sábado, 10 de agosto de 2013


MÔNICA RAOUF EL BAYEH, PSICÓLOGA
06/08/2013 18h04 - Atualizado em 06/08/2013 20h17

Félix e Edith. O que é mais doloroso: descobrir a farsa do casamento ou se descobrir traída?

Algumas pessoas lidam melhor com a traição com o mesmo sexo. Como se isso as eximisse de responsabilidade. Elas apenas não têm o que o outro precisa. Será?

Félix, o personagem controverso da novela Amor à vida, traz à tona questões interessantes, que durante muito tempo ficaram varridas para baixo do tapete.

Ao contrário do que muitos julgam, pessoas não são classificáveis em: "homossexuais à direita, por favor, heteros à esquerda. Mantenham-se nos seus lugares, não troquem de fila. Bissexuais aqui no meio".

O desejo não é organizável, nem previsível, nem domesticado. É desejo. Segue o curso que quer - e fim. Não há negociações possíveis nesse sentido. Somos muitos em nós mesmos. Somos mais do que contamos por aí. E, muitas vezes, que bom que não contamos por aí...

Em meu trabalho como psicóloga, conheci homens casados que tinham relacionamento com outros homens. Casaram por quê? Uma tentativa de manter a porta do armário fechada? Para se preservar de críticas, rejeições? Tudo isso e um pouco mais.

Um dia, a mulher descobre. Ou ele mesmo conta, por não suportar mais a pressão. Nessas horas, o que fazer? Uma questão delicada. A verdade levanta poeira, provoca reações. Traz à tona sofrimento. Levar uma vida que vai na contramão do desejo também não é sofrimento?

Primeira pergunta: trata-se mesmo de uma farsa? Se foi vivido, foi real. Se sentimos como real, foi real? Acredito que sim. Se ele gosta de homens, com certeza é uma situação difícil de lidar. Então segue a segunda pergunta: mais difícil do que se ele gostasse de outras mulheres? Não sei.

A verdade traz de carona o alívio do peso desfeito. A vida fica mais leve quando não é preciso fingir ser o que não se é. A máscara cai, você pode ser você mesmo. E redefinir os rumos da vida que vinha levando. O que é mais doloroso: descobrir a farsa do casamento ou se descobrir traída?

Algumas pessoas lidam melhor com a traição com o mesmo sexo. Sentem como se isso as eximisse de qualquer responsabilidade. Não foram elas que falharam, apenas não têm o que o outro precisa - é o que pensam. Mas precisa falhar para ser traída? Creio que não.

Casamentos heterossexuais também viram farsa, por comodidades várias. Farsa é uma palavra forte e preconceituosa. Relações são diversas, plenas de contratos não-verbais, baús fechados com aviso de "melhor não mexer".

Verdades vieram à tona, na novela, deflagradas pelas traições. As traições de Félix com outros homens. Agora a descoberta da traição de Edith. A raiva de se perceber traído rasgou silêncios guardados há décadas.
O que dói na traição independe de opção sexual. Estou falando do desejo que eu queria que estivesse sempre ali, só para mim, e descubro que não é bem assim. O olhar que passa por mim e segue em outra direção, essa é a essência da dor da traição. Independente de haver amor ou atração ainda. É o caso do casamento de Félix e Edith.

No caso da traição homossexual, a sensação de estar pouco à vontade com o inesperado agrava o quadro geral? Certamente. Além de um certo preconceito, há o medo de "como eu vou contar isso para as crianças, para meus pais e para os amigos?".

O que eu faria? Não sei. Em matéria de amor, cada um sabe até onde pode suportar e por quais razões.

Edith, mulher de Félix, manteve o casamento por questões financeiras. Além da insegurança de refazer uma nova vida e, talvez, do medo da solidão. É preciso lembrar também que a autoestima de Edith não a estima muito. Ela não acredita na sua capacidade de construir uma vida mais feliz. Então se submeteu às humilhações e à falta de amor de um casamento falido.

Seja pelo motivo que for, até então, Edith tinha escolhido ficar. Manteve um casamento de aparência e conturbado. Quantos casamentos héteros também não são?

Por onde passa o desejo de cada casal? O que rola entre quatro paredes? Ninguém sabe de ninguém. E nem é para saber. Detalhes à parte, se estão felizes, realizados, é o que basta. Que se completem na medida do possível.

Já vi mulheres trocadas e que nunca conseguiram deixar de amar o homem perdido. Já vi mulheres que ficaram por amor. Amavam verdadeiramente seus homens e eram verdadeiramente amadas por eles também. Entre eles e o mais puro sentimento, a compulsão sexual de ter que "pegar outras pessoas por aí".

Um casal chegou a me procurar no consultório para saber se o problema tinha ¨cura¨. Se eu poderia garantir que ele "não faria de novo".


Não garanto nem os meus desejos, quanto mais os dos outros. Quem pode? Desejo é sinuoso, te cochicha umas coisas, te propõe outras, se infiltra delicada e ardilosamente. Quando vê, já era. Mão no fogo? Não ponho nem por mim.