segunda-feira, 9 de janeiro de 2017



09 de janeiro de 2017 | N° 18736 
DAVID COIMBRA

A força dos dias iguais


Diana Darke é uma escritora britânica que morava na Síria. Ela tinha uma casa em Damasco. Ou tem ainda, não estou certo. Com a guerra, Diana voltou para a Inglaterra e deixou a casa aos cuidados de um advogado. Mas descobriu que ele estava tramando para lhe tomar a propriedade e, assim, viu-se obrigada a ir a Damasco a fim de resolver a situação. Viajou apreensiva, esperando encontrar a cidade devastada e as pessoas desesperadas.

Mas, ao chegar lá, reviu os amigos que, um dia, deixara a chorar de alegria e constatou que eles continuavam vivendo suas vidas normalmente, indo ao trabalho, frequentando restaurantes, comprando comida em feiras bem abastecidas e, às vezes, divertindo-se em festas animadas.

Testemunhei algo parecido quando subi os Andes da Colômbia para entrevistar guerrilheiros das Farc, em 2001. Um dos povoados pelos quais passei havia sido abandonado por quase toda a população, devido à guerra. Restavam 12 famílias e as freiras de uma igreja, não mais do que 80 pessoas. Não havia traço do governo da Colômbia, nem de organização policial, jurídica ou política. Mas as 12 famílias viviam como se estivessem residindo em qualquer outra comunidade rural do mundo. Os homens acordavam de manhã, tomavam café e iam trabalhar em suas plantações, as crianças estudavam na igreja, as mulheres arrumavam as casas e preparavam o almoço. Havia um armazém onde às vezes eles se reuniam e bebiam a aguardente branca típica do local, e, aos domingos, todos assistiam à missa.

Nem a guerra consegue vencer a rotina. As atividades comezinhas da existência impõem-se sobre tudo. Você pode sofrer os maiores traumas ou ser protagonista das maiores façanhas, não faz diferença: todos os dias você terá de comer, dormir, fazer suas atividades fisiológicas, ocupar-se da higiene pessoal, agasalhar-se se estiver frio, refrescar-se se estiver calor. Você pode ter sido eleito presidente ou estar às franjas da morte, e a natureza seguirá seu rumo e a noite sucederá o dia, absolutamente indiferente ao que você pensa ou sente.

As coisas pequenas são mais importantes do que as grandes. Isso se aplica tanto à sua vida quanto à trajetória de uma nação inteira. No Brasil, que há dois anos experimenta uma fieira de acontecimentos estrondosos, o que realmente interessa é o que não aparece, é o sentimento do homem comum, que bate ponto na firma a cada manhã e senta-se diante da TV a cada noite. Esse homem, que toca o país, não dá facilmente a sua opinião. Mas ele a tem.

Na sua vida, a mesma coisa. O dia de amanhã cuidará de si mesmo, dizia Jesus. E é.

Vou aqui me ocupar de viver bem o dia. A grande vitória virá. Será saber, lá adiante, que vivi bem vários dias bons e iguais. E que, à noite, deitei-me em paz.