domingo, 16 de outubro de 2016



15/16 de outubro de 2016 | N° 18661
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

CADA UM POR SI E HAJA DEUS PARA TODOS


Um estudo antropológico realizado em Tbilisi, na Geórgia, está viralizando na internet porque revela o comportamento discriminatório das pessoas comuns em situações do cotidiano. Uma atriz de seis anos é exposta ao público em ambientes idênticos mas com indumentárias diferentes, e as reações são radicalmente opostas. Ninguém deixou de socorrer a menina lindamente vestida, com uma carinha triste e ar de abandono numa praça da cidade. Todos quiseram saber se ela estava perdida e se precisava de ajuda.

Horas depois, a mesma criança, agora maltrapilha, colocada no mesmo lugar, não mereceu nem o olhar de algum passante, porque a pobreza pode ser flagrada com um rabo de olho e, como encará-la poderia ser equivocadamente interpretado como vontade de socorrer, melhor tratá-la como invisível.

A experiência foi repetida num restaurante da cidade. A versão produzida foi festejada, enquanto a pobrezinha, agora num ambiente confinado, provocou duas reações imediatas: por onde ela passava as bolsas que descansavam distraídas nas cadeiras foram prontamente recolhidas, e ela foi enxotada. Afinal, pobre com fome embrulha o estômago dos saciados.

Um estudo semelhante foi feito há alguns anos em Nova York. Um homem jovem, vestindo um smoking, caído na frente de um teatro na Broadway, foi imediatamente socorrido e levado de ambulância em tempo recorde. Na noite seguinte, o mesmo ator, agora como mendigo, caiu no mesmo local e mereceu como única atenção o desvio dos transeuntes que, na medida do possível, procuravam não pisoteá-lo. Ninguém se dignou a gastar uma chamada de celular para solicitar assistência.

Difícil identificar o que está por trás desse comportamento que mistura egoísmo com discriminação pela pobreza em doses tão degradantes.

A impressão que se tem é que a maioria das pessoas vê os miseráveis como merecedores da sua condição e que, portanto, melhor deixá-los como estão. Outros, provavelmente um pouco constrangidos pela indiferença, justificam-se contando história que ouviram por aí de assaltantes que simulam essas situações para surpreender os incautos bem intencionados.

Uma amiga minha saía do aeroporto e, tendo visto um homem jovem estatelado num canteiro entre as pistas, parou o carro logo adiante, onde havia uma guarita, e alertou os policiais do seu achado. Ouviu como resposta: “Esse está sempre lá!”.

– Mas ele me pareceu que respirava mal. O senhor não poderia dar uma olhada?

– A gente cuida do nosso trabalho, e a senhora podia cuidar da sua vida!

A palavra de ordem da modernidade parece ser, cada vez mais, esta: não interessa se você vive em Tbilisi, Nova York ou Porto Alegre, cuide da sua vida e esqueça o RESTO.

Ah, e reze para ser encontrado por uma exceção se, um dia, VOCÊ precisar de ajuda.