segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Com certeza você já se deparou com um sujeito desse tipo e achou que ele era a última coca-cola do deserto. Só que não.

Ele é bonito, viajado, fala várias línguas, se veste bem e é extremamente educado - sempre segura a porta para as mulheres passarem, puxa a cadeira, abre a porta do carro. Entende de vinhos, música erudita, literatura, teatro.
Não é rico, mas tem uma vida econômica estável e cercada de pequenos luxos.
Seu humor é irônico, ácido. É incapaz de cometer uma indelicadeza com quem quer que seja, porém, é mordaz com quem possui intimidade - criticando roupas e o modo de andar e de falar dos que julga menos polidos do que ele.
Gosta de presentear, gosta de partilhar seu conhecimento: "leia o livro x", "escute a música y", "vá ao teatro z".
Detesta seu país. Por ter vivido em Paris acredita que seus conterrâneos são atrasados, mal educados, mal vestidos e incautos - sempre que pode, numa reunião entre amigos, desmerece a cultura de seu país com frases do tipo "aqui os atores representam tão mal".
E por ostentar uma altivez tamanha e sugerir (ainda que tacitamente) que possui algo que os demais não possuem, é extremamente sedutor - afinal a paixão é a crença de que o outro tem o que nos falta.
Trata-se de um hedonista que vivencia plenamente os prazeres que a vida pode proporcionar - do luxo e do requinte de uma boa mesa à uma cama com lençóis de seda e uma bela dama sobre ela.
Ostenta a melancolia chique dos que fingem que por saberem que nada sabem não passam de reles miseráveis.
Quando (supostamente) apaixonado, escreve mensagens matinais como: "Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti. Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil".
E faz promessas ardentes e enlouquecidas de paixão como: "Quando estou ao pé de ti sinto-me tão feliz; parece-me tudo tão bom... Queres que fujamos? Foge comigo, vem, levo-te! Vamos para o fim do mundo".
À medida que a relação progride e um certo grau de intimidade é estabelecido, ele passa a criticar paulatinamente o objeto de sua "paixão": "não use esse tipo de sapato", "aprenda a tocar tal música no piano", "fale baixo", "não acredito que você nunca leu esse livro?!", “você é infantil”, “solte esse cabelo”.
E quando a dama finalmente se entrega, aceita os seus apelos e faz as malas para viver com ele, ele fica irritadiço, diz que as coisas não podem ser feitas de modo tão precipitado; diz que está trabalhando demais e que em breve terá que viajar para o exterior a negócios, e... desaparece.
Não, cara amiga leitora, ele não é o canalha que partiu o seu coração. Ele é Basílio, personagem de Eça de Queiroz do livro "O Primo Basílio" (Editora Record), que levou sua prima Luísa, de vinte e poucos anos, à ruína.
Publicado em 1878, o romance deveria ser leitura obrigatória para todas as meninas em fase de formação. Não apenas porque a narrativa é pungente e questiona os valores das famílias ditas tradicionais, tampouco por tratar-se de um grande clássico, com personagens riquíssimos; nem por nos prender à sua narrativa do começo ao fim das 266 páginas; mas porque, para além da chantagem que Luísa - a prima que se apaixona pelo primo galanteador – sofre de sua criada invejosa Juliana (que descobre a traição da patroa, casada com Jorge), podemos entender a lógica DESSE TIPO de homem:
oprimobasilio.jpg