10
de agosto de 2013 | N° 17518
NILSON
SOUZA
A verdade das
verdades
Eu
escrevo – escreveu o imenso García Márquez – para que meus amigos me amem mais.
O colombiano também disse, um dia, que o jornalismo era a mais bela profissão
do mundo, mas acabou se consagrando mundialmente como escritor de ficção – a
verdade das mentiras, na igualmente lúcida visão de seu desafeto Vargas Llosa.
Temos apenas uma vida, justifica o peruano, e a ficção é o modo engenhoso que
inventamos para ludibriar essa sentença inexorável. Ao ler uma história bem
contada, vivemos outras vidas.
Faz
sentido. Pelo menos fazia quando escolhi meu ofício, décadas atrás, acreditando
que escrever para o público também era o melhor recurso para reconstruir a
verdade dos fatos antes que eles se perdessem nas brumas do esquecimento. Ainda
acredito que boas histórias podem cativar a atenção do leitor, emocioná-lo e
satisfazer sua sede de conhecimento, sem que se necessite adicionar a elas o
molho da ficção. Mas o jornalismo, decididamente, não faz com que nossos amigos
nos amem mais – e, ultimamente, parece estar apenas ampliando o leque das
desafeições.
A
gente escreve uma inocente crônica e logo alguém descobre segundas intenções
nas entrelinhas, para nos criticar. A gente capricha na objetividade de uma
notícia, procura ouvir todos os lados, mas tem sempre quem se julgue
discriminado ou negligenciado. E a reação é quase sempre imediata, epidérmica,
sem qualquer reflexão.
De
vez em quando, alguém nos escolhe para judas, sem que sequer saibamos por que a
pessoa está indignada. Outro dia, por exemplo, recebi um e-mail furioso,
agressivo até, porque um personagem da novela da noite trata sua secretária de
forma indelicada.
Nem
tive coragem de responder. Se argumentasse que não sou autor de novela, que nem
sequer assisto a alguma, era bem capaz de despertar uma reação ainda mais
raivosa do telespectador injuriado. Gosto de dar atenção aos leitores, mas já
aprendi que, num caso desses, o melhor mesmo é silenciar.
Escrever,
nestes tempos digitais, tornou-se uma aventura arriscada. De minha parte, já
não tenho a pretensão de escrever para que meus amigos me amem mais – mas
também não escrevo para ser hostilizado. Escrevo para organizar o meu pequeno
mundo, para dar nome e sentido aos meus pensamentos, para manter essa ponte
semanal com os leitores que me brindam com sua atenção. Ainda acho que o
jornalismo continua sendo uma belíssima profissão – a melhor do mundo é sempre
aquela que a gente ama – e uma oportunidade para contar histórias.
Histórias
reais não chegam a nos proporcionar a sensação de viver outras vidas, mas
certamente enriquecem a única que temos.