sábado, 10 de agosto de 2013


10 de agosto de 2013 | N° 17518
PAULO SANT’ANA

A dança dos médicos

Cultivo o inconsciente vezo de maltratar as pessoas que amo e em paralelo cercar de carinhos as que odeio.

Acarinhar a quem odeio é tática cínica que uso para encontrar ali adiante a possibilidade de vingar-me.

E maltratar aquelas que amo deve ser porque, se as amo, então tenho estreita e intensa convivência com elas e isso impõe o fastio nas relações, implicando, portanto, fricção.

Já com os que odeio, por isso mesmo os frequento pouco, o que diminui o risco de conflito.

Só 22 municípios gaúchos comemoram ter conseguido pelo menos um médico por meio do programa federal Mais Médicos.

Outros 324 municípios gaúchos amargam a fila de espera, ninguém se inscreveu para atendê-los.

Dos 107 médicos selecionados para 35 municípios gaúchos, apenas 47 homologaram a inscrição, reduzindo ainda mais o número de cidades beneficiadas.

A baixa adesão de médicos, que no Estado teve índice de desistência de 56%, fez o governo prorrogar até anteontem a possibilidade de indicação, por médicos brasileiros, de seis opções de cidades em que desejam atuar. Uma nova lista será publicada neste sábado. Caso as vagas não sejam preenchidas, médicos estrangeiros poderão ser chamados.

Esse texto que escrevi acima não é meu, é de Zero Hora de ontem. São notícias sobre a tentativa do governo federal de espalhar médicos por localidades que sofrem por falta de médicos.

E é óbvio que algo tem de ser feito.

A leitora Maria Luiza Beckerbauer manda-me dizer que “os doutores têm o direito de não querer ir para o Interior, onde não existe a estrutura necessária para um bom desempenho. Têm todo o direito de abrir seus consultórios na Rua Padre Chagas, mas, por favor, deixem que o façam os que querem se sujeitar às dificuldades da periferia para cumprir o que o coitado do Hipócrates pregava”.

E pergunta a leitora o que acho sobre isso.

O que acho é que ela está inteiramente com a razão.

Se eu fosse médico clínico, faria um curso de cirurgião. É que o clínico tromba depois de seu diagnóstico e tratamento com a tarefa de cirurgia que o cliente demanda. E para por aí, indicando ao cliente um cirurgião.

Já com o cirurgião, como escrevi tempos atrás, acontece diferente. Além de operar, ele clinica, numa espécie de concorrência desleal com os clínicos.

O problema para os clínicos é que levam quase uma vida inteira para se tornarem clínicos competentes. Se quiserem se tornar, depois disso, ainda cirurgiões, seria reiniciar tudo e investir em formação.

E os folgados dos cirurgiões se fazem também clínicos ao natural, no transcurso de seu ofício de cirurgiões.

Em quase tudo, os cirurgiões, por isso, levam vantagem sobre os clínicos.


Pois ainda assim há exemplos notáveis de médicos clínicos.