kinguio branquinho no meio dos vermelhos. E o peixinho foi encontrando pai, mãe, irmãos, avós...

Num entardecer, perguntou-me quem era o homem que segurava a mão de um menino. E eu disse “seu pai”. “Sabia que eu não tenho pai, apenas tias lá da Casa da Criança?” “Você quer um pai?” “Sim”. “Quem seria?” “Você.”

Virei pai comprando pão. Aliás, sou o Pateta. Ele é o Mickey, e a mãe, a Minnie.

Simples assim. Agora fazemos bolo de estrelinhas nos sábados. Vimos cem vezes Procurando Nemo, todos os Stuart Little, O Mágico de Oz. Li duzentas vezes O Cachorro Batatinha, do Sérgio Capparelli.

Temos uma pinta igual, no mesmo lugar, mas em pés diferentes. Adoramos cozinhar. Gostamos de frutas azedas: morango, abacaxi, physalis. Gosto de cantar, e ele pediu um violão ao Papai Noel da Aldeia de Gramado. Somos apaixonados por livros.

Pediu uma aliança, para ser igual ao papai e à mamãe. Desenhou a mãe feito princesa, com coroa e tudo. A mim me fez com asas azuis.

Todas as noites, conto a ele uma história. De um tio e uma tia que viviam sós num reino distante. Pediram a Deus que lhes desse um filho. Deus disse “esperem”. Esperaram, esperaram.

Foram até Deus outra vez. Ele reuniu os anjos, cochichou com eles. Virou-se. “Entreguei um menino para vocês a um anjo. Mas ele é distraído demais. Ficou olhando estrelas cadentes e se perdeu pelo mundo. Como já estava cansado, e no tempo de voltar, deixou o bebê na primeira casa de porta aberta que encontrou. As pessoas da casa, vendo que o menino não era da família, levaram-no à Casa da Criança. Ele está lá esperando por vocês.”

Hoje Erick diz para todo mundo: “Sabia que eu estava esperando o papai e a mamãe na Casa da Criança?”.

Pensei por toda a vida tornar um menino meu filho. Jamais pensei que um menino me fizesse pai. Um pai tão feliz com asas azuis.


*ESCRITOR